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Avaliação Inicial de Relativas Livres

Na perspectiva gerativista, programa teórico em que se insere este trabalho de pesquisa, muito se tem dito acerca das orações relativas livres (RLs). RLs têm sido tratadas a partir de duas hipóteses seminais: a Hipótese de Base (ou Head Hypothesis), tal como proposta em Bresnan e Grimshaw (1978), segundo a qual a derivação de RLs não envolve movimento e a palavra-wh é gerada na base, e a Hipótese do Comp (ou COMP Hypothesis), delineada em Groos e van Riemsdijk (1981), que localiza o termo-wh em Comp e propõe que em RLs, excepcionalmente, elementos nessa posição podem ser acessados pelo predicador da matriz para a satisfação de suas exigências sintáticas. Essas ideias são resgatadas e desenvolvidas em van Riemsdijk (2000).

A proposta de Bresnan e Grimshaw se estrutura em torno do que elas chamam de efeito de combinação categorial, que dotaria notavelmente RLs, e que resultaria numa tipificação categorial variada para as sentenças desse tipo. RLs poderiam ser categorialmente, segundo essa hipótese, NPs, PPs, APs, AdvPs e assim por diante, a depender das propriedades de seleção do predicador da matriz.

À visão de Bresnan e Grimshaw (1978) assomam-se opiniões como a de Larson (1987), que assume uma hipótese de relativas livres como headed, (estruturas com um antecedente) embora entenda que a tipologia de relativas livres esteja reduzida a apenas duas: APs e NPs5.

Alguns trabalhos recentes têm analisado relativas livres como DPs (cf. Caponigro 2001, 2002 e 2003, Citko 2004 e Medeiros Junior 2005 e 2007). Esses trabalhos constroem suas hipóteses de derivação de RLs com base na análise de raising para a derivação de relativas com antecedente expresso proposta em Kayne (1994)6, segundo a qual há uma relação direta entre os núcleos C e D

5 Algumas questões a mais sobre matching em RLs também podem ser vistas em Hirschbühler e Rivero (1983). 6

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no processo de relativização; a ideia é a de que orações relativas sejam CPs que complementam um D7.

Em Medeiros Junior (2005), implementa-se uma ideia da derivação de relativas livres no português como envolvendo uma operação complexa na sintaxe, com movimento de C para D e incorporação sintática desses núcleos funcionais8. Uma proposta semelhante pode ser encontrada em Donati (2006), para quem a derivação de relativas livres envolve movimento de núcleo.

Para Medeiros Junior (2005), a estrutura de relativas livres seria basicamente a seguinte:

(33)

A proposta de Medeiros Junior (2005) da incorporação de C em D pode achar algum apoio nos dados do Inglês, nos casos em que à palavra-wh das RLs pode ser afixado o morfema –ever9.

Observem-se os dados a seguir:

(34) a. John will talk to whoever enters that door. b. I´ll mail my letter whenever you mail yours. c. John buys whatever you ask him.

7 A ideia desenvolvida em Kayne (1994) acerca da relação direta entre os núcleos C e D pode ser vislumbrada num

trabalho de Vergnaud (1974) e anteriormente em Smith (1964). Em português, vide Kato e Nunes (2009).

8 Algumas ideias interessantes sobre a derivação de relativas livres em português podem ser encontradas nos trabalhos

de Rocha (1990) e Móia (1992), (1996) e (2001).

9 Sobre relativas livres e ever, ver também os trabalhos de Bresnan Grimshaw (1978), Dayal (1997), Izvorsky (2000) e

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Os dados do inglês parecem dar suporte à hipótese da incorporação dos núcleos C e D, se entendemos que who em (34a), when em (34b) e what em (34c) representam a realização fonológica de C e -ever, a realização fonológica de D10.

1.3.2 A semântica das Relativas Livres

1.3.2.1 Relativas Livres comuns ou Plain Free Relatives

Tem-se argumentado que a semântica de RLs envolve uma operação de maximização (cf. Grosu e Landman 1998; De Vries 2002). A interpretação de RLs nos termos de uma operação de maximização precisa ser definida ou universal.

Grosu & Landman (1998) apresentam um grupo de sentenças que eles chamam de relatives

of the third kind (relativas do terceiro tipo, certamente com base na separação tradicional de

relativas em apositivas e restritivas), delineadas em uma partição específica que revela questões semânticas típicas de cada construção. Entre essas estruturas, encontra-se a que os autores denominam realis e irrealis free relatives, que são de especial interesse para este trabalho.

