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CAPÍTULO II – DESENVOLVIMENTO E AVALIAÇÃO DA INTERVENÇÃO

2.1 Intervenção pedagógica

2.1.7 Avaliação da sequência didática 3

Após a conclusão das tarefas propostas na página web, gerou-se um pequeno momento de reflexão oral, no qual os alunos comentaram e analisaram brevemente alguns dos dados recolhidos sobre os hábitos culturais dos espanhóis. Em reflexão escrita anterior a este momento da aula, eu houvera identificado o “perigo de se desfazer um estereótipo e substituí-lo por outro” (Abril 2012), o que de facto correu o risco de acontecer, nomeadamente quando se observou ser a impontualidade uma caraterística típica dos espanhóis. No entanto, eu houvera previsto

que essa questão vai ser trabalhada precisamente na próxima aula, quando os alunos acabarem as tarefas da página na internet e refletirmos sobre as informações recolhidas por eles, para depois poderem levar a cabo a tarefa final, que consiste em elaborar em pares um guia de sobrevivência intercultural (Abril 2012)

pelo que em determinado momento assumi o papel de guia e orientei a reflexão dos alunos no sentido de ponderar a impontualidade dos portugueses como também sendo típica, mas levando-os a reconhecer que essa caraterística não se aplica a todos. Desta forma, os próprios alunos sublinharam que uma caraterística típica dos espanhóis não equivale a uma caraterística generalizada.

De seguida, os alunos elaboraram, em suporte PowerPoint, os guias de sobrevivência intercultural para estrangeiros que queiram visitar Espanha, que enviaram para o meu endereço de correio eletrónico. Após a análise dos mesmos, verifiquei que seria possível agrupá-los em

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cinco graus diferentes, cada um correspondente a um nível de consciência intercultural explicitado no corpo do trabalho. A gradação foi estabelecida por mim com base em conceitos inerentes à consciência intercultural explicitados em bibliografia especializada, sintetizadas no esquema inserido na página 42. Neste ponto será pertinente sublinhar que a análise dos excertos que a seguir se apresentam se imbui de um espírito intuitivo com base em noções previamente consultadas, e não numa escala quantitativa rígida, pois

the intercultural competence requires a change of perspective on self and other, on the world of one’s socializations and the world’s one meets through language learning. It involves affective as well as cognitive change, and may be a challenge to one’s identities as a speaker of one (or more) particular language(s) from childhood. These are issues which language teachers approach with care – and all the more so those who are responsible for assessment. (Byram, 2003:13)

Optei por apresentar apenas excertos correspondentes a um trabalho por cada um dos cinco níveis assim estabelecidos, uma vez que em cada um de dois desses níveis encaixaram três trabalhos. Saliente-se que os excertos são apresentados sem terem sido alvo de correção.

Eis o excerto do primeiro trabalho selecionado para efeitos de análise:

Figura 4 – Guía de supervivencia (extrato do trabalho de um grupo de alunos)

Neste trabalho, os alunos demonstraram ter uma clara ideia de que cada país tem os seus próprios costumes e que o desconhecimento dos mesmos pode gerar mal-entendidos. A consciência intercultural destes alunos permitiu-lhes ter noção de que é importante estar recetivos e motivados para adquirir saberes e comportamentos socioculturais de modo a não causar situações constrangedoras. Pode considerar-se que a sua consciência intercultural já lhes

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potenciava a aquisição futura de habilidades e atitudes interculturais específicas no sentido de desenvolver e cimentar uma competência intercultural cada vez mais ampla e rica.

Figura 5 – Guía de supervivencia (extrato do trabalho de um grupo de alunos)

O grupo autor deste trabalho já foi mais longe que o grupo do trabalho correspondente à figura 4, no sentido em que referiu várias vertentes do contacto comunicativo (pessoas, culturas, costumes) que podem ser diferentes das do país de origem, tendo explicitado o conceito de shock cultural. Este grupo demonstrou ter perfeita noção de que as diferenças interculturais, se não forem entendidas (ou mesmo conhecidas), poderão causar, não apenas mal-entendidos, como referido pelo grupo anterior, mas mesmo desorientação. Este grupo já teve presente que, para não haver essa desorientação, alguém que viaje até Espanha deverá ter em mente uma série de referentes culturais, de saberes e de comportamento socioculturais para superar a desorientação. Assim, os alunos deste grupo demonstraram uma sólida consciência intercultural que poderá permitir-lhes desenvolver e cimentar uma competência intercultural que se pretende cada vez mais ampla e rica. De referir que houve dois outros grupos (cujos excertos não são aqui apresentados) cujos trabalhos evidenciaram as noções de desorientação e de choque cultural.

