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Bauman e a sociedade de consumidores

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CAPÍTULO II INFÂNCIA E CONSUMO

2.2 Consumo e Sociedade: três perspectivas

2.2.2 Bauman e a sociedade de consumidores

Para Bauman (2008, p.41), o “consumismo” é um atributo inerente à sociedade de consumidores, enquanto o consumo é uma característica comum dos seres humanos como indivíduos. Bauman faz essa diferença argumentando que o “consumismo” só é possível porque o consumo assume nas sociedades atuais o papel que na sociedade dos produtores era reservado ao trabalho, ou seja, na sociedade de produtores o trabalho alienado do indivíduo era a força que colocava a sociedade em movimento; já na sociedade de consumidores, a capacidade individual de ansiar, desejar e querer se transforma em uma “força externa que coloca a ‘sociedade de consumidores’ em movimento e a mantém em curso como uma forma específica de convívio humano, enquanto ao mesmo tempo estabelece parâmetros específicos para as estratégias individuais de vida” (BAUMAN, 2008, p.41). Nesse sentido, compreende-se que o “consumismo” se torna a principal energia motriz da sociedade de consumidores, operando

tanto na relação do indivíduo consigo quanto em sua relação com os diversos grupos em que se insere.

Bauman (2008, p.42-45) traça um paralelo entre a sociedade de produtores e a sociedade de consumidores, a fim de tipificá-las e demonstrar suas diferenças e a transição de uma para a outra. O autor esclarece que a sociedade de produtores era orientada para a segurança - e esta de longo prazo - e não para os prazeres imediatos. Valores como prudência, estabilidade, trabalho, solidez e durabilidade eram essenciais nessa sociedade.

Já na sociedade de consumidores, o desejo de estabilidade se transforma em ameaça fatal, visto que o estilo de vida consumista associa o sucesso e a felicidade não à satisfação em si, mas a “um volume e uma intensidade de desejos sempre crescentes”, o que eleva a descartabilidade e a efemeridade ao status de valor, ou seja, o uso de objetos e sua rápida substituição, a fim de satisfazer de forma efêmera uma necessidade imediata. “Novas necessidades exigem novas mercadorias que, por sua vez, exigem novas necessidades e desejos; o advento do consumismo inaugura uma era de ‘obsolescência embutida’ dos bens oferecidos no mercado” (BAUMAN, 2008, p.45). A satisfação do consumidor, nesse cenário, deve ser algo momentâneo, uma experiência passageira, e a perspectiva de uma satisfação duradoura, algo a ser definitivamente evitado e até mesmo temido (BAUMAN, 2008, p.127). Numa sociedade cuja cultura de consumo predomina, um consumidor satisfeito serial algo terrível. Bauman complementa:

A sociedade de consumo prospera enquanto consegue tornar perpétua a não satisfação de seus membros (e assim, em seus próprios termos, a infelicidade deles). O método explícito de atingir tal efeito é depreciar e desvalorizar os produtos de consumo logo depois de terem sido promovidos no universo dos desejos dos consumidores (BAUMAN, 2008, p.64).

Dessa forma, a sociedade de consumidores “representa o tipo de sociedade que promove, encoraja ou reforça a escolha de um estilo de vida e uma estratégia existencial consumistas, e rejeita todas as opções culturais alternativas” (BAUMAN, 2008, p.71). Trata- se, portanto, de uma sociedade que oferece uma espécie de “treinamento” desde a infância, que visa alcançar o espírito dos indivíduos, em que o consumo passa a ser considerado uma vocação, e mais do que isso, uma exigência para a inserção social, um direito e um dever humano sem distinção de gênero, idade, credo ou classe (BAUMAN, 2008, p.73). O ato de consumir se transforma, na verdade, em um ato de tornar-se consumível para atender a uma demanda preexistente, visto que os atributos do produto são agregados àquele que o consome,

aumentando seu valor no mercado das relações. Em outras palavras, a mercadoria consumida tem a capacidade de aumentar a atratividade e o valor de mercado de seus compradores, transformando-os também em produtos a serem consumidos (BAUMAN, 2008, p.75). O consumo passa a ser “um investimento em tudo o que serve para o ‘valor social’ e a autoestima do indivíduo” (BAUMAN, 2008, p.76), e seu objetivo não é outro senão a comodificação dos próprios consumidores:

Os membros da sociedade de consumidores são eles próprios mercadorias de consumo, e é a qualidade de ser uma mercadoria de consumo que os torna membros autênticos dessa sociedade. Tornar-se e continuar sendo uma mercadoria vendável é o mais poderoso motivo de preocupação do consumidor, mesmo que em geral latente e quase nunca consciente (BAUMAN, 2008, p.76).

Bauman (2008, p.82-85) chega à conclusão, portanto, que a passagem da sociedade de produtores para a sociedade de consumidores, ao contrário de significar uma libertação do indivíduo em relação às forças opressoras, pode ter significado a dominação definitiva de todas as dimensões da vida pelo mercado de bens de consumo, sendo o sinal dessa colonização “a elevação das leis escritas e não escritas do mercado à categoria de preceitos de vida”, fazendo com que os indivíduos inseridos nessa sociedade adotem os mesmos padrões de comportamento obedecidos pelos objetos de consumo. Como a principal forma de “comodificação” dos indivíduos é o consumo, aqueles que consomem mais, ou que possuem recursos para consumir, a fim de melhorar seu preço de mercado, têm seus “direitos” garantidos no mercado, enquanto aqueles que não passam no teste do consumo são considerados “consumidores falhos” e, portanto, excluídos e marginalizados do sistema:

A prerrogativa final, definidora, de soberania é o direito de excluir, então, se deve aceitar que o verdadeiro detentor do poder soberano na sociedade de consumidores é o mercado de bens de consumo. É lá, no local de encontro de vendedores e compradores, que se realiza todos os dias a seleção e separação entre condenados e salvos, incluídos e excluídos (BAUMAN, 2008, p.85-86).

Para Bauman (2008, p.86), o mercado se torna o verdadeiro soberano da sociedade de consumidores, mais soberano do que os poderes políticos, enfraquecendo e influenciando o Estado. Na verdade, “O Estado como um todo, incluindo seus braços jurídico e legislativo, torna-se um executor da soberania do mercado” (BAUMAN, 2008, p.87), e o indivíduo que antes participava da sociedade como cidadão, deve agora participar como consumidor, transformando a si mesmo em mercadoria.

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