A determinação completa dos volumes pulmonares absolutos (“volumes pulmonares”) constitui-se numa das etapas da avaliação funcional pulmonar, seguindo-se usualmente à espirometria. Considerando que o comportamento mecânico do pulmão é baseado em suas propriedades elásticas e em seu volume, a mensuração dos volumes pulmonares oferece
informações que podem ser essenciais para a caracterização do estado fisiopatológico decorrente de anormalidades dos processos pulmonar-ventilatórios13.
A avaliação funcional pulmonar traz informações importantes aos profissionais envolvidos com o tratamento do paciente. Além da espirometria e volumes pulmonares, utilizamos também outros métodos para avaliar o paciente, como força dos músculos respiratórios, padrão respiratório, saturação de oxigênio (SpO2), entre outros. Estes são alguns dos métodos que foram utilizados para avaliar os pacientes que participaram deste estudo e serão discutidos logo a seguir, nos subtítulos 1.6.1 a 1.6.5.
A espirometria (do latim spirare = respirar + metrum = medida) é definida como a medida do ar que entra e sai dos pulmões. É um teste que auxilia na prevenção e permite o diagnóstico e a quantificação dos distúrbios ventilatórios. Os resultados espirométricos devem ser expressos em gráficos de volume-tempo e fluxo-volume13.
1.3.1 Volumes Pulmonares
Os volumes pulmonares podem ser classificados como volumes estáticos (absolutos) e volumes dinâmicos. Os volumes pulmonares estáticos são os resultantes da complementação de manobras respiratórias, consistindo em compartimentos pulmonares. Os volumes pulmonares estáticos são constituídos por quatro volumes (compartimentos indivisíveis) e quatro capacidades (compartimentos compreendendo dois ou mais volumes), a saber: volume corrente (VC), volume de reserva expiratório
(VRE), volume de reserva inspiratório (VRI), volume residual (VR), capacidade vital (CV), capacidade residual funcional (CRF), capacidade inspiratória (CI) e capacidade pulmonar total (CPT). Os volumes pulmonares dinâmicos são os decorrentes de manobras respiratórias forçadas, expressam variáveis e parâmetros de fluxo aéreo e são medidos através de espirometria13.
Quando não especificado, a expressão volumes pulmonares refere-se genericamente tanto a volumes como a capacidades. Os volumes e capacidades pulmonares são mostrados na Figura 2. Volumes e capacidades pulmonares13.
Figura 2. Volumes e capacidades pulmonares
Diretrizes para Testes de Função Pulmonar,2002
Os volumes pulmonares que podem ser medidos por espirometria – VC, VRI, VRE, CI, CV – são volumes de determinação direta. O VR não pode ser medido pela espirometria, necessitando de técnicas de diluição de gases, de pletismografia ou de avaliação radiográfica, para sua determinação. Assim, as capacidades que incorporam o VR – CRF e a CPT – também não podem ser medidas pela espirometria.
1.3.2 Definições usadas em Espirometria
As definições usadas em espirometria são: uma inspiração além do nível inspiratório corrente. Corresponde a cerca de 45 a 50% da CPT.- Volume de reserva expiratório (VRE): Volume máximo que pode ser expirado voluntariamente a partir do final de uma expiração espontânea, isto é, uma expiração além do nível de repouso expiratório. Corresponde a cerca de 15 a 20% da CPT.
- Volume residual (VR): Volume que permanece no pulmão após uma expiração máxima.
- Capacidade vital (CV): representa o maior volume de ar mobilizado, podendo ser medido tanto na inspiração quanto na expiração. Compreende três volumes primários: VC, VRI e VRE. Corresponde a cerca de 70-75% da
CPT. Conforme a mensuração for inspiratória ou expiratória, lenta ou forçada, podemos ter:
- Capacidade vital lenta (CVL): é a mudança de volume medido na boca entre as posições de plena inspiração e expiração completa, sem esforço máximo, representando o volume de gás que pode ser expirado vagarosamente depois de uma inspiração máxima. Sua redução é uma anormalidade bastante evidente em pacientes com fraqueza de músculos respiratórios ou alterações de mecânica pulmonar que levam à sobrecarga desses músculos.
