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RESUMO

O tratamento biológico de esgotos domésticos, mesmo atendendo aos parâmetros físicos e químicos legais para lançamento, nem sempre garante a eliminação da toxicidade dos efluentes e seu potencial de impacto nos corpos hídricos, sobretudo em locais onde não há legislação específica para esse caráter. Amostras de três sistemas convencionais de tratamento de esgotos domésticos com diferentes tecnologias de tratamento (lodos ativados, UASB/filtro biológico percolador (FBP), tanque séptico/filtro anaeróbio) foram avaliadas quanto a parâmetros físicos e químicos e às toxicidades aguda e crônica aos organismos Daphnia similis e Ceriodaphnia dubia. O tratamento aeróbio foi mais eficiente na remoção de matéria orgânica e nutrientes em relação aos outros dois sistemas, com eficiências de remoção de DQO acima de 90%, e 70% nos outros dois sistemas. Os três sistemas foram capazes de remover a toxicidade, embora o sistema que emprega a tecnologia por lodos ativados tenha sido mais efetivo, com eficiência de 87 a 100% de remoção. Nos sistemas anaeróbios, a toxicidade não foi completamente removida e o efluente do sistema constituído de UASB / FBP foi o que apresentou potencial para causar toxicidade no corpo receptor. A aplicação do protocolo de avaliação e identificação da toxicidade revelou que os agentes tóxicos presentes nas amostras são eliminados em pH ácido, com tratamentos adicionais que envolvam a precipitação, volatilização ou oxidação.

2 INTRODUÇÃO

O lançamento de efluentes em corpos hídricos sem o tratamento prévio é um dos maiores problemas ambientais da atualidade, pois provoca a degradação dos mananciais, o que, além de prejudicar a biota aquática levando ao declínio e até à extinção de populações, afeta a saúde e as atividades humanas, desde as mais

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corriqueiras, como abastecimento, até àquelas relativas ao desenvolvimento econômico, como irrigação e uso industrial. Segundo a última Pesquisa Nacional de Saneamento Básico, a PNSB 2008 (IBGE, 2010), 68,8% dos esgotos coletados no Brasil eram tratados, correspondendo a apenas 28,5% dos municípios. A projeção feita pela Política Nacional de Saneamento Básico (BRASIL, 2013), é de que esse total de esgoto tratado alcance o índice de 93% no país somente no ano de 2033.

Além dessa fração considerável de esgotos sanitários lançados sem tratamento nos mananciais, há que se considerar também que em muitos sistemas implementados, o efluente tratado pode não alcançar níveis satisfatórios de tratamento que atendam à legislação pertinente, em decorrência de problemas estruturais ou operacionais, e acabam sendo despejados com potencial para causar poluição nos corpos receptores. Mesmo naqueles cujos tratamentos satisfaçam os padrões legais estabelecidos para lançamento, podem ainda conter substâncias em concentrações capazes de provocar efeitos deletérios aos organismos. Tais efeitos podem ser mensurados por meio de bioensaios de ecotoxicidade, ou simplesmente toxicidade, os quais utilizam organismos representativos da biota aquática em protocolos padronizados, cujos resultados permitem avaliar o impacto do lançamento de efluentes no meio hídrico, além do estabelecimento de limites permissíveis de poluentes para a proteção da vida aquática (ZAGATTO e BERTOLETTE, 2008).

Nos ensaios ecotoxicológicos, basicamente, os organismos-teste são expostos em diferentes concentrações da substância química ou efluente a serem testados, sob condições controladas. Após o período de exposição, são avaliados os indicadores de acordo com o organismo empregado, também se levando em consideração o tipo de efeito a ser avaliado, se agudo para aqueles mais severos, como mortalidade, ou crônico, como reprodução, mutação, entre outros. Estes efeitos são comparados ao controle, e os resultados podem ser expressos como concentração efetiva/letal X, CE(L)X, que reflete a concentração que causa efeito em X % (CE25 = 25%; CE50 =

50%) dos organismos testados no período de exposição; ou concentração do efeito não observado, CENO, e concentração do efeito observado, CEO, dentre outras formas de expressão.