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Figura 6 – Guía de supervivencia (extrato do trabalho de um grupo de alunos)

O terceiro grupo incluiu no seu trabalho uma noção que, em Portugal, a sabedoria popular imortalizou em adágio: “em Roma sê romano”. Quer isto dizer que o grupo reconheceu que para se superar a confusão criada pelas diferenças culturais para as quais não se está alerta, há que “ser un español”, ou seja, atuar tal e como atuaria um espanhol no seu país. Dito por outras palavras, desconstruir completamente os estereótipos e as imagens que se tem enquanto portugueses dos espanhóis, e adquirir saberes e comportamento socioculturais que potenciem o desenvolvimento de habilidades e atitudes socioculturais, de modo a interagir com os locais detendo uma ampla consciência da realidade cultural que lhes está subjacente. Desta forma, os elementos do grupo revelaram ter uma consciência intercultural bastante desenvolvida, o que poderá potenciar o desenvolvimento de uma competência intercultural bastante rica. Refira-se que houve mais dois grupos (cujos excertos não são aqui apresentados) que também identificaram o sucesso comunicativo e afim com o princípio de “em Roma sê romano” adaptado à realidade concreta: “En España tienes que ser español” e “serás igual a los españoles”.

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Figura 7 – Guía de supervivencia (extrato do trabalho de um grupo de alunos)

Este grupo deu um passo mais em relação aos anteriores porque no seu discurso contemplou a noção de que não é suficiente conhecer a língua, mas que também é importante conhecer a língua. Além disso, descreveu uma série de conteúdos funcionais que aliam as estruturas da própria língua a habilidades e atitudes interculturais; estas últimas, de acordo com as propostas incluídas no trabalho (“vamos a decirte como debes saludar”…), ilustram a noção presente no grupo de que a comunicação implica o domínio da própria língua, bem como o domínio do “saber estar”, “saber ser” e “saber fazer”. Os elementos deste grupo evidenciaram uma consciência intercultural na qual poderão apoiar-se para desenvolver uma competência intercultural bastante rica.

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Este grupo destacou-se dos demais por incluir no seu discurso várias noções que sintetizam a superação do etnocentrismo através da consciência intercultural resultante da compreensão da noção de que o desenvolvimento da consciência intercultural cultural é um processo. Explicitaram de forma coerente o encadeamento de noções que vai desde o mal- entendido provocado pelo desconhecimento dos referentes culturais espanhóis por parte de alunos portugueses, passando pela noção de choque cultural e sublinhando a importância inerente à possibilidade de “sentirse como un español”, cuja relevância está descrita na análise feita ao excerto do terceiro grupo. O facto de os alunos deste grupo terem mobilizado todos estes conceitos mostra que estavam conscientes de que a superação do etnocentrismo através do domínio de conhecimentos, habilidades e saberes interculturais é um ponto-chave para desenvolver uma consciência intercultural. Desta forma, poderá considerar-se que neste ponto demonstraram eles mesmos uma consciência intercultural muito desenvolvida que poderá ser potenciada no desenvolvimento de uma competência cultural muito rica.

Após a apresentação e comentário dos guias de sobrevivência intercultural, pedi aos alunos que preenchessem um questionário intitulado “Autoevaluación de mi competencia intercultural” (ver anexo 10). O questionário foi adaptado a partir de uma proposta de González Piñeiro, Guillén Díaz & Vez (2010), que originalmente inclui vinte e cinco pontos em cada um dos três componentes que fazem parte da competência intercultural (atitudes, habilidades e conhecimentos), mas eu optei por excluir dez e adaptar alguns dos restantes quinze, com o intuito de superar constrangimentos de tempo no preenchimento do mesmo. Por outro lado, algumas questões originais apontam para um público-alvo emigrante, o que não se ajusta à realidade dos alunos. Para o tratamento dos resultados conseguidos através do preenchimento do questionário, usei uma tabela proposta por González Piñeiro, Guillén Díaz & Vez (2010) (ver anexo 11), com base na qual tracei o perfil de competência intercultural de cada aluno. Sublinhe-se que o resultado final, expresso numa escala numérica, é apenas uma orientação que permite perceber que competências interculturais possuía cada aluno no momento da sua elaboração, devendo ser lido com flexibilidade e com a noção da sua vertente descritiva, não prescritiva (González Piñeiro, Guillén Díaz, & Vez, 2010).

