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2.3 Sepse e resposta imunológica

2.4.2 Baço: etiologia e contexto histórico

Para os gregos, o nome do baço, splén, é um termo derivado dos vocábulos

splanchonon e spaw, cujos significados, são respectivamente, viscoso e remover, uma

vez que os antigos acreditavam que tal ―órgão viscoso removia as impurezas do sangue‖. Splén tornou-se, por exemplo, a raiz para spleen (inglês) e esplênico (português). Os latinos empregavam para denominar o órgão, o termo lien, derivado do grego. Entretanto, as duas palavras encontram origem no sânscrito.

Atualmente, o conhecimento das funções do baço está consolidado, e serão discutidas mais adiante. Entretanto, por um longo período na história, o órgão esteve cercado por grande mistério e envolvido em diversos mitos e fábulas. Na

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Babilônia, por exemplo, o Talmud discute a anatomia, a função e as patologias esplênicas, considerando o baço (tehol) um dos dez órgãos comandantes da alma. Não há menção do órgão na Bíblia, entretanto, o Midrash hebreu cita a esplenectomia em duas situações: o conhecimento sobre a sobrevivência de uma ave, cujo baço perfurado tenha sido extirpado e o ataque de Adonijah contra o trono de Salomão após a morte de Davi. Neste assalto, 50 homens sem o baço foram utilizados, baseado no fato da potencialização da força após a remoção do órgão (ROSNER, 1995; McCLUSKY et al., 1999; MORGENSTERN, 2006; ROSNER, 1995; PEITZMAN et al., 2001).

A palavra melancolia tem origem histórica relacionada ao baço (Melanós preto e Kholi, bile, isto é, bile negra). Acreditava-se que o órgão era responsável pela remoção desta doença no corpo. Tal pensamento era extremamente consolidado entre os povos antigos, que permitiu aos gregos, a elaboração da teoria dos quatro humores: fleumático, sanguíneo, colérico e melancólico, este último relacionado à bile negra (REZENDE, 2004; O’SULLIVAN, 2009). A medicina humoral representava uma doutrina cercada de muito empirismo, resultante da combinação entre filosofia, astrologia e medicina. A teoria associava características da personalidade, qualidades, órgãos-alvo, estações do ano e as fases da vida do homem, aos quatro elementos.

Acreditava-se que os humores eram produzidos na segunda digestão, processada no fígado. De acordo com a teoria, cabia à bile negra, receber o sangue mais pobre de nutrientes e por isso, deveria ser escassa no organismo, contudo, muito concentrada no baço, cuja principal função era depurar a melancolia do organismo. Outras atribuições funcionais lienais eram relacionadas à formação de ossos e dentes, bem como o estímulo do apetite, a formação de coágulos e a solidificação das fezes (WILLS, 1999; MCCLUSKY et al. 1999). Os principais momentos históricos e da pesquisa sobre o baço estão sumarizados no Quadro 2.3.

Apesar de todo o contexto filosófico exposto, concernente à importância e função esplênicas, implicadas na saúde, temperamento e constituição física de um indivíduo, o baço, ironicamente reconhecido como um dos dez principais órgãos,

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cujo sorriso abrigava, foi considerado sem valor e dispensável, sendo negligenciado por mais de 2000 anos (PLEITZMAN et al., 2001).

A estrutura física do baço fez com que Hipócrates (c. 460-377 AC) tenha sido o primeiro investigador a sugerir que o órgão poderia prevenir doenças, dada sua propriedade de absorver fluidos indesejáveis no organismo. Posteriormente, Platão (c. 428-348 AC) descreveu a relação do baço com o fígado, aumentando a crença de que o primeiro não tinha muita importância. Erasístrato (355-230 AC) foi o primeiro a defender a tese de que o baço não era essencial, inspirando Aristóteles (384-322 AC) a argumentar o possível papel esplênico na digestão. Por outro lado, Galeno (131-200), baseado em exaustivos estudos da arquitetura lienal, acreditava no mistério que envolvia o órgão, atribuindo-lhe a função de remoção da melancolia (McCLUSKY et al., 1999; McCLUSKY et al., 1999).

Uma abordagem técnico-científica e menos filosófica, visando esclarecer as funções reais do baço, obteve maior destaque a partir do século XIX. No entanto, a história da cirurgia esplênica, realizada desde antes da era cristã, contribuiu de forma significativa para este esclarecimento. Seu reconhecimento definitivo completará 60 anos em 2012, na celebração do clássico artigo de King e Schumacker de agosto de 1952 (PLEITZMAN et al., 2001).

Weber, C. R. 57 Quadro 2.3 – Principais destaques na história e pesquisa do baço*.

Ano Investigador Observações, descobertas ou relatos

Id.Antiga Hipócrates Sugeriu que o baço poderia prevenir doenças, por absorver fluidos indesejáveis do organismo.

Id.Antiga Platão Descreveu o órgão como secundário e relacionado ao fígado.

Id.Antiga Erasístrato Postulou o baço como órgão não essencial.

Id.Antiga Aristóteles Especulou as possíveis funções digestivas do baço.

Id.Antiga Galeno Descreveu o baço como um órgão cuja função é a remoção da melancolia.

Século I Plínio Recomendou a excisão do baço com ferro em brasa como modo de melhorar o desempenho de corredores profissionais.

1543 Versalius Descreveu em detalhes a arquitetura do baço, contestando a teoria galênica.

1549 Zaccarelli Realizou a primeira esplenectomia no ocidente.

1665 Malpighi Classificou o baço como um órgão com propriedades secretórias glandulares.

1680 Zambeccari Primeiro relato sobre a sobrevivência de animais submetidos à esplenectomia total.

1696 Ruysch Observou similaridades do baço com as glândulas tireoide, adrenal e linfática.

1700 Blackmore Modernizaram a teoria galênica, incluindo hipocondria e histeria como doenças relacionadas ao baço.

1708 Leeuwenhoeck Descreveu características microscópicas de amostras de baço.

1847 Von Kölliker Descobriu a função hematopoética do baço.

1854 Gray Publicou a monografia The structure and use of the spleen, laureada com o prêmio Astley Cooper

1864 Wells Primeira esplenectomia realizada com abertura do abdomem.

1866 Bryant Realizou a primeira esplenectomia em paciente portador de leucemia.

1892 Johnson Realizou a primeira esplenectomia com sucesso em paciente portador de ruptura por trauma mecânico.

1913 Aschoff Desenvolveu o conceito do baço como órgão de defesa imunológica contra infecções microbianas.

1916 Kaznelson Realizou a primeira esplenectomia em um paciente portador de púrpura.

1919 Morris Provaram, em ratos, a importância do baço na resistência às infecções.

1923 Volkmann Sugeriu a viabilidade da esplenectomia parcial em humanos.

1939 Buchbinder Relataram o fenômeno de esplenose em um paciente com baço lesionado por trauma.

1952 King Artigo histórico, no qual, os autores discutiram a evolução da septicemia fulminante subsequente à esplenectomia em crianças.

1969 Diamond Descreveu e nomeou a septicemia clássica em indivíduos esplenectomizados (OPSI).

1975 Shafir et al. A partir do relato de caso dos autores, os procedimentos que conservam o baço são adotados definitivamente em diferentes hospitais no mundo.

1991 Delaitre Modernizaram o conceito de cirurgias esplênicas, introduzindo a laparoscopia.

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