IV. APLICAÇÃO DO ARTIGO 101.º, N.os 1 E 3, FORA DO ÂMBITO DE
4. Agrupamento de tecnologias
4.1. Avaliação da constituição e funcionamento dos agrupamentos de tecnologias
(232) A forma como um agrupamento de tecnologias é criado, organizado e funciona pode
reduzir o risco de que este tenha por objeto ou por efeito a restrição da concorrência e
dá garantias de que é pró-concorrencial. Ao avaliar os eventuais riscos
concorrenciais e ganhos de eficiência, a Comissão deverá, nomeadamente, ter em
conta: a transparência do processo de criação do agrupamento; a seleção e a natureza
das tecnologias agrupadas, incluindo-a participação dos peritos independentes na
criação e no funcionamento do agrupamento; e a existência ou não de salvaguardas
contra o intercâmbio de informações sensíveis, e de mecanismos independentes de
resolução de litígios.
Participação aberta
(233) Quando a participação no processo de criação de uma norma ou de um agrupamento
é aberta a todas as partes interessadas que representam diversos interesses, é mais
provável que as tecnologias integradas no agrupamento sejam selecionadas com base
em considerações de preço/qualidade do que quando o agrupamento é criado por um
conjunto limitado de proprietários de tecnologia. Do mesmo modo, quando as partes
no agrupamento se compõem de pessoas que representam diferentes interesses, é
mais provável que as condições de concessão de licenças, incluindo as royalties,
sejam oferecidas a todos os potenciais licenciados, não discriminatórias e reflitam o
valor da tecnologia licenciada do que quando o agrupamento é controlado apenas por
representantes dos licenciantes.
Seleção e natureza das tecnologias agrupadas
(234) Os riscos dos agrupamentos de tecnologia colocarem problemas a nível da
concorrência, bem como as suas perspetivas de aumentarem os ganhos de eficiência,
dependem em grande medida da relação entre as tecnologias agrupadas e da relação
entre as tecnologias agrupadas e as tecnologias exteriores ao agrupamento. É
conveniente estabelecer duas distinções fundamentais entre a) os complementos
tecnológicos e os substitutos tecnológicos, por um lado, e b) as tecnologias essenciais
e as tecnologias não essenciais, por outro.
(235) Duas tecnologias constituem complementos, mas não substitutos, quando são ambas
são necessárias para fabricar o produto ou realizar o processo a que se aplicam.
Inversamente, duas tecnologias constituem substitutos quando qualquer uma delas
permite ao licenciado fabricar o produto ou realizar o processo a que se aplicam.
(236) Uma tecnologia pode ser essencial para: a) fabricar um determinado produto ou
realizar um determinado processo a que as tecnologias agrupadas digam respeito, ou
b) fabricar esse produto ou realizar esse processo em conformidade com uma norma
que inclua as tecnologias agrupadas. No primeiro caso, uma tecnologia é considerada
essencial por oposição a não-essencial, se não existir qualquer substituto viável,
comercial ou tecnicamente, para esta tecnologia entre as tecnologias agrupadas e
entre as outras e se a tecnologia em questão constituir uma parte necessária do
conjunto das tecnologias agrupadas para fabricar o ou os produtos ou realizar o ou os
processos a que o agrupamento se aplica. No segundo caso, uma tecnologia é
essencial se constituir uma parte necessária (ou seja, quando não existem substitutos
viáveis) das tecnologias agrupadas necessárias para cumprir a norma abrangida pelo
agrupamento (tecnologias essenciais para a norma). As tecnologias essenciais são
também necessariamente complementos.
(237) Quando as tecnologias agrupadas são substitutos, as royalties são provavelmente
mais elevadas, uma vez que a ausência de concorrência entre as tecnologias em
questão não constitui uma vantagem para os licenciados. Quando as tecnologias
agrupadas são complementos, o agrupamento de patentes reduz os custos de
transação e pode dar origem a royalties globalmente mais reduzidas, uma vez que as
partes estão em condições de fixar as royalties comuns para o conjunto das
tecnologias, em vez de fixar cada uma das royalties não tendo em conta a royalty
fixada por terceiros. Para a avaliação de produtos de substituição fora do
agrupamento, ver o ponto (245).
(238) A distinção entre tecnologias complementares e tecnologias substitutas nem sempre é
bem definida em todos os casos, uma vez que as tecnologias podem ser em parte
substitutos e em parte complementos. Quando, devido a ganhos de eficiência que
resultarão da integração de duas tecnologias, os licenciados podem pretender
utilizá-las ambas, as tecnologias são tratadas como complementos, mesmo que sejam
parcialmente substituíveis entre si. Em tais casos, é provável que, na ausência do
agrupamento de tecnologias, os licenciados procurassem obter licenças para as duas
tecnologias devido às vantagens económicas suplementares decorrentes da utilização
de ambas, por oposição à utilização de apenas uma delas.