Em cada uma das três componentes do questionário, somei os pontos correspondentes às respostas de cada aluno; depois dividi o valor total de pontos de cada componente por quinze (total de questões de cada componente), para deste modo obter um número inserível na escala de 0 a 5, perfazendo uma média aritmética em cada componente. Os valores parciais obtidos

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foram aproximados a valores de quartas partes (i.e., 0,25; 0,5; 0,75). Os valores assim obtidos foram transferidos para a tabela mencionada no parágrafo anterior, tendo o descritor de cada componente sido colorido diferentemente, por forma a veicular um contraste visual entre os valores das três componentes. No final, cada aluno pôde verificar, de acordo com a pontuação obtida em cada componente, quais as competências interculturais que possuía. Relembre-se, no entanto, que “con este perfil sólo se pretende alcanzar cierta intuición sobre la competencia intercultural” (ibd., 2010:246), pelo que os valores obtidos correspondem a uma avaliação qualitativa.

Os perfis individuais dos alunos foram-lhes enviados por correio eletrónico e cada aluno teve, em contexto de sala de aula, oportunidade de refletir oralmente sobre o seu próprio perfil.

No gráfico que se apresenta a seguir pode observar-se quantos alunos obtiveram que classificações em cada uma das três componentes da competência intercultural (relembre-se que o total de alunos da turma é 18), incluindo as pontuações parcelares:

Pontuações

3 3,25 3,5 3,75 4 4,25 4,50 4,75

Atitudes 1 1 0 2 1 3 5 5

Habilidades 1 1 2 2 1 4 3 4

Conhecimento 0 1 2 2 4 1 3 5

Tabela 5 – Autoavaliação da competência intercultural (pontuações obtidas)

É possível observar que nenhum aluno atingiu a pontuação 5, correspondente ao nível de transculturalidade (Meyer, 1991) em nenhuma das três componentes; por outro lado, nenhum aluno se situou abaixo da pontuação 3 em nenhuma das componentes, acabando todos os alunos por situar todos os seus valores entre os indicadores 3 e 4. Tendo em conta estes dados, vejamos como se distribuiu o número de alunos por cada uma das pontuações unitárias 3 e 4:

Valor 3 Valor 4

Atitudes 4 14

Habilidades 6 12

Conhecimento 5 13

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É percetível que a maioria dos alunos se situou numa pontuação mais elevada em cada um dos indicadores, sendo as amplitudes entre componentes nunca superior a dois alunos. Saliente-se que a diferença mais baixa entre o número de alunos que obteve pontuação 4 e o número de alunos que obteve pontuação 3 se encontra na componente “habilidades”, sendo que o total de alunos que obteve pontuação 4 totaliza o dobro dos alunos com pontuação 3. Tendo em conta o valor descritivo do perfil individual traçado, poder-se-á avançar que a maioria dos alunos se situa num patamar em que “se relaciona y se mueve en un entorno multicultural” (González Piñeiro, Guillén Díaz & Vez, 2010). No entanto, ao observarmos as diferenças do número de alunos que se situam nos valores 3 e 4, coloca-se a seguinte questão: será que os alunos são coerentes nas suas pontuações finais, isto é, será que cada aluno obteve sempre a mesma pontuação nas três componentes? Para verificar, observe-se a seguinte tabela:

Total de alunos que obtiveram pontuação 4 nas

três componentes 12 (66,7%)

Total de alunos que obtiveram Pontuação 3 nas

três componentes 3 (16,65%)

Total de alunos que obtiveram pontuações 3 em

duas componentes e 4 em uma componente 3 (16,65%)

Tabela 7 – Autoavaliação da competência intercultural (pontuações obtidas em cada componente %)

Observando esta tabela, poder-se-á afirmar que se confirma a hipótese avançada na análise à tabela 5, no sentido de considerar que a maioria dos alunos se encontrava, nesta fase, num patamar de competência intercultural bastante significativo. Concretamente falando, foram doze os alunos que, ao obter pontuação 4 em todos os indicadores, demonstraram, de acordo com González Piñeiro, Guillén Díaz & Vez (2010), ser conscientes dos seus próprios valores e de como estes afetam a sua visão dos problemas e a sua resolução, bem como de ser conscientes de como os membros de outra cultura reagem perante eles como consequência dos seus próprios valores culturais. Três alunos, ao obter pontuação 3, demonstraram, ainda de acordo com os autores referidos (ibd., 2010), ser conscientes de ser pessoas culturalmente condicionadas, com preferências e costumes próprios, e de ser conscientes das diferenças que existem dentro de outas culturas que conhecem; isto significa que poderia considerar-se encontrarem-se estes alunos num patamar de desenvolvimento significativo, contudo não tanto como os doze referidos anteriormente. Quanto aos três alunos que obtiveram pontuações em

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dois indicadores simultaneamente, poderá considerar-se que se encontravam num patamar de desenvolvimento da competência intercultural mais significativo que os três alunos que obtiveram pontuação três, mas não tão significativo como o dos alunos que obtiveram pontuação 4.

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