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4.1 ABORDAGEM METODOLÓGICA

Trata-se de uma pesquisa sócio-histórica com abordagem qualitativa, que utilizou como referencial metodológico memórias, a partir das bases da nova história, e como método-fonte a História Oral (HO). A pesquisa histórica consiste na coleta sistemática de dados que se encontram relacionados com ocorrências passadas, permitindo obter informação, interpretar e compreender acontecimentos passados que podem dar respostas para certas questões suscitadas no presente (PADILHA; BORENSTEIN, 2005).

A opção pela pesquisa histórica não significa que se deva pensar na pesquisa, com esquemas tradicionais e ortodoxos. Segundo Vieira, Peixoto e Khoury (1989, p.17) “A concepção de história deve, antes de qualquer coisa, levar em conta toda a experiência humana e o historiador, não deverá estar alheio a este fato”. Considerando tais aspectos e o objetivo deste estudo, ancoramo-nos nas bases da nova

história, uma vez que esta valoriza a atividade humana, com uma

história e um passado que pode ser construído e relacionado ao restante deste passado (LE GOFF, 1993).

O movimento da nova história está associado à escola dos Annales, mais especificamente a Lucien Febvre e a Marc Bloch, fundadores da Revista Annales: economies, sociétes, civilisations, publicada na França, em 1929. E desde seu início, deslocou seu interesse das estruturas para as redes, dos sistemas de posições para as situações vividas, das normas coletivas para as situações singulares, enfim, dedicou-se a novos temas, objetos, como a história do cotidiano, das mentalidades, a história “vista de baixo”, partindo de opiniões de pessoas comuns, valorizando suas lembranças, memórias, na mudança social, temas estes, até então não contemplados pela abordagem tradicional (BURKE, 1997).

Nesta perspectiva, a nova história vem representar uma história problemática, explicativa, que busca não apenas narrar os acontecimentos, mas analisar as estruturas. É uma história em movimento, que trata das evoluções e das transformações, buscando compreender, a partir das memórias, o presente pelo passado e o passado pelo presente (LE GOFF, 1993).

afinidades entre passado, presente e memória, abriu novos caminhos para o estudo da história do século XX. E o interesse dos historiadores pela memória foi em grande medida inspirado pela historiografia francesa, sobretudo a história das mentalidades coletivas, que defende a idéia de que a memória não pode ser vista simplesmente como um processo parcial e limitado de lembrar fatos passados, trata-se da construção de referenciais sobre o passado e o presente de diferentes grupos sociais, embasados nas tradições e intimamente ligados a mudanças culturais (NORA, 1993; LE GOFF, 2003; BUENO, 2011).

Neste contexto, Oliveira (2004, p. 269) coloca que “[…] a memória é um processo ativo de criação de fatos e significados elaborada na experiência social e que pode ser compartilhada […]”. Assim, consideramos, tal como Meihy (2002) que a memória coletiva não se cinge apenas às particularidades da memória de cada pessoa, mas apresenta-nos o conjunto dessas particularidades num todo contextualizado a nível cultural e social, que transcende à memória individual. Pois, esta última, tem sentido em função de sua inscrição no conjunto social das demais memórias, visto que para a história oral, a memória individual só interessa na medida em que permite o conhecimento do fenômeno social.

Bueno (2011), nas suas reflexões sobre memória, seja ela individual ou coletiva, afirma que o princípio central da memória é a conservação do passado, que sobrevive através das lembranças evocadas no presente. A expansão dos debates sobre a memória e suas aproximações com a história veio oferecer chaves para uma nova percepção do passado (BUENO, 2011). Neste sentido a escolha deste referencial, a partir das bases da nova história, dá-se pelo entendimento de que quando olhamos para o passado, o fazemos com os olhos do presente, considerando que este é o tempo vivido pelo pesquisador (PADILHA; BORENSTEIN, 2005). O olhar está impregnado de referências recentes, que abrangem o hoje e o agora, com perspectivas sociais, teóricas ou uma concepção de vida e de mundo. Parte-se da concepção de que o conhecimento é produzido socialmente e que o pesquisador, ao produzir conhecimento sobre qualquer tempo, estará trabalhando a perspectiva do passado com o seu presente (PADILHA, 1999).

Diante do exposto, acreditamos que a perspectiva da nova história vai ao encontro do estudo que tem por objetivo compreender as estratégias de biossegurança e a evolução das práticas de cuidado dos trabalhadores da saúde às pessoas com HIV/aids internadas no HNR, no período de 1986 à 2006.

Ademais, o tema estudado e os objetivos formulados, levaram- nos a assumir ao presente estudo uma abordagem qualitativa. Esta permite ao investigador, observar, descrever, interpretar e apreciar o meio e o fenômeno tal qual se apresenta, sem procurar controlá-lo e/ou generalizá-lo. Tem como objetivo preservar o conteúdo dos eventos e focalizar os aspectos fundamentais e significativos, à medida que vai processando os dados, relacionando, interpretando e refletindo sobre os mesmos (FLICK, 2009).

