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Fonte: Acervo de Marcelo Aparecido Afonso (DELAROLE, 2010)

Outro ponto de união de desenvolvimento do Carnaval tatuiano e as atividades musicais em seu território se dá através do Mestre Benedito de Arruda Pais e da tradição do Cordão dos Bichos.

Pessoa de hábitos simples e de poucos proventos recebidos através das suas duas artes (música e entalhação), Mestre Benedito manteve por muito tempo uma escola de música na cidade, da qual saíram músicos de grande valor como: Bonifácio José da Rocha, que por grande tempo regeu a Banda Santa Cruz; Mamede de Paula Perereira, Mestre de Banda das corporações Euterpe Tatuhyense e São Vicente de Paulo; Juventino de Campos, violinista e compositor; o Maestro José Mico, entre outros. (CAMARGO, 1997)

Foram das idealizações de Mestre Benedito que surgiu a maior tradição do Carnaval tatuiano: o Cordão dos Bichos. De acordo com Camargo e Camargo (2006, p.73), o Cordão dos Bichos consiste em um:

Grupo folclórico tatuiense, formado por mais de 80 pessoas que se fantasiam de animais, cabeções e bonecos de até 4m de altura. (...) Surgiu em Tatuí no ano de 1860, pelas mãos do mestre Benedito de Arruda Pais, através das festas joaninas que promovia. Nas festas havia arroz doce, quentão, busca- pés, foguetes, roqueiras, “um boizinho” (...) e alguns cavalos, numa imitação muito simples das touradas (CAMARGO e CAMARGO, 2006, p.73)

Iniciado pelo Mestre Benedito de Arruda Pais, o Cordão dos Bichos toma grande impulso através da Fábrica têxtil São Martinho, através de seus funcionários e da criação de um salão, em 1942, para abrigar matérias e atividades referentes ao Cordão dos Bichos, tradição realizada até os dias atuais no carnaval tatuiense.

Conforme relatado, os clubes, bailes e carnavais, que acompanharam a urbanização da primeira metade do século XX, foram fundamentais para a criação de espaços de apresentação e desenvolvimento das atividades musicais em Tatuí.

Dentre os grupos formados para a atuação nos referidos espaços, destaca-se a “Orquestra Trololó”, fundada por José Teixeira Barbosa, o “Seu Juca”, que também atuava na direção de unidades de ensino da região e foi professor do Conservatório até seus 95 anos, sendo considerado no Brasil uma das pessoas mais idosas a trabalhar com carteira assinada em regime de CLT, e irá completar 100 anos de idade em 2016.

Figura 10. “Seu Juca” na capa da Revista Cultural do Conservatório de Tatuí “Ensaio Magazine”, de abril de 2009.

A Orquestra Trololó tinha seu repertório principal baseado na música popular, e eram bastante influenciados pelas músicas americanas como as da orquestra de Glenn Miller. (BARBOSA, 2014).

De acordo com “Seu Juca”, havia grande entusiasmo na juventude em sua época, pois havia a expectativa para o fim da semana, por causa dos bailes, como no Tatuiense, Recreativo, na Sociedade Italiana. Havia uma certa esperança de que alguma coisa ia acontecer, um baile com uma orquestra do município, ou que viria de fora, uma perspectiva. (BARBOSA, 2014).

De acordo com Simeão Sobral, do grupo de serestas e serenatas do município: “A trololó causou muito casamento aqui em Tatuí. Tocava umas músicas muito românticas, tudo aquilo ia inclinando para a aproximação das pessoas. De certo, muito casamento a Trololó provocou” (SOBRAL, 2014).

Tais eventos eram importantes para o encontro, sociabilidade e práticas sociais no município, assim como as serestas e serenatas que ocorriam em Tatuí.

