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5 DISCUSSÃO

5.1 Avaliação comunidade fotoautotrófica

Os resultados deste trabalho vem a complementar um estudo de longa data realizado pelo projeto MICROSFERA (CNPq/PROANTAR #407816/2013-5) com dados sobre aspectos do ciclo do carbono nos processos de sucessão ecológica dos solos da Antártica.

Processos de sucessão ecológica ocorrem nos solos da Antártica após o recuo de geleiras. Neste processo, a comunidade microbiana que estava previamente coberta por gelo, durante centenas a milhares de anos, passa a ser exposta à atmosfera e é suprida com nutrientes, oxigênio, luz, e água líquida. Nesse momento, os microrganismos ali presentes de forma “pioneira”, dão início aos processos de sucessão ecológica, alterando a composição do solo em que vivem.

As duas geleiras estudadas no projeto possuem registros de retração diferente. A geleira Baranowski apresenta uma velocidade média de 18 m.ano-1 (Rosa, 2009; Duarte, 2010), enquanto a geleira Collins retrai a aproximadamente 4 m.ano-1 (Watcham, 2011). Para a discussão dos resultados deste estudo é

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importante considerar esta diferença na velocidade de retração, pois os solos foram coletados em um gradiente de 0 a 400 m de distância da frente de cada geleira. Considerando uma velocidade de retração constante, o solo BGS400 tem uma idade de exposição estimada em 22 anos, enquanto o solo COL400 tem aproximadamente 100 anos de contato com a atmosfera. Esta importante diferença será discutida frente aos resultados obtidos neste trabalho.

A geleira Baranowski não apresentou fotoautotróficos na amostra de solo de 0 m, indicando que não há fixação de carbono por fotossíntese nos solos imediatamente expostos por retração desta geleira (Figura 10). Sendo assim, a comunidade microbiana do solo recentemente exposto depende de outras fontes de carbono orgânico, como por exemplo da matéria orgânica já estocada no solo. Este fenômeno também foi observado em solos dos Alpes da Áustria que apresentaram recuo de geleira nos últimos 150 anos (Bardgett, 2007). No solo BGS50, que corresponde a 3 anos de exposição do solo, os fotoautotróficos foram detectados a uma concentração de 74 células.g-1, o que sugere que neste intervalo de tempo ocorra a invasão de microrganismos fotoautotróficos na comunidade microbiana, suprindo a cadeia trófica com a fixação de carbono atmosférico. Entretanto, a concentração desses organismos diminuiu entre BGS100 e BGS300, sugerindo que processos de sucessão ecológica nos próximos 16 anos de exposição limitem o tamanho populacional dos fixadores de carbono. Após o solo completar cerca de 22 anos de exposição (BGS400), a concentração de fotoautotróficos aumenta novamente até 184 células.g-1, atingindo o maior valor observado na cronossequência da Baranowski.

Duarte (2010) e Laforce (2019) estudaram a sucessão ecológica nos solos da geleira Baranowski com métodos de sequenciamento do gene RNAr 16S e identificaram que mudanças significativas na estrutura de comunidade microbiana ocorriam às distâncias aproximadamente de 0 m, 50 m, e 400 m. Estes autores identificaram que entre 50 e 300 m a comunidade microbiana era diferente do solo mais jovem (0-50 m) e do solo mais antigo (300-400 m), associando este processo à sucessão ecológica. A divisão da comunidade microbiana nestas distâncias (0-50 m; 50-300 m; 300-400 m) é similar ao observado na concentração de fotoautotróficos determinada neste trabalho (Figura 5). Além disso, Duarte (2010) identificou que a mudança da diversidade por volta dos 300

