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B ASE JURÍDICA PARA A ATUAÇÃO NO LICENCIAMENTO AMBIENTAL

4. O MINISTÉRIO PÚBLICO NA TUTELA DO MEIO AMBIENTE

4.3 B ASE JURÍDICA PARA A ATUAÇÃO NO LICENCIAMENTO AMBIENTAL

O “Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”117.

Entre suas funções institucionais se inclui a de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na CF, promovendo as medidas necessárias à sua garantia118.

Essa é a base constitucional para a participação do MP na esfera de atividades exercidas pela Administração Pública, como na condução de processos de licenciamento ambiental.

Isso porque o licenciamento ambiental, ao mesmo tempo em que consiste em um instrumento de serviço público visando ao direito constitucionalmente garantido para todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o licenciamento ambiental está sujeito à fiscalização do MP, com base na atribuição inovadora conferida pela CF-88 ao MP.

O meio ecologicamente equilibrado é garantido pela CF-88 como um direito de todos, ao mesmo tempo em que é um dever do Poder Público e da coletividade protegê-la para as presentes e para as futuras gerações, sendo o licenciamento ambiental um instrumento de relevância para assegurar aquele direito.

117 CF-88, artigo 127, caput (BRASIL, 1988). 118 CF-88, artigo 129, inciso II (BRASIL, 1988).

Esse perfil inovador foi detalhado pelo Estatuto do Ministério Público da União, pelo qual foi assegurada a participação dessa instituição: (i) como instituição observadora, conforme estabelecido em ato do Procurador-Geral da República, em qualquer órgão da administração pública direta, indireta ou fundacional da União, que tenha atribuições correlatas às funções da Instituição; e (ii) nos órgãos colegiados estatais, federais ou do Distrito Federal, constituídos para defesa de direitos e interesses relacionados com as funções da Instituição119.

A Lei Orgânica Nacional do Ministério Público120, assim como a Lei Orgânica do Estado de São Paulo121, contemplaram nesse exercício de defender os direitos assegurados nas Constituições Federal e Estadual, os órgãos da Administração Pública direta ou indireta, os concessionários, permissionários e entidades delegadas de serviços de relevância pública.

Mazzilli (2005b) destaca que as referidas normas122 regulamentam as atribuições constitucionais e exemplifica que, entre os serviços públicos ou de relevância pública, incluem-se aqueles exercidos pela administração direta ou indireta, como empresas públicas, fundações públicas, autarquias, concessionários ou permissionários, entidades que exerçam funções delegadas ou executem serviços de relevância pública, meios de comunicação social, agências reguladoras de energia elétrica, telecomunicações, petróleo, saúde, entre outros.

119 Lei Orgânica do MP da União (Lei Complementar Federal 75/93), artigo 6º, parágrafos primeiro e segundo,

respectivamente (BRASIL, 1993).

120 Lei Federal 8.625/93, artigo 26 (BRASIL, 1993).

121 Lei Complementar Estadual 734/93, artigo 103 (BRASIL, 1993).

122 Lei Orgânica do MP da União (Lei Complementar Federal 75/93), artigos 8º e 12-15; Lei Orgânica Nacional

Proença (2001, p. 92-93) destaca que essas normas infraconstitucionais, ao regulamentarem o estabelecido no inciso II do artigo 129 da CF-88123, apontaram para o intuito de

(...) fazer o MP tomar parte no debate público sobre serviços públicos e de relevância pública, na tentativa de influir administrativamente na gestão dos mesmos, isto é, extrajudicialmente, de preferência de maneira preventiva, relegando para uma segunda etapa a adoção de módulos de responsabilização pelo desrespeito ao direito assegurado pela Constituição Federal.

No entanto, esse autor considera essa função ainda incipiente dentro do MP e identifica os seguintes obstáculos para uma atuação mais eficiente por parte dessa instituição: a persistência de uma mentalidade política e jurisdicional conservadora no seio dessa instituição quando seria necessária a constituição de uma nova postura institucional, a sua frágil articulação com os setores da sociedade que se propõe a representar, a inexistência de uma visão institucional estratégica claramente definida e o insuficiente aparelhamento de seus processos investigatórios quando seria necessário um suporte material suficiente.

Salles (2009) concorda que a atribuição prevista no inciso II do artigo 129 da CF-88 é exercida de forma menos sistematizada do que seria desejável pelo MPE-SP, cujos membros estão mais familiarizados com a atribuição prevista no inciso seguinte, que é o da instauração de inquéritos e da propositura de ações civis públicas (informações verbais)124.

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Lei Orgânica do Ministério Público da União: “Artigo 13. Recebidas ou não as informações e instruído o caso, se o Procurador dos Direitos do Cidadão concluir que direitos constitucionais foram ou estão sendo desrespeitados, deverá notificar o responsável para que tome as providências necessárias a prevenir a repetição ou que determine a cessação do desrespeito verificado”; “Artigo 14. Não atendida, no prazo devido, a notificação prevista no artigo anterior, a Procuradoria dos Direitos do Cidadão representará ao poder ou autoridade competente para promover a responsabilidade pela ação ou omissão inconstitucionais”.