(239) A inclusão de tecnologias substitutivas no acordo de agrupamento, em geral,
restringe a concorrência intertecnologias, uma vez que pode levar a um agrupamento
coletivo e determinar um acordo de fixação de preços entre concorrentes. De uma
forma geral, a Comissão considera que a inclusão de substitutos significativos em
tecnologias agrupadas constitui uma infração ao artigo 101.º, n.º 1 e que é pouco
provável que as condições enunciadas no artigo 101.º, n.º 3, sejam preenchidas no
caso de agrupamentos que incluem tecnologias substitutas numa medida
significativa. Dado que as tecnologias em questão se podem substituir entre si, a
inclusão de ambas não dá origem a qualquer redução dos custos da operação. Na
ausência do agrupamento, os licenciados não teriam solicitado as duas tecnologias.
Para atenuar as preocupações de concorrência, não basta que as partes continuem a
poder conceder licenças de forma independente. Tal deve-se ao facto de as partes
terem provavelmente poucos incentivos para conceder licenças de forma
independente a fim de não prejudicar os efeitos da atividade de concessão de licenças
do agrupamento, que lhes permite exercer conjuntamente o seu poder de mercado.
Seleção e funções dos peritos independentes
(240) Um outro fator relevante para avaliar os riscos em matéria de concorrência e os
ganhos de eficiência do agrupamento de tecnologias é a participação dos peritos
independentes na criação e no funcionamento do agrupamento. Por exemplo,
determinar se a tecnologia é ou não essencial para uma norma abrangida por um
acordo de agrupamento constitui frequentemente uma questão complexa, que exige
uma experiência específica. O envolvimento de peritos independentes no processo de
seleção pode contribuir de forma significativa para garantir a aplicação efetiva do
compromisso de incluir apenas tecnologias essenciais. Quando a seleção de
tecnologias a incluir no agrupamento é realizada por um perito independente, a
concorrência entre soluções tecnológicas disponíveis também pode ser reforçada.
(241) A Comissão tomará em consideração a forma como os peritos são selecionados, bem
como a natureza exata das suas funções. Os peritos devem ser independentes das
empresas que constituíram o agrupamento. Se os peritos estiverem ligados aos
licenciantes ou de qualquer modo deles dependentes, a sua participação terá menos
peso. Os peritos devem também ter a experiência técnica necessária para
desempenhar as funções que lhes foram confiadas. As funções de peritos
independentes podem envolver, nomeadamente, a apreciação da validade das
tecnologias que se propõe sejam integradas no agrupamento e do seu caráter
essencial ou não.
(242) Por fim, importa considerar qualquer mecanismo de resolução de litígios previsto nos
instrumentos de criação do agrupamento. Quanto mais a resolução de litígios for
confiada a entidades ou a pessoas independentes do agrupamento ou dos seus
membros, mais provável é que a resolução dos litígios se processe de forma neutra.
Salvaguardas contra o intercâmbio de informações sensíveis
(243) Importa igualmente tomar em consideração as disposições relativas ao intercâmbio
de informações sensíveis entre as partes. Em mercados oligopolistas, o intercâmbio
de informações sensíveis, tais como os dados relativos à fixação de preços e à
produção, podem facilitar a colusão
86. Em tais casos, a Comissão tomará em
consideração se foram criadas salvaguardas para garantir que não foram trocadas
quaisquer informações sensíveis. Um perito independente ou a entidade que concede
licenças pode desempenhar um papel importante relativamente a este aspeto,
garantindo que os dados relativos à produção e às vendas, que podem ser necessários
para efeitos de cálculo e de verificação das royalties, não são divulgados a empresas
que estejam em concorrência nos mercados relevantes. Precauções especiais devem
ser tomadas para pôr em prática essas medidas de salvaguarda quando as partes
interessadas participem simultaneamente nos esforços para formação de conjuntos de
normas concorrentes, sempre que tal possa conduzir a intercâmbio de informações
sensíveis entre os agrupamentos concorrentes.
