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4.1 APRESENTAÇÃO DO PROJETO

4.1.2 Base normativa para a regularização fundiária

Com o repasse das áreas aos municípios pelo Governo Federal, cabe ao Poder Executivo do Município de Concórdia do Pará proceder à regularização fundiária em favor dos moradores, mediante os critérios e mecanismos estabelecidos na Lei Federal 11.952/2009, que dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana na Amazônia Legal.

A Lei Federal 11.952/2009 prevê a regularização fundiária urbana e rural de imóveis localizados na Amazônia Legal, e, trouxe consigo alguns requisitos para dirigir a regularização, dando preferência para as comunidades locais. Esta lei federal possui regras diferentes para cada espécie de regularização – urbana ou rural.

Na regularização fundiária rural, o município recebe a gestão da área por meio de CDRU, que tem contornos específicos na Lei Federal 11.952/2009, como o dever de realizar a regularização fundiária dos lotes ocupados pela comunidade local, desde que os ocupantes preencham os requisitos legais, dos quais cabe destacar a ocupação e a exploração de atividade econômica exercida em imóvel rural, mansa e pacificamente, por si ou por seus antecessores, anterior a 1o de dezembro de 2004 (art. 5º, IV, da Lei Federal 11.952/2009).

Por outro lado, na regularização fundiária urbana há um tratamento diferenciado, que tem como principal característica a alienação da área objeto de regularização, como regra, do INCRA em favor do município onde está localizada tal área. Semelhantemente à regularização fundiária rural, na regularização fundiária urbana a transferência da gestão da área para o município é acompanhada de encargos, que visam beneficiar a comunidade local, que ocupa a região.

O PMC visa a regularização das ocupações de áreas transferidas do INCRA, sob a modalidade de regularização fundiária urbana. Acontece que, segundo a Lei Federal 11.952/2009, existem alguns requisitos para o município possa ser beneficiado com a alienação das áreas. Nesses termos, o primeiro encargo, supracitado, é o de que as administrações locais promovam os atos necessários à regularização das áreas ocupadas (art. 21, §1º, Lei Federal 11.952/2009).

O segundo requisito é a existência de lei municipal, que pode ser tanto o Plano Diretor Municipal (PDM), quanto outra lei específica, que abranja a área a ser regularizada (art. 22, § 1º, Lei Federal 11.952/2009). Entretanto, quando se tratar de áreas com ocupações para fins urbanos já consolidadas, definidas nos termos do Decreto 7.341/2010, a transferência da área poderá ser feita independentemente da existência da lei municipal referida (art. 22, §2º, Lei Federal 11.952/2009).

As Vilas de Concórdia do Pará foram transferidas por serem consideradas como áreas com ocupações para fins urbanos já consolidadas46, não sendo necessária a existência de lei municipal de ordenamento territorial que abrangesse as áreas correspondentes às Vilas.

A lacuna legal motivou a discussão sobre a regularização fundiária dos imóveis das Vilas de Concórdia do Pará, basicamente, por duas razões. O primeiro motivo se refere à presença de elementos rurais do uso e ocupação do solo em, pelo menos, parte destas Vilas, como se verá adiante, o que dificultaria a sua caracterização como áreas com ocupações para fins urbanos já consolidadas, além do fato de que o próprio PDM define a área em seu mapa como rural.

A segunda razão se deve à ausência de legislação municipal urbanística (com exceção do PDM, que, entretanto, não contém normas específicas de regularização fundiária), o que poderia permitir a regularização jurídica dos imóveis residenciais, trazendo segurança para

46 De acordo com o art. 2º, I, “a” e “b”, do Decreto 7.341/2010, que regulamenta a Lei Federal 11.952/2009, consideram-se áreas com ocupações para fins urbanos já consolidadas, aquelas que apresentam sistema viário implantado com vias de circulação pavimentadas ou não, que configuram a área urbana por meio de quadras e lotes; uso predominantemente urbano, caracterizado pela existência de instalações e edificações residenciais, comerciais, voltadas à prestação de serviços, industriais, institucionais ou mistas, bem como demais equipamentos públicos urbanos e comunitários.

alguns moradores, mas, provavelmente, seria impraticável avançar para a regularização urbanística, não sendo possível melhorar a qualidade de vida da população. No máximo, seriam feitas sugestões para guiar a atuação municipal após a execução do PMC para imóveis não residenciais.