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m de distância ocorria em paralelo à presença de líquens, musgos e gramíneas, os quais não ocorrem nos solos próximos das geleiras. Por exemplo, os musgos ocorrem a partir de 340 m de distância da frente da geleira Baranowski, e as gramíneas Deschampsia antarctica e Colobanthus quitensis após 380 m de distância da mesma. Este fenômeno pode estar relacionado com uma comunidade microbiana mais desenvolvida e com maior capacidade de dar suporte nutricional para as plantas (Duarte, 2010). Por fim, no solo 400 m de distância da geleira, os fotoautotróficos foram observados em maior quantidade ao mesmo tempo que há o registro de maior densidade de gramíneas no solo (Duarte, 2010). Isso sugere que a fixação de carbono é maior nos solos mais desenvolvidos, pois tanto os microrganismos fotoautotróficos quanto as plantas contribuem para gerar matéria orgânica nestes solos. Uma hipótese alternativa é que as plantas no solo de 400 m sejam responsáveis pela fixação do carbono, uma vez que elas ocorrem com sucesso de dispersão e reprodução no ambiente antártico, e a comunidade de microrganismos fotoautotróficos observada tenha uma função diferente nesses solos - como por exemplo na fixação de nitrogênio. Esta hipótese tem fundamento nos resultados de Duarte (2010) que observou maior concentração de NH3 e NO32- nos solos de 400 m, além do fato de muitas

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Figura 10: Vista da superfície do local de estudo. Coleta do solo de 0m da geleira Baranowski no verão de 2014/2015. Ilha rei George, Península Antártica (Antártica).

Fonte: Acervo Pessoal Diego Franco.

Os solos da geleira Collins apresentaram um resultado quantitativamente diferente, mas ainda assim similar quanto à dinâmica das populações fotoautotróficas. O solo abaixo da geleira (COL0) apresentou 660 células fotoautotróficas.g-1, ao contrário de BGS0 que não apresentou nenhum microrganismo fotoautotrófico. Este resultado pode ser explicado pelo fato de que o solo COL0 apresentava-se coberto por uma fina camada de gelo sobreposta por neve, ao contrário do solo BGS0 que estava completamente coberto por gelo. Estas informações, contidas no relatório de coleta em campo do projeto MICROSFERA, sugere que houve derretimento de parte da geleira Collins seguido por um rápido resfriamento, de alguns dias ou semanas antes do dia da coleta. Este derretimento da geleira provavelmente trouxe microrganismos da superfície da geleira até o solo. A superfície das geleiras são classicamente um habitat onde sobrevivem diversas espécies de bactérias do Filo Cyanobacteria (Hodson et al., 2008).

Um pico de concentração de 1180 células fotoautotróficas.g-1 foi observado no solo a 100 m de distância da geleira Collins (Figura 6). Nos solos mais jovens (0-50 m) a concentração de fotoautotróficos foi menor, indicando que houve um

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aumento desse grupo ao longo do tempo de exposição do solo. Assumindo uma velocidade constante de 4 m.ano-1, o solo a 100 m esteve descoberto pela geleira a 25 anos atrás. Este período de tempo é similar ao tempo que o solo da geleira Baranowski ficou exposto até alcançar a maior concentração de fotoautotróficos (BGS400). Além disso, dados obtidos no relatório de coleta indicam que os líquens, musgos e gramíneas ocorrem a partir dos solos a 100 m de distância da geleira Collins (Figura 11). Estes resultados sugerem que os processos de sucessão ecológica do solo antártico são similares, mesmo em geleiras com velocidades diferentes de derretimento e exposição do solo.

Figura 11: Vista da superfície do local de estudo. Coleta do solo de 300m da geleira Collins no verão de 2014/2015. Ilha rei George, Península Antártica (Antártica).

Fonte: Acervo Pessoal Diego Franco.

Os resultados do teste estatístico ANOVA não apresentaram significância entre as médias de fotoautotróficos dos solos. Este resultado pode ser explicado pelo fato de os desvios padrão das médias serem altos, uma vez que apenas 2 repetições dos experimentos foram realizadas no período. Entretanto, a observação de crescimento de microrganismos no meio Bristol dos solos BGS50, BGS400 e COL100 após poucos dias de incubação indicam que as maiores concentrações de fotoautotróficos realmente ocorrem nestes solos. Outras

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repetições do experimento poderão ser realizadas para complementar este trabalho. Por fim, a análise multivariada por PCA indicou a importância dos microrganismos fotoautotróficos na estruturação da comunidade microbiana a partir dos 3 primeiros anos até cerca de 22-25 anos de exposição do solo, sobretudo na participação destes microrganismos como fixadores de carbono e produtores primários nos solos antárticos.

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