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A BACATE E PRODUÇÃO DE POBREZA NO MÉXICO

A pesquisa de Rosalía López Paniagua e Pablo Chauca Malásquez sustenta que o emprego precário no âmbito rural no México está crescentemente vinculado (paradoxalmente?) a uma das atividades econô- micas mais prósperas. Trata-se da agricultura de exportação praticada em áreas como Michoacán, estado localizado no centro ocidental do país e principal produtor nacional de abacate, cuja plantação é de alto rendi- mento e competitividade, sendo seu fruto conhecido como o “ouro ver- de” (López Paniagua; Chauca Malásques, 2005).

Nessa atividade econômica, a maior parte da mão-de-obra emprega- da provém de diaristas que realizam a tarefa de coleta, vivendo em condi- ções de pobreza, em virtude – entre outros fatores – da falta de organiza- ção, da contratação de trabalho informal e da concentração da terra. Es- ses elementos podem ser vistos como variáveis independentes ou intervenientes no processo de produção de pobreza num estado como Michoacán, que se encontra acima da média nacional quanto à concentra- ção da renda e com nível de alta marginalização social.

Referindo-se a essa problemática, a pesquisa de López Paniagua e Chauca Malásquez apresenta-se em quatro seguimentos. No primeiro, os autores analisam a estrutura produtiva do abacate; no segundo, referem- se às condições de trabalho dos coletores e suas condições de vida; no 6 Nas áreas rurais do Paraguai, o índice de Gini, que mede a desigualdade, au- mentou constantemente desde 1995, passando de 0,56 nessa data a 0,61 em 1997 e 0,66 em 1999 (Fogel, 2002; 2005).

terceiro, examinam as formas de intervenção governamental e das orga- nizações sociais; e, no último, tratam das implicações dessa ambivalência entre prosperidade e pobreza para o desenvolvimento local da zona em estudo. Dessa maneira, esboçam um esquema que contempla a influência tanto de agentes como de estruturas, embora sem articulá-lo a um marco referencial integrado.

A pesquisa avança com uma descrição detalhada das condições ge- radoras de pobreza, começando por qualificar a importância dessa ativi- dade econômica em Michoacán. Nesse sentido, estima-se que a superfície cultivada com abacateiros alcance, no México, 96.000 hectares (has.), sen- do que, dessa superfície, cerca de 78.500 has. correspondem a 21 municí- pios de Michoacán. Tal magnitude é o que faz com que Michoacán seja definida como a região produtora de abacate mais importante do mundo. Por essa razão, os governos federal, estadual e municipal promovem esse modelo produtivo, sem reconhecer o impacto diferenciado e desequili- brado que exerce sobre a região.

Na cultura do abacate, a atividade que requer o maior volume de mão-de-obra é a coleta da fruta, calculando-se que ela gere mais de 40.000 empregos permanentes e em torno de 60.000 postos sazonais ao ano em Michoacán. Na zona produtora de abacate desse estado, a população de origem camponesa e/ou indígena que não tem terra, ou é proprietária de moradias muito pequenas, é contratada periodicamente (maio-julho) como coletora. Outro grupo de diaristas que se incorpora a este, conhe- cidos como migrantes ou diaristas “andorinha”, provém de diversas re- giões do estado, inclusive muito distantes. A contratação de um diarista passa por um “agenciador”, pessoa que está diretamente ligada aos pro- prietários e/ou administradores dos pomares e que cobra uma cota do trabalhador para lhe conseguir o emprego. Com isso, se estabelecem relações de tipo clientelista/paternalista, que condicionam o acesso a esse mercado de trabalho. A pesquisa de López Paniagua e Chauca Malásquez aponta ainda que os coletores de abacate trabalham sob con- dições de grande desvantagem, porque não contam com contratos de trabalho formais e tampouco dispõem de benefícios sociais, tais como dias de descanso semanal e atenção médica, benefícios que um trabalha- dor sob condições formais recebe. Também não recebem um salário como tal; o pagamento de diaristas é calculado com base no número de caixas de aproximadamente 20 quilos que conseguem encher ao longo de um dia, e recebem-no semanalmente.

