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Bahia: divisão territorial e administrativa em 1889

BAHIA: DIVISÃO TERRITORIAL E ADMINISTRATIVA EM 1889

Fonte: Monica Duarte Dantas, Fronteiras movediças: relações sociais na Bahia do século XIX (a Comarca de Itapicuru e a formação do Arraial de Canudos), São Paulo: Aderaldo & Rothschild, FAPESP, 2007, pp. 475. O mapa sobre modificações para destacar Morro do Chapéu, Jacobina, Feira de Santana e Salvador.

47 A igreja, dedicada à N. S. da Graça, abrigava “três imagens de vulto grandes com as invocações de N. Senhora da Graça, Coração de Jesus e São José. Duas ditas mais pequenas com as invocações de N. Senhor Jesus Cristo Crucificado. Uma de São Benedito e uma dita de N. Senhora.”43

A presença da imagem de São Benedito, “santo escravo”, é um indício da forte presença negra em Morro do Chapéu.

Havia devoções particulares. Uma delas era de Bom Jesus da Lapa. Em processo criminal sobre agressões físicas ocorridas em 1888, uma das testemunhas informou que entre os motivos os quais levaram o agressor a poupar a vida da vítima foi porque ela lhe pediu “pelo Senhor Bom Jesus da Lapa que não fizesse” aquilo.44

Um ano depois, a irmã de uma vítima atingida por um tiro de espingarda pediu ao agressor pelo “Senhor Bom Jesus da Lapa, que não lhe desamparasse, e que fosse buscar um pouco de água para dar a sua irmã”.45

A devoção motivava romaria à Lapa. Em 1877, o defensor de um réu de injúrias verbais afirmou que seu cliente, “em dias do mês de Julho do Corrente ano”, tinha ido “cumprir uma romaria na Lapa do Senhor Bom Jesus”.46

Além das devoções católicas, há indícios de expressões religiosas que escapavam aos padrões estabelecidos pela Igreja. Simpatias e rituais não-católicos ou sincréticos eram realizados em Morro do Chapéu e região, suponho, praticado por brancos e “pessoas de cor”. Em 1875, alguns indivíduos invadiram um sítio na freguesia de Mundo Novo, amarraram e sequestraram marido e mulher e os levaram para a vila de Monte Alegre, com o argumento de que esta colocara feitiço na esposa de um dos sequestradores, e teria de curá-la, caso contrário seriam mortos.47 Em 1888, agora na freguesia do Riachão da Utinga, outros indivíduos, a mando da esposa de um deles, chicotearam e deram pontapés em outra mulher porque ela mandara um sapo enrolado de presente para uma filha da suposta mandante.48

43

Livro de Fábrica da Igreja de Nossa Senhora da Graça de Morro do Chapéu, diversos anos, IMNSGMC, Secretaria, Livro de Fábrica da Igreja de Nossa Senhora da Graça do Morro do Chapéu.

44 Processo movido pela Justiça contra Manoel Apolinário Vilarinho (Manoel Araquan), 1888, FCA, Processos

criminais, Sala dos Processos Criminais, cx. 1889-1890.2.

45

Processo movido pela Justiça contra José Prachedes dos Santos, 1889, FCA, Processos criminais, Sala dos Processos Criminais, cx. 1889-1890.

46 Processo movido por Antônio José Cerqueira contra João Francisco de Oliveira, 1877, FCA, Processos

criminais, Sala dos Processos Criminais, cx. 1877-1878.

47

Sumário de culpa movido por Joana Maria de Macedo(sic) e Maria Magdalena contra Manoel Agostinho e outros, 1875, FCA, Processos criminais, Sala dos Processos Criminais, cx. 1874-1876.

48 Processo movido pela Justiça contra José Cassiano de Moraes e outros, 1888, FCA, Processos criminais, Sala

48 Cria, recria...

Ao escrever suas memórias em 1889, Honório de Souza Pereira se ressentia do pouco reconhecimento dado a Morro do Chapéu em relação ao abastecimento de Salvador. Para ele, “os tabuleiros do Morro do Chapéu sempre” foram e ainda eram “excelente[s] para criação de gado vacum e cavalar” e somente depois se estabeleceu as “soltas de gado nos pastos de Mundo Novo e Baixa Grande”. As terras morrenses eram a “redenção dos negociantes de gado que do alto sertão quer das matas, que é regra infalível chegarem as boiadas do sertão pesteadas e morrendo muito gado, apenas chegam e são soltos nos tabuleiros, cessando assim a peste e mortandade e não precisa mais nada do que o gado pastar 15 ou 20 dias; daí em diante seguem para os pastos sem o menor risco todo gado sadio.” Ainda, segundo o memorialista,