A abordagem qualitativa possibilita ainda a compreensão das experiências humanas como um todo, considerando-as de maneira holística, permitindo aos profissionais da saúde novas perspectivas na descoberta de realidades relacionadas à saúde do indivíduo, tanto em ambiente institucionais como comunitários, de forma flexível. E, sobretudo, enfatiza a interação do pesquisador com as pessoas que integram o estudo, tendo como ponto de partida o diálogo estabelecido, a partir das entrevistas (LEOPARDI, 2002; MINAYO, 2004).

4.2 CONTEXTO DO ESTUDO

O contexto do estudo foi o Hospital Nereu Ramos (HNR), localizado no município de Florianópolis/SC, o qual começou a ser construído em 1940, como parte constituinte da política do Governo Federal de Getúlio Vargas. Sua inauguração ocorreu em 6 de Janeiro de 1943, com o objetivo de atender a população acometida pelas doenças infecto contagiosas da época. Este foi o segundo hospital construído em Florianópolis com capacidade para 100 leitos, sendo 60 destinados a pacientes com tuberculose e 40 a outras doenças infecciosas e parasitárias, distribuídos por seis enfermarias, quatro para adultos e duas para crianças, tendo em vista a inexistência, na época, de um hospital para o atendimento infantil (BORENSTEIN, RIBEIRO, PADILHA, 2004; SANTA CATARINA, 2010c).

Inicialmente, o HNR pertencia ao governo do Estado, mas administrado pelas Irmãs de Caridade até ser incorporado à Fundação Hospitalar de Santa Catarina (FHSC) em 1971, passando a ser considerado nesse mesmo ano, Centro de Referência Estadual em Doenças Infecciosas e Parasitárias. Todavia com a implantação do Regime Jurídico Único do SUS, o HNR, assim como os demais hospitais públicos estaduais de Santa Catarina, deixa de ser administrado pela FHSC em 1991, e passa a ser dirigido pela Secretaria

de Estado da Saúde (SES/SC) (MEIRELLES, 1998; SANTA CATARINA, 2010c).

Em meio a esse processo, surge em 1984 o primeiro caso de aids no Estado, na cidade de Chapecó e no ano seguinte, o primeiro caso no município de Florianópolis, apesar de que a notificação registra o primeiro caso, em Florianópolis, somente em 1986. Embora, o HNR fosse Referência no Estado de SC às doenças infecto contagiosas, a instituição antes mesmo do surgimento da aids, em virtude da tuberculose, já era rejeitada pela sociedade e esquecida pelo governo. E com o advento da epidemia, o hospital vivenciou de perto toda evolução, positiva e negativa, com relação as mudanças estruturais e organizacionais (FINCKLER, 1998).

Neste contexto, o Ministério da Saúde credenciou o Hospital de Dia com 6 leitos, reativou a Unidade de Terapia Intensiva, inaugurada em 1974 e desativada em 1983, e criou em 1998 o Serviço de Atendimento Domiciliar Terapêutico, o qual foi desativado no ano de 2001, decorrente a implementação da política, acerca da Estratégia de Saúde da Família (MIRANDA, 2003).

Atualmente o HNR possui 38 leitos na clínica de Pneumologia e 15 leitos na Tisiologia; 36 leitos para internação das pessoas com aids; 10 leitos para as doenças infecto parasitárias; 4 apartamentos convênios particulares; 10 leitos para as demais doenças infecciosas, o ambulatório e o Hospital-Dia com 10 leitos (SANTA CATARINA, 2011b).

Contudo, pelo importante trabalho desenvolvido junto às pessoas que (con)vivem com HIV/aids e à comunidade, o HNR foi reconhecido também, em primeiro de dezembro de 1997, como Centro de Referência Estadual no Tratamento e Treinamento em HIV/aids (MEIRELLES, 1998).

4.3 SUJEITOS DA PESQUISA

A escolha dos entrevistados deve ser guiada pelos objetivos da pesquisa e as pessoas escolhidas devem estar entre aqueles que participaram, vivenciaram, presenciaram ou se inteiraram de ocorrências e/ou situações ligadas ao tema proposto, e que possam fornecer depoimentos significativos (ALBERTI, 2004).

Neste contexto, os sujeitos selecionados para este estudo foram trabalhadores da saúde que participaram e vivenciaram, o cuidado às pessoas com HIV/aids, no período de 1986 à 2006. Assim, a escolha dos

primeiros sujeitos para participarem da pesquisa, deu-se a partir de uma solicitação feita ao Setor de Recursos Humanos do HNR, e os outros foram recomendados pelos próprios trabalhadores já entrevistados. A priori, não foi estabelecido o número de participantes, sendo os critérios de seleção dos sujeitos: ter atuado, direta ou indiretamente, no cuidado aos pacientes com HIV/aids, no período de estudo; possuírem boa memória sobre o desenvolvimento das suas práticas laborais, e possuírem disponibilidade e interesse em participar, após esclarecimento da pesquisa e dos preceitos éticos.

Desta forma os sujeitos da pesquisa foram 23 (vinte e três) trabalhadores da saúde, dentre estes quatro médicos, oito enfermeiras, quatro técnicos de enfermagem, três auxiliares de enfermagem, um dentista, um nutricionista, uma assistente social e uma psicóloga, que atuaram no cuidado junto aos pacientes com HIV/aids, internados na instituição, no período do estudo. Assim segue, quadro com a relação dos trabalhadores da saúde entrevistados:

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