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7. ANÁLISES DAS PRÁTICAS EDUCACIONAIS

7.3. AVALIAÇÃO DOS JOGOS

Os jogos em softwares digitais foram feitos após as atividades de áudio do programa “Provérbios” do segundo ano, no dia 16 de agosto de 2011. Os jogos do programa “Sinistro!” não estavam disponíveis no site até a finalização do período em que esta pesquisa foi desenvolvida, por isso, não foram realizados.

Eles foram feitos após a escuta do programa completo e da realização das atividades pós-exibição, conforme propõe o guia do material didático. São atividades muito rápidas, de fácil acesso pelos alunos e para as quais eles não apresentaram nenhuma dúvida durante e depois da realização.

No penúltimo encontro do grupo, em 1 de dezembro de 2011, os alunos realizaram uma avaliação das diferentes etapas do trabalho com o material do Projeto Conexão Linguagem. Entre as perguntas a serem respondidas, estava a seguinte: “Os jogos realizados foram fáceis ou difíceis? Por quê?”.

Nessa ocasião, estavam presentes apenas 15 alunos. Cada um respondeu a essa questão individualmente e pouco se alongaram em suas considerações.

Entre eles, apenas dois classificaram as atividades dos jogos como difíceis. Um deles não apresentou justificativa. O outro considerou a falta de conhecimento dos provérbios apresentados:

(1) Tive dificuldades por conter vários provérbios que não conhecia.

É interessante observar essa afirmação porque ela não estabelece relação com um aspecto que analisamos nas atividades do CAF: o deslocamento proposto pelas práticas educacionais, o que observamos marcado nos comentários de diferentes alunos.

Nesse caso, a dificuldade em realizar os jogos estava no desconhecimento dos provérbios. O comentário não afirma, por exemplo, que era difícil pesquisar o sentido dos provérbios que desconhecia, ou que era preciso recorrer muitas vezes à ajuda da professora. Mesmo as atividades tendo sido realizadas em um computador conectado à Internet e com a presença da professora em sala, o comentário marca a condição de desconhecimento.

Não me foi apresentada nenhuma questão durante a realização dos jogos, tampouco observei que os alunos abriam outras janelas para fazerem pesquisas, enquanto jogavam, o que aconteceu diversas vezes durante a realização das atividades pós-exibição. Esses gestos marcam a diferença das propostas das atividades pós-exibição e dos jogos: enquanto os primeiros devem promover pesquisas e discussões, os últimos levam a respostas específicas e foram pensados para que sua realização não demandasse o acesso a outros materiais, ainda que isso pudesse ocorrer.

Essa observação pode ser decorrente da relação que os jogos estabelecem com a prática dos jogos de videogame estabilizada há décadas e pelo menos há 20 anos no Brasil. Quando joga videogame, o usuário não tem como prática interrompê-lo para fazer pesquisas ou solicitar informações a outras pessoas. Os jogos normalmente são individuais ou, quando com mais de um jogador, eles são postos em disputas.

Essa relação com os videogames, enquanto objeto de lazer, também é observada nos comentários que julgaram os jogos fáceis. Os adjetivos encontrados para qualificá-los são: divertidos e legais. Os dois fazem referência ao discurso lúdico, como já discutimos anteriormente. A relação entre a facilidade na aprendizagem e o lazer novamente é marcada nos comentários.

Duas respostas em especial nos chamam a atenção:

(2) Foram fáceis, e muito legais, pois é um modo de interagir com os estudos

aprendendo.

(3) Fáceis, mas é necessário muita atenção.

Em (2), além de qualificar o jogo como “legal”, a explicação introduzida pela conjunção “pois” retoma a interação, que também já foi analisada nos comentários do CAF. Nesse caso, o verbo “interagir” é posto como transitivo indireto, cujo complemento são os estudos. Para completar a construção, é apresentado o verbo “aprendendo”, funcionando como adjunto adverbial de “interagir”. Essa última marca retoma, novamente, a relação entre a instituição Escola e o discurso do lazer. O verbo “interagir” é usado comumente para estabelecer relações entre as pessoas. Contudo, a resposta do aluno afirma uma interação inesperada: com os estudos. O uso do verbo “aprendendo” coloca em cena uma nova quebra de expectativa: se é preciso dizer que interagindo com os estudos aprende-se, é porque a palavra interação, imaginariamente, no contexto dado, não se relaciona ao processo de aprendizagem.

Considerando que “aprendendo” e “estudo” são marcas do discurso pedagógico e “interagir” remete ao discurso lúdico, então há no enunciado 2 uma relação interdiscursiva que põe em cena dois discursos que, muitas vezes, não são correlacionados.

Por outro lado, o enunciado (3) coloca em oposição a facilidade de realização dos jogos e a necessidade de concentração, o que é marcado pela conjunção adversativa “mas”. Assim, a construção permite que compreendamos que aquilo que é fácil não precisa

de concentração, enquanto o que é difícil, precisaria. Para colocar as duas situações em um mesmo enunciado, é preciso coordená-las com uma oposição.