Se os vendedores e compradores não achassem os tabuleiros do Morro e fossem obrigados a seguirem com estes gados, chegariam no Mundo Novo e Baixa Grande pela metade; ponderando-se em o que são os tabuleiros do Morro é injustiça não se lhe dar o seu devido valor, porque sempre foi e é o sustentáculo do comércio de gado que abastece a Capital, e outros muitos lugares; e se não fosse o tabuleiro, talvez já não existisse a negociação de gados na mata.49

Uma frase poderia muito bem resumir o ressentimento do nosso memorialista nos últimos anos de vida: “O Morro do Chapéu já foi rico e hoje está pobre”.50

O sentimento do velho Honório talvez se justificasse porque, como indicou Antonil, antes mesmo do Oitocentos o gado criado na região do Morro do Chapéu já era utilizado para abastecer Salvador e Recôncavo. O gado morrense era o mestiço, denominado de crioulo, curraleiro ou sertanejo. Segundo Lycurgo Santos Filho, essa rês era resultado do cruzamento de várias raças portuguesas e espanholas, como a mirandesa, galega, barrosa ou maronesa. Ainda segundo esse autor,

Ou “curraleiro”, ou “crioulo”, ou “sertanejo”, o boi do sertão nordestino apresentava-se já em princípios do século XIX como animal de pequeno talhe, estatura pequena e grandes chifres, de carne magra e pouco leite. Animal de pouco

49 Pereira, “Descripção da Villa de Morro do Chapéo”, pp. 14-15. 50 Idem, pp. 15. Ênfases minhas.

49 peso, pernas finas e casco resistente, próprio para palmilhar o solo endurecido. Nessa época, já se aclimataram nem à caatinga. Era resistente às doenças e apto para suportar os rigores do clima seco. Sucumbia apenas quando sobrevinha uma daquelas secas periódicas, excessivas e prolongadas...51

A rês era criada de forma extensiva, ou “à solta”, conforme se dizia na época. Não havia divisão entre as propriedades, permitindo que o gado de um criador passasse de uma pastagem a outra, misturados, a única forma de identificá-lo era através das marcas dos donos. Santos Filho afirma que essa prática era comum em Portugal: “Criavam-se assim, nas terras indivisas, os animais pertencentes a dois, três ou mais proprietários, todos misturados.”52

Mas não apenas os ibéricos praticavam a criação extensiva do gado. Grupos étnicos falantes dos diversos idiomas bantos também criavam gado. Encontrei alguns escravos africanos na função de vaqueiros. Eles podiam ter aprendido o manejo da pecuária em solo sertanejo, mas é possível que alguns já a praticasse em suas terras. O tráfico atlântico trouxe corpos e experiências.

Ainda de acordo com Santos Filho, a alimentação do gado sertanejo consistia de forragens nativas, compostas de “inúmeras espécies de „gramíneas‟ e „ciperáceas‟”. Em tempos de seca, o gado se alimentava de “certas cactáceas como o „mandacaru‟ (várias cactáceas do gênero „Cereus‟) e o „xique-xique‟ (cactáceas rasteiras, de porte menos do que o mandacaru, dos gêneros „Pilocereus‟ e „Cereus‟) transformavam-se em reservas forrageiras”.53

Entretanto, a criação não era o setor mais importante nos negócios do gado. Segundo afirmou Honório, Morro do Chapéu se notabilizava por ser uma das principais vias de passagens do gado vacum, terras de pastagem e descanso das boiadas criadas nas fazendas baianas próximas e além do rio São Francisco e em outras províncias.54 Salvador era seu principal mercado consumidor. Diferentes fontes apresentam a dinâmica da produção e do comércio do gado. Criação e recria se assemelhavam em vários sentidos, pois tanto o gado criado quanto o comprado para engorda pastavam nas grandes largas ou soltas morrenses. Descrevo agora parte da dinâmica, principalmente da recria e do comércio. Nos dois capítulos

51 Santos Filho, Uma comunidade rural do Brasil, pp. 208. 52 Idem, pp. 208.

53

Idem, pp. 209.