O fato de a produção de abacate – caracterizada, como já se apon- tou, por ser um setor produtivo de alta rentabilidade e vinculado ao mer- cado norte-americano – ocorrer sobre a base de condições de trabalho precárias leva a se supor que há uma transferência de recursos desse setor social para os proprietários dos pomares e, destes, por intermédio dos

brokers, para o mercado agropecuário global. Na região de Michoacán,

uma proporção importante da população rural encontra-se em situação de pobreza, já que, segundo os dados proporcionados pelos autores, al- cança 28,1% dos habitantes, porcentagem que supera a estadual, de 25,4%. O nível de infra-estrutura comunitária de hospitais e escolas é baixíssimo, há carências significativas de moradia e de serviços associados a ela e défi- cit na alimentação, especialmente da população infantil, entre outras defi- ciências (López Paniagua; Chauca Malásquez, 2005).

Como se sugeriu mais acima, os autores apresentam uma correla- ção entre pobreza e produção agrícola de exportação. Ao tomarem qua- tro municípios com grande produção de abacate (Uruapan, Tancítaro, Peribán e Tacámbaro), observam que, em três casos, a percentagem de pobreza respectiva (31,3%, 15,5%, 34,4% e 44,8%) supera consideravel- mente a média de 28,1% calculada para os 21 municípios, assim como a estadual (25,4%). Quanto à forma de intervenção governamental, argu- mentam que os traços que a caracterizam seriam os de ausência e/ou cum- plicidade. Os três níveis governamentais do México (federal, estadual [ou provincial] e municipal) têm âmbitos de presença diferenciados na re- gião. O governo federal participa, essencialmente, por meio de progra- mas de atenção à pobreza (bolsas para educação básica, apoios a produto- res agrícolas, provisão de alimentos) que têm pouco impacto na supera- ção do problema, mas que são rentáveis politicamente ao reforçarem as relações clientelistas. O governo estadual impulsiona seus programas mediante delegações regionais, cujo pessoal atende simultaneamente a problemas operacionais na região e tarefas de escritório na capital do esta- do, de modo que, freqüentemente, se vê ultrapassado e não realiza um acompanhamento pontual das ações, alcançando, por isso, um nível de eficácia muito reduzido. No que se refere ao governo municipal, os auto- res percebem haver falta de planejamento de atividades. Por um lado, os planos de desenvolvimento municipal trianuais, que cada governo deve apresentar ao assumir seu mandato, não incorporam uma visão de médio prazo nem tampouco a participação articulada dos diversos atores sociais presentes no território. Por outro lado, o envolvimento social é pratica-

mente nulo, já que não existem espaços efetivos de participação e, no melhor dos casos, os moradores são utilizados para legitimar decisões previamente tomadas pela autoridade. A presença de organizações sociais é muito incipiente na região, devido a limitações de recursos e à falta de articulação com as ações governamentais municipais e estaduais (López Paniagua; Chauca Malásquez, 2005).

Enfim, o estudo de caso descreve uma realidade em que as desigual- dades econômicas, sociais e territoriais dilatam-se, e os benefícios de uma atividade econômica próspera – como a exportação de abacate – concen- tram-se nas grandes empresas acondicionadoras internas e nos brokers internacionais. Estes são os agentes do mercado que se beneficiam com as condições dominantes as quais implicam, além disso, um baixo nível de intervenção das agências governamentais – sem se julgar aqui sua eficácia – que, unido à perda de legitimidade e credibilidade, compromete a governabilidade, particularmente no âmbito local. Dessa maneira, o que parece ficar claro na pesquisa é que um modelo de sucesso de exportação de abacate não contribui para a geração de um desenvolvimento integral da região, mas para a produção ou reprodução da pobreza.