Pensando novamente nas práticas educacionais, para aprender, muitas vezes julga-se que é preciso haver concentração. Muitos dos casos de fracasso escolar atuais, por exemplo, têm sido atribuídos ao chamado “déficit de atenção”, característico de algumas crianças e adolescentes, o que se torna uma grande preocupação de pais e professores. Para aqueles que são diagnosticados dessa forma por médicos, são, muitas vezes, assinados laudos que atestam a necessidade do aluno de meios especiais para sua aprendizagem, diferentes dos convencionais.

Um trabalho da área de neuropsicologia (Swenson et al, 2010) sobre a atividade eletrodérmica (do inglês “electrodermal activity”), que indica a atividade cerebral, durante algumas atividades, merece atenção para analisarmos a questão da concentração. Analisando as atividades de um aluno durante uma semana, os autores produziram um gráfico, que indica níveis semelhantes e quase nulos de atividade do aluno quando está assistindo a aulas e diante da televisão.

Diante da perspectiva que aqui propomos, para aprender é necessário mais do que um aluno atento às explicações de um professor. É preciso haver a participação e o envolvimento de todos os sujeitos que participam do processo.

A resposta (3) registra essa necessidade de atenção que a escola demanda para a aprendizagem, remetendo ao discurso pedagógico, ao que se espera de um sujeito-aluno. A conjunção “mas” em “É fácil, mas é necessário muita atenção”, coloca esse estado de atenção como uma atividade em oposição ao adjetivo “fácil”: muita atenção, então, não é fácil. Contudo, no texto do aluno, o jogo, além de ser fácil, também exige atenção.

Há aí, mais uma vez, as oposições marcadas pelos comentários, retomando práticas que se estabilizaram nas instituições de ensino e as características do que desenvolveram a partir das propostas do material Conexão Linguagem. O que observamos, assim como nas análises do CAF, é a afirmação de diferenças em relação às práticas educacionais estabilizadas, apontando que os filmes, clipes e propagandas constituem-se

em tecnologias na prática educacional instaurada no programa. A oposição enunciada no comentário 3 aponta para a polissemia na prática educacional, não para uma paráfrase de outras práticas às quais a aluna teve acesso.

Em (2) e (3), os alunos qualificam os jogos como fáceis, ao contrário de (1) que afirmava haver dificuldades pelo desconhecimento dos provérbios analisados. Nesse aspecto, é interessante retomar que os jogos propuseram análises semelhantes àquelas feitas no programa de rádio e nas atividades pós-exibição, mas com materialidades diferentes. Esses dois últimos enunciados indicam-nos também um parâmetro de avaliação desse material, já que, sozinhos, esses alunos foram capazes de desenvolver as atividades propostas, ou seja, o programa de rádio e as atividades pós-exibição promoveram um deslocamento que possibilitou-lhes realizar as análises solicitadas pelos jogos.

Vamos analisar uma última resposta apresentada pelos alunos.

(4) Minhas maiores dificuldades foram não conhecer alguns provérbios e

assim errar e perder o jogo :’(

Nela, a aluna enuncia também as dificuldades encontradas, assim como em (1), indicando que o deslocamento produzido pelo material que analisamos em (2) e (3) não é estável para todos os alunos, ao menos para a realização dos jogos. Por outro lado, também nesse caso, a dificuldade é relacionada ao desconhecimento dos provérbios, mas não à prática analítica em si.

Chama-nos a atenção o trecho “ :’( ” que compõe o fim da resposta (4). Essa combinação de sinais de pontuação (dois-pontos, apóstrofe e parênteses) remete à feição de tristeza e é definido como uma das formas de “emoticons”. De acordo com Komesu (2001, p. 120), os emoticons “são construídos a partir de sinais de pontuação e são utilizados em escrita para a expressão de sentimentos humanos” e podem ser comuns a diferentes línguas. A partir das análises feitas em sua pesquisa, a autora afirma que os emoticons são muito comuns em páginas da Internet, chats e e-mails e seu uso “parece marcar nos enunciados

digitais o propósito de estabelecer uma empatia com o leitor” (ibidem, p. 93), mesmo quando remete à tristeza, como é o caso analisado.

A busca pela empatia remete-nos novamente ao discurso lúdico, que permeia a interpretação dos jogos. Ao afirmar que erra e perde o jogo, o aluno enuncia o emoticon de tristeza. Ele poderia, por exemplo, ter escrito o advérbio “infelizmente”, que seria mais próprio do contexto formal ao qual a escrita remete. Mas, ao usar o sinal, ele, por um lado, estabelece um interdiscurso com a linguagem própria ao meio digital, marcando a difusão que há entre ele e o impresso; por outro lado, essa marca usa de uma linguagem que remete a um contexto de informalidade, buscando empatia com o leitor, marcando o discurso lúdico.