54 Rodrigo Freitas Lopes, “Dos currais do matadouro público: o abastecimento de carne verde em Salvador no

século XIX (1830-1873), (Dissertação, Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal da Bahia, 2009), pp. 23-24.

50 seguintes, apresento outras características da criação de gado e de seus mais famosos trabalhadores, os vaqueiros.

Em 27 de fevereiro de 1865, uma comissão encarregada pelo presidente da Província para avaliar as causas da má qualidade das carnes verdes consumidas na capital, concluiu que, entre as principais razões, estava a falta de descanso após o gado vencer “imensas e longas distâncias.” No seu parecer, a comissão apontou que 90% do gado consumido na capital enfrentavam esses percursos, identificando ainda as principais áreas produtoras da província: o vale do rio São Francisco, as comarcas de Feira de Santana, Jeremoabo e Monte Santo.

Como a produção baiana não era suficiente para o abastecimento da capital, recorria-se às “províncias limítrofes de Piauí e Goiás, sendo que, mesmo assim”, importava-se “ainda das de Minas e Pernambuco”. Os gados “de Minas e Goiás” eram “soltos em grandes largas, e

notavelmente nas do Morro do Chapéu, Jacobina e Vila Nova da Rainha para pastarem, até

que, engordando”, desciam “para o litoral”. A comissão considerara a distância com um dos principais razões para a má qualidade da carne consumida entre os habitantes de Salvador: “Daqui se observa, que das boiadas, que chegam à esta Cidade, têm caminhado – umas 85 léguas, e outras de 150 à 220.”55

Morro do Chapéu e as outras vilas da Comarca de Jacobina figuravam como áreas de recria muitos anos antes do parecer da comissão. Antonil, no século XVIII, já identificava os sertões das Jacobinas como área de recria.56 Há de se considerar que a extensão das terras jacobinenses abarcava praticamente todo o sertão baiano do lado direito do São Francisco.57 O processo envolvia muitas pessoas, uma ampla rede de relações comerciais, de solidariedades verticais e horizontais, dependências pessoais, relações de trabalho, volumosas quantias, endividamentos, falências de muitas famílias e brigas judiciais.

Um bom exemplo do complexo sistema envolvendo o abastecimento de carnes verdes da província foi o contrato e processo judicial entre o criador e capitão-mor Manoel Soares da Rocha com a Companhia de Carnes Verdes da Cidade da Bahia em 1837 e 1838, respectivamente. Em 8 de abril de 1837, o capitão-mor e a Companhia firmaram um acordo para fornecimento de reses para o abastecimento de Salvador.58 A Companhia daria 5 contos

55 “Parecer sobre as Carnes Verdes”, 27/02/1865, Relatório Apresentado à Assembleia Legislativa Provincial da

Bahia pelo Excelentíssimo Presidente da Província o Comendador Manuel Pinto de Souza Dantas, no dia 1º de

março de 1866, Bahia, Tipografia de Tourinho e Cia, 1866. Disponível em

http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=130605&Pasta=ano%20183&Pesq=Morro%20do%20cha peo. Acessado em 11/01/2014. Ênfases minhas.

56

Antonil, Cultura e opulência, pp. 202.

57 Vieira Filho, O negro em Jacobina.

58 Libelo civil do capitão-mor Manoel Soares da Rocha contra a Companhia de Carnes Verdes da Cidade da

51 de réis ao capitão-mor que compraria gados no sertão e soltaria em suas fazendas em Jacobina Velha e Morro do Chapéu. As reses seriam ferradas com as iniciais C.I para identificar que pertenciam à empresa. Esta ainda se comprometia com as despesas com a junta59 das reses soltas, contratação dos passadores e condutores, a condução das boiadas e outros custos com o transporte até Salvador. Além disso, comprometia-se a pagar 2 mil réis de comissão para o capitão para cada boi da companhia recriados em suas fazendas.

Em contrapartida, o capitão-mor Manoel Soares da Rocha se obrigava a fazer todas a diligências necessárias para manter a saúde do gado, arrendar propriedades às suas custas caso o número de reses não coubesse nas suas fazendas, informar à Companhia sobre a quantidade de reses compradas, enviar boiadas sempre que a Companhia ordenasse, informar a quantidade de reses enviadas, salvo quando, por qualquer problema, ele fosse obrigado a enviar gado para evitar prejuízos para a empresa e “prestar maior zelo possível na Administração das referidas soltas, e gente boa para pastoração e guardimento(sic)”.