Realis e irrealis free relatives, (relativas livres [realis] e [irrealis]) definem-se estruturalmente da maneira como segue: relativas livres [realis] têm a distribuição de um DP, mas não apresentam qualquer material D manifesto; o antecedente nesses casos é uma expressão interna ao sintagma complementador na posição de especificador do CP; a forma verbal em estruturas como essa designa um evento que se entende efetivamente consumado11: What I gave to John was a

shining dagger12.

Já relativas livres [irrealis] constituem-se em estruturas semelhantes às relativas livres [realis], mas apresentam uma forma verbal com traço irrealis. Diferentemente das primeiras, relativas livres com leitura [irrealis] têm, segundo essa proposta, uma estrutura C; são, portanto, CPs nus (bare CPs). A ideia é a de que a interpretação do evento com perspectivas efetivas de

10 O dicionário Oxford de língua inglesa, (p.458), categoriza o termo ever como um advérbio. Esse elemento, entretanto,

é analisado também como um sufixo -ever quando integra termos como whoever, whatever, whenever, whichever,

however. É nesse sentido que avalio aqui o morfema -ever, como forma presa que integra o termo wh em relativas livres

dessa natureza. A argumentação que será construída no capítulo 4 desta tese tende a associar a composição do wh que integra relativas livres e a partícula -ever à operação formal de confluência de núcleos sintáticos que se supõe afetar a derivação de relativas livres e que se supõe ter impacto direto na morfologia (cf. Medeiros Junior 2005).

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É importante observar que, mesmo em construções com verbo no presente a interpretação se mantém (O que eu dou ao Pedro é mais do que suficiente).

12 Construções desse tipo, apesar de consideradas Relativas livres em muitos estudos, recebem um tratamento

diferenciado em Resenes 2008. Para a autora, existe uma distinção efetiva entre pseudo-clivadas básicas e Relativas Livres. O presente trabalho pretende levar em conta essa discussão e seguir, de maneira geral, essa ideia.

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consumação [realis] ou sem perspectiva de realização [irrealis] interfere na interpretação e na sintaxe dessas estruturas. Relativas livres [irrealis] seriam assim aproximadas de interrogativas indiretas quanto ao comportamento sintático. A interpretação semântica de relativas como essas estaria, assim, diretamente relacionada à forma verbal no interior da subordinada.

Caponigro (2002) discute o que ele define como indefinite free relatives (relativas livres indefinidas), o que se daria a conhecer segundo as três condições seguintes: I – são sentenças-Qu; II – ocorrem como complementos de verbos existenciais; e III – podem ser substituídas ou parafraseadas por DPs indefinidos; Caponigro cita um exemplo dessas estruturas em português encontrado em Móia (1996) que é: O Paulo não tem [a quem pedir ajuda]. O que Caponigro chama de relativa livre indefinida se parece muito com o que Grosu & Landman chamam de relativa livre

irrealis, e as questões interpretativas levantadas por ele para esse tipo de construção são basicamente

as mesmas listadas pelos outros dois lingüistas.

Outro trabalho relevante que toca a questão da semântica de RLs, também compatível com as propostas de Grosu & Landman (1998) e Caponigro (2002), é o de Izvorski (1998). O que Izvorski chama de non-indicative Free Relatives é basicamente o que propõem os outros autores supracitados; para essa autora, orações com tais características apresentam uma interpretação indefinida e algumas particularidades estruturais que as separam das relativas livres padrão.

1.3.2.2 Relativas Livres com -ever

As opiniões se dividem quanto à natureza definida ou indefinida de Relativas Livres que apresentam a partícula -ever. Para Jacobson (1995), essas construções são expressões definidas em qualquer situação. Entretanto, o fato de RLs poderem ser frequentemente parafraseadas por expressões de cunho generalizante como every, tem conduzido a um número de análises segundo as quais -ever é considerado um quantificador universal (cf. Bresnan & Grimshaw 1978, Larson 1987, Tredinnick 1994, Iatridou & Varlokosta 1996, 1998).

Bresnan & Grimshaw afirmam que a interpretação do morfema preso -ever parece envolver quantificação universal no domínio especificado pelo sintagma-Wh. Para Larson, Relativas livres com -ever são semanticamente equivalentes a NPs com quantificação universal; para esse linguista, a conclusão final é a de que wh-ever é a forma-Wh com quantificação universal (Larson 1987, p.263).

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Da contraposição de pseudo-clivadas especificacionais e RLs, Iatridou & Varlokosta (1996) encontram evidências para propor que Relativas Livres apresentam quantificação universal. Todas essas questões precisam ser consideradas para a avaliação do fenômeno em Português, e o presente trabalho se debruça também sobre elas.