Por se tratarem de misturas complexas de substâncias, a avaliação da toxicidade de efluentes não traz respostas sobre qual ou quais substâncias estariam causando o efeito

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observado, sendo, portanto, necessário lançar mão de outras ferramentas para a sua identificação. A agência de proteção ambiental dos Estados Unidos (United States Environmental Protection Agency, USEPA) desenvolveu um programa de Avaliação e Redução da Toxicidade, ART (Toxicity Reduction Evaluation, TRE), com o objetivo de avaliar a toxicidade de efluentes e identificar os compostos responsáveis para se buscar a sua redução ou eliminação. Este programa é composto de uma série de protocolos de avaliação e identificação de toxicidade, AIT (Toxicity Identification Evaluation, TIE), que contemplam efluentes industriais e de ETEs, sedimento, em ensaios agudos ou crônicos. Os protocolos de AIT são compostos de três fases; na Fase 1, que compreende a fase de avaliação da toxicidade, é feito o fracionamento da amostra por meio de diferentes manipulações que visam indisponibilizar grupos de substâncias de acordo com suas características, como polaridade e volatilidade, entre outras, para depois submetê-las a novos testes de toxicidade e assim, identificar a natureza da substância causadora do efeito tóxico. Na Fase 2 é feita a identificação, empregando-se técnicas analíticas específicas, de acordo com o grupo de substâncias caracterizado na Fase 1. Já na Fase 3, é feita a confirmação da provável substância identificada na Fase 2, por meio de técnicas que permitam comparar os efeitos observados aos esperados para as substâncias determinadas, como estudos de correlação, balanço de massa, entre outros. A utilização de protocolos de AIT constitui numa importante ferramenta para na busca da redução da toxicidade de efluentes (USEPA, 1999).

A legislação brasileira que estabelece critérios para lançamento de efluentes preconiza que estes não podem causar ou ter potencial para causar toxicidade no corpo receptor e que a regulamentação dos critérios para o controle da toxicidade de efluentes ficaria a cargo dos órgãos ambientais estaduais (CONANA, 2011). Porém, a maioria dos estados brasileiros ainda não possui regulamentação específica, existindo somente nos estados do Paraná (Resolução CEMA 81/2010), Rio Grande do Sul (Resolução CONSEMA 129/2006), Santa Catarina (Portaria FATMA 017/2002), São Paulo (Resolução SMA 03/2000) e Rio de Janeiro (Inea NT-213.R-4/1990) (PARANÁ, 2010; RIO GRANDE DO SUL, 2006; SANTA CATARINA, 2002; SÃO PAULO, 2000; RIO DE JANEIRO, 1990).

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Esta falta de critérios converge com a falta de dados rotineiros de monitoramento da toxicidade nos sistemas de tratamento. Os órgãos ambientais carecem de informações para embasar tomadas de decisão sobre a necessidade ou não de se exigir a realização de ensaios ecotoxicológicos, monitoramento rotineiro, bem como os efeitos biológicos a serem avaliados em efluentes de ETEs.

Buscando dar aporte a essa lacuna, este capítulo objetivou o monitoramento da toxicidade em sistemas convencionais de tratamento de esgotos sanitários. A toxicidade de afluentes, efluentes e água dos corpos hídricos receptores de três diferentes concepções de estações de tratamento de esgotos predominantemente domésticos, em escala real, foi avaliada quanto aos efeitos agudo e crônico aos microcrustáceos Daphnia similis e Ceriodaphnia dubia. Na tentativa de se identificar a natureza dos compostos tóxicos, as amostras foram submetidas a um protocolo de Avaliação e Identificação de Toxicidade (AIT) e também foi avaliado o potencial dos efluentes dessas ETEs para causar toxicidade no corpo receptor.

3 MATERIAL E MÉTODOS

3.1 Caracterização dos sistemas amostrados

Foram avaliados afluentes e efluentes sanitários de ETEs localizadas em três municípios da Zona da Mata – Minas Gerais, com diferentes concepções de tratamento, sendo o Sistema 1 com tratamento aeróbio, o Sistema 2 com combinação de tratamentos anaeróbio e aeróbio e o Sistema 3 com tratamento anaeróbio, conforme descrição a seguir.

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