124 Informações fornecias por Salles em entrevista realizada em 08.10.2009. Referências sobre o entrevistado

Em seu estudo, Salles (1992) havia ressaltado que a atribuição do artigo 129, II da CF-88 não contém apenas um significado de atuação processual, mas inclui uma atividade fiscalizatória geral a cargo do MP. Aquela instituição pode não somente levar a questão ao Poder Judiciário para que este venha a dirimi-la, mas também poderá atuar extrajudicialmente, exercendo seu poder de polícia e, neste caso, como mediador de conflitos autônomo e independente.

Sobre críticas à falta de aparelhamento do MP na tutela dos interesses difusos, que requerem conhecimentos especializados, Mancuso (2004) defende que o MP brasileiro tem uma estrutura legal, organizacional e funcional considerada, por seus membros, como sendo completa e diferente da existente no Direito estrangeiro.

Entre outros argumentos, ele destacou a larga tradição de atuação daquela instituição na esfera cível, a crescente legitimação atribuída àquela instituição em sede de tutela de interesses difusos125, a criação de curadorias especializadas em cada comarca do Estado de São Paulo para a adequada atribuição para a proteção e defesa, no plano administrativo, do meio ambiente, assim como dos outros direitos difusos e coletivos.

Com o que se alinha Fink (2009), para quem o MPE-SP conta com estrutura e apoio técnico para atuar ativamente em questões ambientais, inclusive para sustentar embates técnicos que surjam com a avaliação das questões ambientais (informações verbais)126.

125 Esse autor se refere à Política Nacional de Meio Ambiente (Lei Federal 6.938/81), à Lei da Ação Civil

Pública (Lei Federal 7.347/85), à Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei Federal 8.625/93) e à Lei Orgânica do MP do Estado de São Paulo (Lei Complementar Estadual 734/93).

126 Informações fornecias por Fink em entrevista realizada em 10.08.2009. Referências sobre o entrevistado

Especificamente no que tange à proteção do meio ambiente, a Política Nacional do Meio Ambiente previu a legitimidade do MP para a tutela judicial em casos de danos ambientais127 e a Lei da Ação Civil Pública128 previu a sua atuação como fiscal da lei quando não interviesse como parte ativa129. As Leis Orgânicas regulamentaram essas atribuições130.

Para Jatahy (2007), essa atividade de controle dos atos do Poder Público abriu um grande e importante campo de atuação institucional para conferir ao MP mecanismos para promover os valores sociais constitucionais.

Esse autor entende que, por meio dessa função, foi atribuída ao MP a função de velar pela atuação dos órgãos da Administração Pública, dentro dos princípios constitucionais determinados, cobrindo a insuficiência de controles que fazia necessário o surgimento de um órgão que se encarregasse do controle residual.

No mesmo sentido Milaré (2009), para quem a causa da inovação legislativa a favor do fortalecimento do MP foi o descompasso havido a partir da década de 1980, com o surgimento do movimento ambientalista no Brasil e a incapacidade do Estado de responder a essa mudança com uma mobilização de recursos humanos e materiais para melhor estruturação dos órgãos fiscalizadores, incumbindo-se o MP de promover o poder coercitivo das normas ambientais.

127 Lei Federal 6.938/81, artigo 14, § 1º: “Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o

poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente” (BRASIL, 1981).

128 Lei Federal 7.347/85 (BRASIL, 1985).

129 Lei Federal 7.347/85, artigo 5º, III, “d” (BRASIL, 1985).

130 É o caso da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, Lei Complementar Federal 8.625/93 (BRASIL,

1993) e, especificamente no Estado de São Paulo, a Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, Lei Complementar Estadual-SP 734/93 (SÃO PAULO, 1993).

O MP pode, ainda, requisitar a instauração de sindicâncias administrativas e inquéritos policiais, assim como ajuizar ações de improbidade131 em face do agente público que conduz o processo de licenciamento ambiental, em casos que entenda haver desvio de conduta.

Com esse arsenal de instrumentos, o MP brasileiro é uma instituição na fiscalização de processos de licenciamento ambiental, contando com um poder coercitivo significativo dentro e fora do processo administrativo, sem similares no ordenamento nacional. E desta forma, conforme ressaltado por Milaré (2009, p. 1.154), o MP se firmou como

a instituição mais bem credenciada para a tutela dos interesses sociais, difusos e coletivos, na ordem civil. Isso sem prejuízo de sua tradicional atuação na área criminal, inclusive na repressão aos chamados crimes ecológicos.

Vistos os princípios institucionais, a estrutura, os instrumentos e as atribuições do MP, passaremos a analisar especificamente a atuação do MP no licenciamento ambiental.

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A ação de improbidade administrativa é regulada pela Lei Federal 8.429/92, consistindo em um tipo de ação que visa a apurar e punir a prática de ilícitos na administração pública direta e indireta, além de recuperar os prejuízos em favor dos cofres públicos. Conforme lembra Grinover (2005, p. 16), “é uma verdadeira ação popular (destinada à proteção do interesse público e não à defesa de interesses e direitos de grupos, categorias e classes de pessoas), com legitimação conferida por lei ao MP. Esta legitimação encontra embasamento no art. 129, IX, da CF-88. Aqui também a lei de regência será a Lei 8.429/22, aplicando-se à espécie as disposições do Capítulo I do Código”. Isso porque qualquer cidadão poderá representar às autoridades competentes. Porém, merece ser ressaltado que não se trata de iniciativa privativa do MP, podendo este ser parte ou fiscal da lei.