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Capítulo 2. Autoconceito

2.6. Avaliação do Autoconceito

Com recurso à descrição que o individuo faz de si próprio ou através de reações por parte de outros semelhantes às suas atitudes torna-se possível a realização de uma avaliação relativa ao autoconceito (Martins, 2005).

De acordo com Veiga (1995), o autoconceito não pode ser avaliado diretamente. Neste contexto, a autoavaliação afigura-se como uma das técnicas utilizadas a partir da descrição que o indivíduo realiza a si próprio e tendo em conta a forma como se percebe a si mesmo. Esta técnica de avaliação permite a obtenção de respostas livres e recolha de informação que se poderia perder com recurso a outros instrumentos, porém não possibilita uma classificação estandardizada, dificultando

31 desse modo a cotação das respostas (Martins, 2005). É imperativo ter em consideração a possibilidade do efeito de desejabilidade social estar presente, o que cria uma situação na qual o indivíduo revela o que pensa ser o mais correto e o que o avaliador deseja ouvir, ao invés de revelar a sua verdadeira opinião (Martins, 2005).

Veiga (1995) menciona outra técnica que permite a recolha de informação e posterior avaliação do autoconceito, a observação. De acordo com o autor, esta técnica parte da observação dos comportamentos do indivíduo nos seus vários contextos, e deve ter inicio no aspeto exterior do observado, seguindo-se uma observação das expressões faciais, da linguagem e do modo de estar que o indivíduo apresenta. O objetivo final é a obtenção de uma perceção concreta do comportamento do indivíduo, recorrendo-se a um observador não participante, com uma atitude passiva e imparcial relativa ao indivíduo em questão, de modo a não influenciar o seu comportamento (Veiga 1995). A observação apresenta a vantagem da avaliação ser efetuada em contexto real, impedindo desta forma as possíveis alterações que poderiam ocorrer se a avaliação tivesse lugar em contexto experimental (Martins, 2005).

Giglione e Matalon (1992, cit. por Martins, 2005) fazem referência a outra técnica de avaliação - o questionário, que permite realizar a descrição dos indivíduos e de grupos, através da comparação das informações recolhidas. Esta técnica é bastante utilizada para a avaliação deste constructo, uma vez que possibilita uma recolha rápida de informação e apresenta uma cotação relativamente simples de efetuar (Martins, 2005). Exemplo deste tipo de instrumento é o instrumento Piers-

Harris Children’s Self-Concept Scale, traduzido e adaptado à população portuguesa

por Veiga (2006). A escala Piers-Harris Children’s Self-Concept Scale (PHCSCS-2)

tem sido, ao longo de décadas, recomendada na avaliação do autoconceito em qualquer âmbito da psicologia (e.g. educacional e clínica) com diversos fins (e.g. triagem, diagnóstico, avaliação de programas de intervenção) (Veiga, 2012). A escala PHCSCS-2 (Piers & Herzberg, 2002), de 60 itens, é considerada uma referência central na avaliação do ajustamento psicossocial (Holmbeck et. al, 2008). Na mesma linha, a escala PHCSCS V1-6 apresenta-se como uma nova versão, reduzida, do PHCSCS-2 de Veiga (2006; Veiga & Leite, 2016) composta por 30 itens. A pontuação de cada sujeito é calculada, tendo por base a atribuição do número de pontos correspondente às respostas selecionadas pelo sujeito.

De acordo com Markus e Nurius (1986, cit. por Neves & Faria, 2009) a direção da avaliação do autoconceito orienta-se para o passado e é fundado na experiência pessoal. Relativamente à especificidade da avaliação do autoconceito, o mesmo autor refere que este constructo remete para uma avaliação da competência ao nível de domínios de realização, e os itens presentes nos instrumentos apresentam questões relacionadas com o ser, ter ou sentir, não apresentam uma referência explícita aos objetivos de realização, e são elaborados de forma a evocar o passado.

A entrevista apresenta-se, ainda, como outra possibilidade de avaliação do autoconceito, obtendo de forma imediata as respostas dos indivíduos, o que permite a recolha de informação e simultaneamente o esclarecimento e orientação para novas informações. Como as respostas obtidas são do tipo "abertas", a cotação torna-se difícil assim como a interpretação de algumas respostas (Martins, 2005). É necessário ter em consideração que o indivíduo em estudo raramente está disposto a revelar o que pensa acerca de si próprio (Veiga, 1990). Deste facto, surgiu a necessidade por parte de alguns autores em recorrerem ao método indiferencial. Os defensores deste método pressupõem que o indivíduo está influenciado por mecanismos de defesa que não lhe permitem realizar uma descrição objetiva de si mesmo (Paiva, 2003, cit. por Martins, 2005). Este método recorre a observadores externos, que através da observação direta ou indireta, desejam obter uma reconstituição do conceito que o indivíduo tem de si próprio (Paiva, 2003, cit. por Martins, 2005).

Em síntese, o autoconceito é então uma auto teoria sobre o próprio, que de acordo com Epstein (1973) é o resultado das interações e das experiências que foi tendo ao longo da vida, facilitando a manutenção da autoestima pela organização das várias informações. Na perspetiva de Bergner e Holmes (2000), o autoconceito é caracterizado como um estado e não um traço, o qual permite à pessoa situar-se num universo delimitando o seu comportamento. A conceção que a pessoa tem de si irá determinar os seus comportamentos por se sentir ou não capaz, e/ou por sentir que de alguma forma esse comportamento vai violar o seu “Eu”. Como é referido por vários autores, o autoconceito desenvolve-se e modifica-se ao longo do tempo (Hattie, 1992; Manjarrez & Nava, 2002). Assim, na infância o autoconceito da criança tende a ser muito positivo, mas com o avançar deste período vão ocorrendo mudanças que ajustam as autorrepresentações tornando-as mais realistas e menos positivas (Harter, 1999), de tal forma que, no início da adolescência, o autoconceito do jovem está mais

empobrecido, aumentando novamente no final da adolescência e início da idade adulta (Marsh, 1989; Veiga, 1990).

A noção do individuo sobre o seu próprio desempenho é moldada pelo modo como os outros observam o individuo, sendo que, a comparação do comportamento do próprio com o dos pares e a avaliação de um comportamento especifico em função dos valores do grupo ou sociais (Serra, 1998) contribuem para a formação do autoconceito. Este deve ser avaliado de forma autocritica, permitindo a recolha de respostas livres. Por outro lado, e de forma a possibilitar uma categorização estandardizada, Veiga (1995) refere a observação como uma válida forma de recolha de informação, sendo complementada com a implementação de um questionário (Giglione & Matalon, 1992) permitindo a recolha rápida e comparação de grandes populações.