Portanto, inicialmente, traz-se à baila as condicionantes presentes na Lei Federal 11.952/2009, em seu art. 30:

Art. 30. O Município deverá realizar a regularização fundiária dos lotes ocupados, observados os seguintes requisitos:

I - alienação gratuita a pessoa natural que tenha ingressado na área antes de 11 de fevereiro de 2009, atendidas pelo beneficiário as seguintes condições:

a) possua renda familiar mensal inferior a 5 (cinco) salários mínimos;

b) ocupe a área de até 1.000m² (mil metros quadrados) sem oposição, pelo prazo ininterrupto de, no mínimo, 1 (um) ano, observadas, se houver, as dimensões de lotes fixadas na legislação municipal;

c) utilize o imóvel como única moradia ou como meio lícito de subsistência, exceto locação ou assemelhado; e

d) não seja proprietário ou possuidor de outro imóvel urbano, condição atestada mediante declaração pessoal sujeita a responsabilização nas esferas penal, administrativa e civil;

II - alienação gratuita para órgãos e entidades da administração pública estadual, instalados até 11 de fevereiro de 2009;

III - alienação onerosa, precedida de licitação, com direito de preferência àquele que comprove a ocupação, por 1 (um) ano ininterrupto, sem oposição, até 10 de fevereiro de 2009, de área superior a 1.000m² (mil metros quadrados) e inferior a 5.000m² (cinco mil metros quadrados); e

IV - nas situações não abrangidas pelos incisos I a III, sejam observados na alienação a alínea f do inciso I do art. 17 e as demais disposições da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.

§ 1o No caso previsto no § 2o do art. 21, o Município deverá regularizar a área recebida mediante a transferência da concessão de direito real de uso.

§ 2o O registro decorrente da alienação de que trata o inciso I do caput e da concessão de direito real de uso a beneficiário que preencha os requisitos estabelecidos nas alíneas a a ddo mesmo inciso será realizado de ofício pelo Registro de Imóveis competente, independentemente de custas e emolumentos. Assim, o PMC teve como meta a regularização das ocupações de moradores incluídos no inciso I do artigo 30, do diploma legal referido alhures, que dispõe sobre a alienação gratuita em favor de ocupantes de baixa renda, deixando orientações para as demais situações, a serem trabalhadas pela administração municipal.

Nesse passo, segundo a linha doutrinária até aqui defendida, na qual direitos fundamentais geram obrigações positivas ao Estado, devendo assegurar a todos o exercício de seu direito à moradia, os ocupantes das Vilas enquadrados no art. 30, inciso I da Lei Federal 11.952/2009, têm direito subjetivo a terem seus imóveis regularizados.

Para ter direito à alienação gratuita do imóvel, o morador deve auferir renda familiar mensal inferior a 5 salários mínimos, o que caracteriza a regularização fundiária de interesse social, nos termos da Lei Federal 11.977/2009, art. 47, inciso VII. O ocupante deve ocupar

área de até 1.000m², sem oposição, pelo prazo ininterrupto de, no mínimo, 1 ano, utilizando o imóvel como única moradia ou como meio lícito de subsistência, exceto locação ou assemelhado. Por fim, não pode ser proprietário ou possuidor de outro imóvel urbano.

Deve-se destacar de que dentre todos os requisitos que servem de baliza para beneficiar a comunidade com a utilização da alienação gratuita, o tamanho máximo do imóvel chama a atenção, por ser superior, por exemplo, ao limite máximo de imóvel que pode ser objeto da CUEM, que é de 250m² (art. 1º, da Medida Provisória 2.220/2001), bem como pelo fato de se tratar de áreas consideradas urbanas. Com efeito, o tratamento dispensado para estes imóveis é diferente do previsto em outros diplomas legais, por disciplinar a regularização fundiária de imóveis localizadas na Amazônia Legal, na qual se reconhece que mesmo a população de baixa renda possui lotes maiores do que aqueles localizados em outras regiões urbanas do país.

Consoante o disposto na Lei Federal 11.952/2009, determinadas situações podem afetar o andamento dos trabalhos, como ocorre quando a área ocupada for terreno de marinha, que somente pode ser regularizada por CDRU (art. 4º, §1º, c/c art. 21, §2º, ambos da Lei Federal 11.952/2009), ou na hipótese de haver algum estatuto legal municipal, que disponha sobre as dimensões de lotes, podendo alterar o tamanho médio de imóveis a serem alienados gratuitamente aos moradores.

Outras situações, como a ocupação irregular estar consolidada em área de risco ou de Área de Preservação Permanente (APP), ou alguma proibição legal para a alienação de imóvel público em favor de particulares, prevista no ordenamento territorial municipal, também poderia afetar o processo de regularização. Porém, a existência de proibição legal para alienação de imóveis ou o fato do assentamento estar em APP, não seriam impeditivos da efetivação da regularização fundiária dos imóveis, desde que fossem realizados todos os estudos exigidos em lei e fossem tomadas as medidas de compensação necessárias (art. 51, IV da Lei Federal 11.977/2009 e art. 64, da Lei Federal 12.631/2012), bem como a necessária adequação nos estatutos legais municipais.