As serestas também criavam espaços para a prática coletiva dos músicos, possuindo fortes raízes da “cultura caipira” de seu contexto regional. As serenatas, bem como os bailes da época, eram praticadas pela juventude da época e aproximavam encontros, amizades e casais. Entre as personalidades participantes dos grupos da seresta e serenata no município destacam-se os nomes de Roberto Rosendo, Noel Rudi, Paulinho Ribeiro, Simeão Sobral, João do Irineu, José Fiuza, Ditinho Rolim, Osmil Martins e Raul Martins.

3.4 Criatividade Artística e Política: A Criação Do Conservatório de Tatuí

A escolha da cidade de Tatuí para a criação do primeiro Conservatório Musical mantido pelo Governo do Estado de São Paulo não se deu por acaso.

Muitos foram os atores, espaços, grupos e associações que desenvolveram atividades criativas, destacadamente nas dimensões artística e política, para a criação do Conservatório Dramático e Musical “Dr. Carlos de Campos” de Tatuí, e que, devido a sua destacada relevância, são explicitados nesta seção.

3.4.1 Espaços de Encontro, Associações e Equipamentos Comunitários

Junto ao mencionado entrelaçamento das atividades criativas e musicais com a formação territorial do município, bem como o movimento de bandas e a dinamização cultural e artística ocorrida junto com seu desenvolvimento urbano da primeira metade do século XX, verifica-se uma grande importância dos espaços de encontros, equipamentos comunitários e das associações no desenvolvimento das atividades criativas e musicais em Tatuí.

Espaços e equipamento comunitários como as praças, escolas e igrejas, tais como a Praça da Matriz, a Escola “Barão de Suruí e a Igreja Matriz Nossa Senhora da Conceição, foram de grande importância para o desenvolvimento das atividades musicais de Tatuí e para o ensino musical e o desenvolvimento de importantes músicos e compositores como Octávio “Bimbo” Azevedo, João Del Fiol e Nacif Farah.

Também os cinemas, que iniciaaram suas atividades como cinema mudo, demandavam a contratação de bons músicos para a formação das orquestras que iriam executar as trilhas sonoras de seus filmes, e proporcionavam mais uma modalidade de acesso da população às atividades musicais.

Espaços de encontro como a “Casa do Bimbo” e o Bar e Hotel Del Fiol, formaram-se como espaços de reunião de músicos, cidadãos, e políticos, um ambiente de criação e socialização, que também carregava elementos boêmios, com a realização de saraus e serestas, e encontros fortuitos entre compositores, músicos populares e eruditos.

Cabe ressaltar a relação da música com a vida comunitária da cidade, na observação dos nomes das composições de músicos tatuianos, corroborando o pensamento de Delarole (2010, p.106) para o qual a música “não existe isolada das pessoas para as quais ela tem um significado, ela não existe desligada da vida.”.

Os dobrados, tocados pelas bandas da cidade, comumente possuíam nomes de homens, pois muitos eram compostos para homenagear autoridades e personalidades influentes da região.

Na análise das valsas tatuianas, observa-se a escolha por nomes carregados de romantismo e de inúmeras obras com nomes femininos. De acordo com o “Maestro Coelho”, era possível identificar “uma relação entre a música e a vida”, entre a música e as pessoas. (ALMEIDA, 2014). O músico exemplifica o raciocínio observando composições musicais tatuianas:

As valsas normalmente tinham nome de mulheres (...). Quando a gente pega as valsas do Bimbo, a maioria tinha nome de mulheres (...). Já os mestres de banda, quando queriam prestar homenagem para alguma autoridade, para alguma pessoa, escreviam um dobrado. Geralmente os dobrados tem nome de homem. (ALMEIDA, 2014)

Em consulta ao acervo do Mestre de Banda Marcelo Aparecido Afonso, verifica-se a veracidade de tais informações, em documentos tais como partituras de músicos e compositores tatuianos do início do século XX, tais como Bimbo Azevedo, Júlio de Campos, Praxedes Januário de Campos, Francisco de Matos, e Juventino de Campos, nas quais registram-se os nomes de mulheres ou títulos de intenso romantismo nas valsas analisadas. (FOTO 20; FOTO 21; FOTO 22; FOTO 23; FOTO 24; FOTO 25; FOTO 26)