Pouco mais de um ano depois, em julho de 1838, o capitão-mor solicitava abertura de um libelo civil contra a Companhia por quebra de acordo contratual. O autor argumentava que recebera da companhia os 5 contos de réis, não só empregou nas compra das reses, como adquiriu outras no valor de 3 contos e 970 mil réis com a aprovação da empresa. Somados, os 8 contos e 970 mil réis possibilitaram a compra de 927 reses. Ainda, conforme o capitão-mor, ele desempenhou “todos os deveres a seu cargo” fazendo diversas juntas e enviando sete boiadas para Feira de Santana, segundo ordem da Companhia, pois Salvador estava dominada pelos revoltosos da Sabinada.

Junto com os bois da Companhia, seguiram também reses do autor. Pelos cálculos do capitão-mor, os sócios lhe deviam 1 conto, 866 mil e 920 réis referentes aos custos de contratação de vaqueiros e suprimentos para as juntas, gratificação de 2 réis por cada boi que saiu das soltas, matalotagem, a condução da quinta boiadas e despesas realizadas pelo caminho e no retorno da sexta por conta da “irrupção dos rebeldes para a Feira de Santana”. O capitão-mor alegava que a Companhia se recusava a ressarci-lo dos gastos porque ele não enviara todas as reses compradas. Para o criador, a justificativa era absurda, pois esse não foi o acordo e passou a esclarecer acerca da dinâmica da produção bovina.

Segundo Manoel Soares da Rocha, “o gado solto nas fazendas de criar do sertão se interna por elas, e até muitas vezes passa para as vizinhas, de sorte que o criador não pode

59 Atividade desenvolvida por grupos de vaqueiros e auxiliares para captura do gado vacum nos campos, matas,

52 jamais contar com todas as vezes, que chegar a ajuntar, e ferrar nas suas Fazendas, e o mesmo acontece com aquelas que compra, e solta para se refazerem”. Além disso,

o gado é sujeito à mortalidade, que é maior ou menor segundo as ocorrências, e todos sabem que a peste, e fora desta muitas moléstias perseguidoras do gado, os répteis venenosos, certas ervas, cujo efeitos são igualmente mortíferas, e mesmo as continuas pelejas dos animais entre si finalmente as panteras, tigres, são outras tantos flagelos, que tendem a diminuir o número, e iludem constantemente as esperanças do criador, e as vezes o empobrecem derrotando completamente suas fazendas.

Alegou ainda que desconhecia quantidade de reses da Companhia e ainda havia em suas soltas, assim como não sabia o número da própria criação. Por isso, só lhe restava continuar a “explorar as mesmas soltas” e remeter o gado que fosse encontrado, como havia feito anteriormente. Ainda sobre as perdas a que todos os criadores e negociantes estavam sujeitos, o capitão afirmou que era

impossível saber-se ao certo quantas reses morrem nas soltas, por quanto as vezes são achadas em tal estado de corrupção, que não é dada perceber-se a marca de ferro, ou outras, estão já de todo comprometidas as carnes, restando somente os ossos, outras morrem dentro das catingas de sorte que não se pode dar por falta, outras finalmente morrem muitas conjuntamente nos ditos lugares, e se torna impraticável chegar ao pé de elas para examina-las, por causa do insuportável fedor, que exalam suas carnes em putrefação.

Acrescente-se as fugas durante o transporte para os locais de feiras e matadouros. Isso ocorreu tanto com o gado da Companhia quanto do autor. O criador encerrou seus argumentos reafirmando que a Companhia, criadores e especuladores, os quais compravam gado e soltavam nas fazendas, sabiam muito bem os riscos a que estavam sujeitos. De quebra, acusou a empresa de obter lucros exagerados em razão “da emigração dos habitantes desta Capital, para as cidades de Vilas do Recôncavo e da necessidade de se manter o Exército e Marinha, que propugnavam pela restauração do Império das Leis, e da Civilização” e, por ser abastardo de bens e “homem de probidade”, nenhum proveito teria em ficar com o gado da Companhia. Em sua defesa, os sócios da Companhia, já extinta nesse período, pediram uma

53 audiência de conciliação para resolver a questão. Antes, alegaram que o convite para o estabelecimento do contrato partiu do capitão por intermédio de uma carta. Como os valores oferecidos estavam acima do mercado, a criador foi a Salvador negociar pessoalmente, então firmou o contrato com a empresa. Ainda em 1838, ocorreram diligências judiciais para a conciliação. Infelizmente, o documento está incompleto, impossibilitando saber o resultado da querela.60