Logo, foi necessário, num primeiro momento, coletar informações e documentos para a elaboração de uma caracterização municipal prévia, para contribuir no desenvolvimento do PMC. Buscou-se saber se haveria alguma área que possuía alguma restrição, como ocupação de APP, ou se haveriam normas relacionadas ao ordenamento territorial municipal, ainda que presentes em outras leis municipais, como Código de Posturas ou de Obras, que poderiam conter disposições sobre tamanho de lote.

A primeira visita ao Município de Concórdia do Pará teve início com a visita ao Setor de Tributos e Terras, em que foram coletadas informações por meio de um formulário de informações preliminares, elaborado pela equipe jurídica e equipe social do projeto. Houve recolhimento de documentos, fluxo e procedimento administrativo processual e coleta da legislação vigente para analise (como PDM e Lei Orgânica Municipal).

Na visita ao Município a equipe jurídica identificou no Setor de Tributos e Terras que, atualmente, há a prática de regularização fundiária urbana desde o ano de 2006, em que foram emitidos títulos, até a presente data, de 167 imóveis, sendo que este trabalho se desenvolve apenas na sede municipal. Em que pese haver técnicos com conhecimento do trabalho relacionado à regularização fundiária, setores capacitados para as ações de regularização fundiária e procedimentos específicos para emissão de títulos de propriedade, alguns pontos chamaram a atenção, como o fato de que a política habitacional não leva em consideração o Município como um todo, ou que está restrita à emissão de títulos.

Vale ressaltar que as práticas adotadas são utilizadas, predominantemente, em processo de regularização individual do lote, via de regra, parcelado por livre iniciativa do dito proprietário ou posseiro de grandes glebas, em sua maioria fazendas, nas quais os lotes titulados são destacados da matrícula mãe da gleba.

O setor responsável pela gestão do procedimento de regularização fundiária é o Setor de Tributos e Terras, que coordena os demais setores envolvidos, que são: Protocolo da Prefeitura, Setor de Tributos e Terras, Secretária de Administração e Finanças, Câmara dos Vereadores e Gabinete do Prefeito. Nesse sentido, os envolvidos no procedimento administrativo de regularização fundiária são: a coordenação do Setor de Tributos e Terras, juntamente com um fiscal e um engenheiro, Diretor de Administração e Finanças, Presidente da Câmara dos Vereadores e Prefeito.

Entretanto, no que se refere à coleta de documentos necessários para a instrução processual, na visita foi identificado que alguns documentos não eram coletados para a validade dos processos de regularização fundiária, como por exemplo, o comprovante de renda ou declaração de não proprietário de outro imóvel. Portanto, para atender os requisitos da Lei Federal 11.952/2009, art. 30, inciso I, foi necessário mudar o trâmite processual, para incluir o exame dos documentos necessários, que resultasse num processo válido. Observa-se ainda, que o Município possui cadastro imobiliário desde 1989, no entanto, não foi possível obter informações de quantos imóveis estão cadastrados até o momento.

Outra questão importante se refere à ausência de análise jurídica dos processos de regularização fundiária pelo setor jurídico, para emissão de parecer jurídico favorável ou não, para cada caso.

Assim, existem vários aspectos do trâmite processual que precisaram ser modificados. Porém, diante da ausência de lei municipal que verse sobre regularização fundiária, bem como da inexistência de Lei de Uso e Ocupação do Solo, ou da demarcação de ZEIS, alguns parâmetros foram sugeridos, para a construção de um conjunto de leis urbanísticas coesas e coerentes entre si. Ocorre que, na hipótese de não se conseguir a elaboração e aprovação de leis urbanísticas, ainda seria necessário discutir a alienação de cada imóvel, que, em consonância com a Lei Federal 8.666/1993, em seu art. 17, inciso I c/c suas alíneas “f” e “h”, exige avaliação do imóvel, autorização legislativa e licitação, dispensada esta quando a alienação do imóvel for destinada para programas de regularização fundiária.

Constatou-se que Concórdia do Pará utiliza como instrumentos de alienação de imóveis para regularização fundiária a venda (direta e sem licitação) e doação onerosa, esta em casos de utilidade pública. Então, foi sugerido que a autorização legislativa fosse mantida para todos os imóveis, ainda que a Lei Federal 11.952/2009 já determinasse a obrigação municipal de regularizar os imóveis enquadrados em seu art. 30, inciso I. Por conseguinte, os parâmetros adotados para a alienação seriam aqueles que constam nesta norma federal.

Assim, notou-se que não havia imóveis localizados em terreno de marinha, nem norma municipal sobre ordenamento territorial, além do Plano Diretor, que, entretanto, não possuía disposições específicas sobre regularização fundiária ou sobre tamanho de lote.