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ONCLUSÕES

Ao longo deste trabalho, argumentou-se que uma teoria que envol- va os níveis de análise internacional, nacional e subnacional é indispensá- vel para se encontrarem explicações e interpretações integrais para a pro- dução e reprodução da pobreza ao longo da história da humanidade que sejam válidas, generalizáveis e empiricamente comprováveis em distintos contextos geográficos e históricos. Além disso, se sugeriu que esse exercí- cio requer concentrar-se na interação de agentes e estruturas que geram, desde a economia política, as condições que produzem e/ou reproduzem a pobreza em diferentes escalas e níveis, algo que também pode se realizar de maneira complementar e integral com a pesquisa que enfoque a redu- ção do fenômeno. Essas duas questões cognitivas foram tratadas ao longo desta apresentação como condições necessárias para que avance a realiza- ção de um vínculo efetivo entre ciência e política, com vistas a se reduzir a pobreza e erradicarem-se suas formas extremas.

O passo prévio proposto para se alcançar esse objetivo foi esboça- do a partir de um modelo multiníveis que, em seu atual estágio de desen- volvimento, demanda mais elaboração e articulação. Esse exercício teóri-

co de projeto realizou-se vinculado a algumas das pesquisas realizadas no marco do Programa CLACSO-CROP, com a intenção de resgatar a ri- queza das contribuições de estudos de caso que iluminam situações espe- cíficas de produção de pobreza na Bolívia, Paraguai e México.

As principais conclusões que surgiriam numa avaliação provisória deste exercício estão vinculadas às evidências que emergem em relação às limitações dessas significativas contribuições empíricas para alcançarem um conhecimento mais generalizável. Algumas das razões principais des- se déficit estão, precisamente, relacionadas com: (i) a ausência de um mar- co teórico que permita uma melhor definição das variáveis envolvidas nos diferentes níveis de análise considerados e dos principais conceitos utilizados, tais como os de agente e estrutura; (ii) a dificuldade para se derivarem hipóteses sobre as possíveis relações causais entre tais variáveis que possam ser verificadas em diversos contextos; e, de maneira relacio- nada com os pontos anteriores, (iii) a dificuldade de se realizarem exercí- cios metodologicamente sólidos que permitam alcançarem-se graus cres- centes de generalizações empírica e teoricamente substanciais.

Para além dessas questões, é possível observar que grande parte da produção de pobreza descrita por meio desses casos está vinculada à inoperância do Estado (e seus agentes) como contra-estrutura com capaci- dade para limitar a inevitável geração de pobreza e iniqüidade que fomen- tam os mercados sem regulação. Apesar da evidência empírica proporcio- nada por esses três estudos de caso (que, como afirmamos mais acima, sempre pode ser refutada por evidência empírica em sentido contrário), da linha argumental que pode se derivar desse incipiente exercício teóri- co, o Estado pode ser tanto a causa eficiente, como a solução para a pro- blemática da produção de pobreza em distinta escala. Se é um ou outro, isso depende de cada caso concreto. No entanto, de uma perspectiva teó- rica que inclua os níveis de análises nacional e internacional, essa é a única estrutura com capacidade para enfrentar os efeitos produtores de pobre- za de agentes operando sob os estímulos de mercados nacionais e interna- cionais, carentes de regulações baseadas em critérios distributivos e de eqüidade.

A construção do modelo teórico aqui esboçado está em sua etapa inicial. Falta muito por fazer. No entanto, é possível visualizar sua prová- vel unidade a partir da verificação do potencial não-realizado que têm as importantes contribuições empíricas aqui apresentadas. A integração en- tre teoria e pesquisa empírica – por meio do método de estudo de casos

ou comparativo – que permita extraírem-se generalizações sobre a políti- ca (ou melhor, a economia política) da produção e reprodução da pobre- za parece ser a forma mais efetiva para se fazer avançar conhecimento generalizável que possa oferecer uma base sólida para os processos de to- mada de decisões. Existe pesquisa empírica de qualidade. Parece então indispensável contar-se com teorias ou suas simplificações – como são os modelos – para se ordenar e dar sentido ao conhecimento empírico em matéria de produção e reprodução de pobreza.

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