De qualquer sorte, a briga entre a Companhia e o capitão-mor apresenta um comércio do gado bastante articulado. Problemas mais graves interrompiam ou diminuíam o fluxo de descida das boiadas. Em 1837, foi a Sabinada que afetou as descidas. Outras vezes eram as intemperes climáticas. Durante a seca de 1857 e 1861, cujos reflexos foram sentidos em toda a província, os proprietários e membros da elite do Morro do Chapéu registraram a gravíssima situação de seus moradores. Para reforçar o pedido de auxílio, usaram, entre outros, o argumento de que a vila era importante para o abastecimento de Salvador, e acrescentou que se não tinha “havido nestes últimos anos boas soltas, dois motivos concorrem para o atraso; 1º a atual seca e 2º a falta de via de comunicação”.61

O excesso de chuvas também causava problemas. Em carta enviada para seu irmão e sócio, um negociante morrense informou que não poderia dar prosseguimento aos preparativos para a viagem com o gado por conta das chuvas as quais tinham “tornado difícil as vaquejadas”.62

Conflitos políticos nas vilas integradas ao circuito do gado também causavam transtornos para o abastecimento da província. Em 13 de abril de 1878, estourou, na vila de Xique Xique, um conflito armado envolvendo duas facções políticas locais. Xique Xique, junto com a vila da Barra, era importante área de criação e comércio de gado nas margens do rio São Francisco e via de trocas comerciais entre diversas vilas baianas, incluindo Morro do Chapéu, e entre a província da Bahia e as limítrofes. Em relatório encaminhado ao chefe de polícia da província, em 6 de outubro, o delegado, enviado para apaziguar os ânimos e normalizar a rotina da vila, informou que durante o conflito ocorreram mortes, roubo de gado, saques de mercadorias dos transeuntes e tropeiros, incêndios de casas, sítios e fazendas locais. Segundo o delegado, uma das facções se retirou da sede da vila e ocupou fazendas de onde

60 Ação de conciliação entre o capitão-mor Manoel Soares da Rocha e os sócios da extinta Companhia de Carnes

Verdes da Cidade da Bahia, 1838, APB, Seção Judiciária, class. 12/604/04.

61 Correspondência enviada pela Câmara do Morro do Chapéu à Presidência da Província, 21/04/1860, APB,

Seção Colonial e Provincial, Presidência da Província, Seca, 1845-1860, maço 1607. Sobre consequências da seca de 1857 a 1861 conferir João José Reis e Márcia Gabriela D. de Aguiar, “Carne sem osso e farinha sem caroço: o motim de 1858 contra a carestia na Bahia”, Revista de História, São Paulo, n.º 135 (1996), pp. 133- 160.

62 Processo de Ezequiel Rodrigues Costa do Brazil contra José Florêncio Bagano de Miranda e Francisco Luiz de

54 alguns de seus membros começaram a “tomar à força de armas as cargas e armas de seus condutores que transitavam na estrada, que da Vila de Jacobina se dirige a esta Vila e Cidade da Barra”. Morro do Chapéu estava na rota dessa estrada.

Morro do Chapéu foi diretamente citada no relatório. Segundo o delegado, a mesma facção que saqueava mercadorias, desenvolvia “furto de animais, atacando diversos pontos, de sorte que, quando a força pública os perseguia por um lado, eles exerciam suas depredações pelo outro, empregando-se uns na arrecadação dos animais, e outros na compra deles por quantia diminutíssima, para os vender em Jacobina, Morro do Chapéu e Lençóis.”63

O juiz municipal em exercício também encaminhou um relatório ao chefe de polícia. Segundo o magistrado, mais de 16 mil cabeças de gado, entre vacum, cavalar, muar e lanígero foram roubadas pela facção agressora e não tinha sido “uma nem duas vezes que tem encontrado nas estradas de Jacobina, Morro do Chapéu e Lençóis, boiadas de cem, duzentas e mais cabeças. O mesmo tem acontecido com diferentes cavalarias, tropas de burros e jumentos.”64

... e comércio de gado

O capitão-mor Manoel Soares da Rocha apresentou algumas características do processo de criação, recria e comércio do gado. Criadores, negociantes, companhias de comércio e atravessadores adquiriam reses nas fazendas sertanejas, soltavam em suas fazendas, deixavam

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