- Capacidade vital forçada (CVF): representa o volume máximo de ar exalado com esforço máximo, a partir do ponto de máxima inspiração.
- Volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1): é a quantidade de ar eliminada no primeiro segundo da manobra expiratória forçada. É a medida de função pulmonar mais útil clinicamente.
- Razão VEF1/CVF: o indivíduo realiza a manobra expiratória completa e a CVF e o VEF são obtidos.
- Ventilação voluntária máxima (VVM): representa o volume máximo de ar ventilado em um período de tempo por repetidas manobras respiratórias forçadas.
- Capacidade inspiratória (CI): é o volume máximo inspirado voluntariamente a partir do final de uma expiração espontânea (do nível expiratório de repouso). Compreende o VC e o VRI.
- Capacidade residual funcional (CRF): é o volume de ar que permanece nos pulmões ao final de uma expiração usual, em volume corrente.
- Capacidade pulmonar total (CPT): é o volume de gás nos pulmões após a inspiração máxima. Compreende todos os volumes pulmonares e é obtido pela soma CRF com a CI13.
1.3.3. Aplicações da Espirometria
A espirometria é freqüentemente realizada como procedimento de triagem. Neste papel, pode ser o primeiro teste a indicar a presença de doença pulmonar. A espirometria isolada, contudo, pode não ser suficiente para definir completamente a extensão da doença, resposta ao tratamento, risco pré-operatório ou nível de incapacidade. As razões para realizar espirometria podem ser divididas em 3 categorias maiores: 1) propósitos diagnósticos; 2) monitoração da doença ou seu tratamento e 3) avaliação de incapacidade. Outras indicações diagnósticas incluem avaliação pré-operatória e para avaliação prognóstica para procedimentos tais como:
transplante de pulmão e cirurgia redutora de volume 13.
No pré-operatório a espirometria auxilia detectar disfunção ou doença pulmonar presente e estimar suas gravidades. Esta informação é então integrada com os riscos associados com o procedimento cirúrgico em consideração para possibilitar uma estimativa de risco para complicações pulmonares pós-operatórias13.
Os testes de função pulmonar auxiliam na identificação de pacientes com maior risco cirúrgico e de complicações pulmonares pós-operatórias.
Permitem identificar anormalidades que podem ser revertidas ou melhoradas antes do ato cirúrgico, como obstrução ao fluxo aéreo. Em geral, o risco de
complicações geralmente declina à medida que a distância do tórax ao local cirúrgico aumenta13.
Quando a literatura é revista, diversos problemas emergem nos estudos sobre a capacidade preditiva da espirometria para complicações pós-operatórias: alguns não demonstram valor preditivo, porém a identificação de alterações funcionais pode ter resultado em intervenção pré-operatória, destinada a redução dos riscos. Enquanto outros demonstram uma associação clara entre obstrução ao fluxo aéreo e risco de complicações13.
Cirurgias de abdome superior e torácica sem ressecção pulmonar são associadas com risco aumentado de complicações pulmonares13.
Quando anormalidades da função pulmonar são detectadas no pré-operatório, os doentes podem ser tratados mais intensamente, reduzindo ou anulando o valor preditivo se as complicações pós-operatórias são comparadas com aquelas encontradas em um grupo com espirometria normal. Os estudos em geral não relatam as condutas decorrentes do conhecimento dos valores funcionais pré-operatórios e o nível de vigilância empregado nos doentes com anormalidades. Doenças clínicas associadas, especialmente cardiovasculares, tempo de cirurgia acima de 3 horas e meia e diagnóstico de pneumopatia elevam o risco de complicações; quando presentes em associação resultam em complicações pulmonares em cirurgias abdominais altas em metade dos pacientes. A espirometria está indicada para candidatos à cirurgia abdominal, sintomáticos respiratórios ou portadores de doença pulmonar crônica sem avaliação funcional recente13.