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4.1 Afixos: prefixos e sufixos

4.1.2 Bases com função de afixo

A base é a palavra que constitui o núcleo para a formação de uma nova unidade léxica (ALVES, 1990, p. 88).

Segundo Basílio (2001, p. 26-27), a base é, em geral, uma forma livre, isto é, “uma palavra comum; (...) uma forma que possa por si só constituir um enunciado”. Porém, a autora também aponta que a base pode ser uma forma presa, coincidindo com o radical e dependendo de outras formas para sua ocorrência. Por exemplo, em lipócito, temos a junção de duas bases lip(o)- + -cito que carregam um significado específico (gordura e célula, respectivamente), mas não possuem existência autônoma, ou seja, não ocorrem livremente na língua.

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On balance, composition and derivation, though often neatly contrastable, emerge as two extremes of a single continuum. (Malkiel, 1970, p. 322, apud Alves, 2000, p. 83)

Alves (1990, p. 49) destaca que, geralmente, as bases não-autônomas correspondem aos radicais eruditos, gregos ou latinos, e compõem itens léxicos característicos de vocabulários especializados. Correia (2005) classifica as bases presas como:

(...) palavras de dimensão inferior à palavra gráfica (sucessão de caracteres delimitados por espaços em branco) - as chamadas palavras não-autônomas, que, apesar de terem todas as características de uma palavra (significante e significado lexical associados de forma estável, categoria morfossintática), não podem ocupar posições sintáticas, podendo ocorrer, apenas, como elementos de construção de outras palavras (ex.: psic-, log-, metr-). (CORREIA, 2005, p. 7)

Alguns desses radicais eruditos, tais como: auto-, bio-, extra-, filo-, foto-, hidro-, inter-, macro-, mega-, micro-, mono-, multi-, neo-, poli-, pseudo-, radio-, semi-, para citar alguns, por serem muito produtivos na formação de palavras em série e, como a maioria dos afixos, serem elementos presos, passaram a atuar “em outra função gramatical, identificando-se com os formantes prefixais” (ALVES, 2000, p. 87). Acrescente-se, ainda, o fato de esses elementos originarem formações que mantêm uma relação semântica com o radical derivante; processo diferente da composição, que geralmente forma palavras dissociadas, pelo significado, dos radicais componentes (CUNHA E CINTRA, 1985, p. 84). Em vista disso, acabaram ganhando de alguns autores o estatuto gramatical de prefixo.

Sandmann (1989, p.13-14), a título de exemplo, defende que “quando elementos de origem estrangeira (...) se integram no português e se prestam para formação em série (...), eles fazem parte dos prefixos e não são considerados mais radicais estrangeiros presos”. Como exemplo, cita o formante prefixal pseudo-, que forma palavras em série tanto no domínio geral da língua (pseudo-intelectualidade, pseudo-liderança, pseudo-social), quanto em seus domínios especializados, como o da Dermatologia (pseudo-annulati, pseudo-Bowen, pseudocicatriz, pseudocisto, pseudocolóide, pseudoerisipela, pseudofoliculite, pseudogota, pseudolepromatosa,

pseudolinfocitoma, pseudolinfoma, pseudomembrama, pseudomicose, pseudopelada, pseudossarcomatosa/pseudo-sarcomatosa, pseudoxantoma).

Os radicais que ocorrem, com alta freqüência, em formações em série também podem figurar na posição de sufixo: “Algumas dessas bases se tornaram tão comuns que estão em vias de se transformar em verdadeiros sufixos” (BASÍLIO, 2001, p. 35). Como é o caso da base log-, que figura em palavras como psicologia, patologia, urologia, ginecologia, dermatologia, ou, para citarmos um exemplo da Dermatologia, a base derm-, que figura em termos como eritrodermia, esclerodermia, leucodermia, poiquilodermia, eritroceratodermia, queratodermia (ceratodermia) e farmacodermia, e que desempenham papéis semelhantes ao de um sufixo.

Alves (2000, p. 4) também chama atenção para o fato de que essa não-unanimidade entre os estudiosos da língua portuguesa em relação a essa questão “reflete uma não-unanimidade também existente nas demais línguas românicas”. No trecho abaixo, de Lang (1990), vemos que a discussão sobre quais formantes deveriam ser considerados prefixais também está em pauta nos estudos morfológicos do espanhol:

Um subgrupo que se destaca dentro dos prefixos no espanhol moderno é o constituído pelos chamados “prefixóides”, morfemas derivativos cuja origem são nomes gregos ou latinos e que são adicionados a raízes para criar o léxico pertencente ao vocabulário técnico ou científico de caráter internacional. (...) O estatuto destas formas, como o de todas aquelas que são tipos de derivação cujo primeiro constituinte é um morfema independente, é problemático ser determinado, de maneira que são consideradas indistintamente como prefixação ou composição e aparecem recolhidas sob epígrafes do tipo “compostos neoclássicos” ou “formas combinadas”. (LANG, 1990, p. 221)13

13 Un destacado subgrupo dentro de los prefijos en el español moderno es el constituido por los llamados “prefijoides”, morfemas derivativos cuyo origen son nombres griegos o latinos y que se añaden a las raíces para generar léxico perteneciente al vocabulario técnico o científico de carácter internacional. (...) El estatuto de estas formas, como el de todas aquellas que son tipos de derivación cuyo primer constituyente es un morfema independiente, resulta problemática de determinar, de manera que son consideradas indistintamente como prefijación o composición, y aparecen recogidas bajo epígrafes del tipo “compuestos neoclásicos” o “formas combinadas”. (LANG, 1990, p. 221)

No entanto, não há um consenso entre os autores quanto à classificação desses formantes, para alguns são prefixos e, para outros, elementos de composição. Outros, ainda, tentam inseri- los em novas categorias, como a dos prefixóides ou pseudoprefixos (HERCULANO DE CARVALHO, 1974, p. 554). No entanto, como analisa Cano (1996, p. 23-26), a criação de categorias intermediárias não ajuda a resolver nenhum impasse: os critérios adotados para se diferenciar prefixo de prefixóide, assim como os critérios para se diferenciar prefixo de elemento de composição, não se sustentam diante de uma análise mais acurada. Em vista disso, cremos que a criação de novas categorias não ajuda a delimitar as fronteiras entre prefixação e composição.

Em relação a esse impasse, concordamos com Barbosa (1989) quando essa, desviando-se do viés comum, não tenta criar qualquer tipo de fronteira artificial, mas propõe a existência de uma zona fluida entre as categorias, na qual os elementos linguísticos transitam, conforme os movimentos de renovação da língua. Cremos que a proposta de Barbosa é mais coerente com a concepção atual do funcionamento da língua, algo em constante movimento.

No âmbito deste trabalho, para fins práticos, consideraremos prefixos “as partículas independentes ou não-independentes que, antepostas a uma palavra-base, atribuem-lhe uma idéia acessória e manifestam-se de maneira recorrente, em formações em série” (ALVES, 1990, p. 15).

Antes de passarmos para o tópico 4.2.2, onde descrevermos as funções dos afixos na formação da terminologia médica, vejamos o perfil morfológico dos termos dessa área.

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