Zona de segurança
(244) A criação e o funcionamento do agrupamento, regra geral, não são abrangidos pelo
âmbito de aplicação do artigo 101.º, n.º 1, independentemente da posição das partes
no mercado se estiverem preenchidas todas as condições seguintes:
(a) Abertura da participação no processo de criação da norma e do agrupamento a
todas as partes interessadas;
(b) Adoção de salvaguardas suficientes para garantir que apenas tecnologias
essenciais (por conseguinte, também necessariamente complementares) são
agrupadas;
(c) Adoção de salvaguardas suficientes para garantir que o intercâmbio de
informações sensíveis é limitado ao necessário para a criação e funcionamento
do agrupamento;
86
(d) Concessão de licenças relativas a tecnologias agrupadas numa base
não-exclusiva;
(e) Concessão de licenças relativas a tecnologias agrupadas a todos os licenciados
potenciais em condições leais, razoáveis e não discriminatórias (condições
FRAND);
(f) Faculdade de as partes que contribuem com tecnologia para o agrupamento e
de os licenciados contestarem a validade e o caráter essencial das tecnologias
agrupadas, e
(g) Possibilidade de as partes que contribuem com tecnologia para o agrupamento
e de os licenciados desenvolverem produtos e tecnologias concorrentes.
Fora da zona de segurança
(245) Quando o agrupamento diz respeito a patentes complementares significativas, mas
não essenciais, existe um risco de exclusão da tecnologia de terceiros. Por
conseguinte, quando uma tecnologia é abrangida pelo agrupamento e licenciada
enquanto parte do conjunto das tecnologias agrupadas, os licenciados terão
provavelmente poucos incentivos para adquirir a licença de uma tecnologia
concorrente, uma vez que a royalty paga pelas tecnologias agrupadas abrange já um
substituto. Além disso, a inclusão de tecnologias desnecessárias para fabricar o(s)
produto(s), realizar o(s) processo(s) a que se aplicam as tecnologias agrupadas ou
para respeitar a norma que inclui a tecnologia agrupada obriga igualmente os
licenciados a pagar tecnologias de que provavelmente não têm necessidade. A
inclusão de tecnologia complementar equivale por conseguinte ao agrupamento
coletivo. Quando o agrupamento inclui tecnologias não essenciais, o acordo pode ser
abrangido pelo artigo 101.º, n.º 1, na medida em que o agrupamento tenha uma
posição significativa em qualquer mercado relevante.
(246) Uma vez que podem ser desenvolvidas tecnologias complementares e de substituição
após a criação do agrupamento, a apreciação do caráter essencial é um processo
contínuo. Uma tecnologia pode, por conseguinte, tornar-se não essencial após a
criação do agrupamento devido ao aparecimento de novas tecnologias de terceiros.
Uma forma de garantir que essas tecnologias de terceiros não são excluídas é
suprimir do agrupamento tecnologias que se tornaram não essenciais. Contudo,
podem existir outros meios para garantir que as tecnologias de terceiros não são
excluídas.
(247) Na apreciação de agrupamentos de tecnologias que incluem tecnologias não
essenciais, a Comissão irá, na sua avaliação global, nomeadamente, ter em conta os
seguintes fatores:
(a) Se existem razões pró-concorrenciais para incluir as tecnologias não essenciais
no agrupamento, por exemplo devido aos custos para avaliar se todas as
tecnologias são essenciais, tendo em conta o elevado número de tecnologias;
(b) O facto de os licenciantes manterem a liberdade de conceder licenças
relativamente às tecnologias respetivas de forma independente. Quando o
acordo inclui um número limitado de tecnologias e existem tecnologias de
substituição fora do agrupamento, os licenciados podem desejar constituir o
seu próprio pacote tecnológico composto em parte por tecnologias que fazem
parte do agrupamento e em parte por tecnologias detidas por terceiros;
(c) O facto de, nos casos em que as tecnologias agrupadas têm diferentes
aplicações, algumas das quais não exigem a utilização de todas as tecnologias
agrupadas, o acordo de agrupamento oferecer as tecnologias apenas enquanto
pacote único ou oferecer pacotes separados para aplicações distintas, cada um
deles contendo apenas as tecnologias pertinentes para o pedido em causa. Neste
último caso, as tecnologias não essenciais para um determinado produto ou
processo não estão associadas a tecnologias essenciais;
(d) O facto de as tecnologias agrupadas estarem apenas disponíveis num pacote
único ou de os licenciados poderem obter uma licença para apenas uma parte
do pacote com uma redução correspondente das royalties. A possibilidade de
obter uma licença para apenas parte do pacote pode reduzir o risco de exclusão
do mercado de tecnologias pertencentes a terceiros e que não são abrangidas
pelo agrupamento, em especial se o licenciado obtiver uma redução
correspondente das royalties, o que exige que uma parte das royalties globais
tenha sido afetada a cada uma das tecnologias abrangidas pelo acordo de
agrupamento. Se os acordos de licença celebrados entre o agrupamento e os
No documento
PROJETO DE COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO
(páginas 71-75)