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2 REFERENCIAL TEÓRICO

4 ANÁLISE DA CACHAÇA ARTESANAL COMO PATRIMÔNIO HISTÓRICO CULTURAL E SEU SIGNIFICADO COMO POTENCIAL E ATRATIVO

4.1 CARACTERIZAÇÃO DOS ALAMBIQUES E ANÁLISE DAS LOCALIZAÇÕES

4.2.5 Beira Rio

A idéia de fazer cachaça surgiu de uma tradição familiar, na realidade o bisavô do entrevistado era proprietário da terra, que foi herdada pelo avô, posteriormente pelo pai, depois para ele e os irmãos; afirma que desde criança conhece a região de Japecanga e enfatiza a questão do valor herdado, valor esse que ele traduz no que se refere à produção de rapadura por sua família e a identificação dessa atividade com a região, cujo produto recebeu o próprio nome.

No histórico familiar tem-se a ideia de que a primeira produção da fazenda teria sido de cachaça, produção essa bem artesanal, o que não poderia ser diferente, tendo em vista que começou com seu bisavô; lembra ainda do local onde era instalado o primeiro alambique, narrando que ainda existem restos de uma antiga “tapera”, produção essa encerrada justamente com o início das legalizações para a produção da bebida.

Como tem sua formação em zootecnia, depois de herdar sua parte da terra, Joab resolveu implantar uma criação de coelhos na fazenda, organizou-se e chegou a ter 700 animais de uma vez, comercializava com redes de supermercados como, Nordestão e Carrefour, apesar de ter todo o equipamento necessário e a empresa legalizada, alega que a burocracia atrapalhava e resolveu parar com a atividade. Como na fazenda sempre foi cultivada a cana-de-açúcar para a produção de rapadura, resolveu produzir a cachaça, retomando a antiga produção, por perceber que agregava muito valor à matéria-prima. Assim, toda a estrutura física construída para a cunicultura25 passou aos poucos a ser adaptada para a

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produção de cachaça artesanal; os galpões onde eram criados os coelhos foram transformados em sala de moagem, sala de fermentação, o alambique propriamente dito e local onde é processado o mel de engenho, já a sala onde era feito o abate dos animais passou a funcionar a sala de envelhecimento e engarrafamento da cachaça.

Por nunca ter trabalhado com a produção de cachaça, foi necessário ser feita uma pesquisa prévia para a aquisição de um alambique, através da internet adquiriu um pequeno alambique no Rio Grande do Sul, para vivenciar como se produzia uma cachaça de qualidade, fez um estágio em Minas Gerais, começou com uma pequena produção, mais por curiosidade, e aos poucos foi adaptando a estrutura (para fins de legalização). Há quinze anos vem produzindo a Cachaça Beira Rio.

Através da observação de campo descrevemos como se dispõe a estrutura do alambique para o processo de fabricação da cachaça. Devido ao porte do alambique que é de 350 litros, e levando em consideração que a produção começa às 08h e termina às 16h, o processo se divide em três alambicadas, tendo em vista que para cada 350 litros de caldo de cana é possível extrair em torno de 25 litros de cachaça. O alambique possui duas dornas de fermentação de 1000 litros cada, e o fermento utilizado é fabricado no próprio alambique, composto pela própria cana-de-açúcar misturada ao pó do milho e do arroz, trabalhando com a quantidade de quinze “brix” de açúcar. Todo esse processo é feito pelo proprietário, inclusive o controle de estoque que rigorosamente é inspecionado pelos ficais do Ministério da Agricultura, o qual tem por obrigatoriedade constar quantos litros de cachaça são produzidos e posteriormente armazenados, tendo assim um controle também sobre a questão dos resíduos.

O proprietário afirma que possui também uma coluna de destilação que servia para destilar o álcool do rejeito para combustível, sendo que não faz mais esse processo e o mesmo é descartado, não entrando em detalhes como seria feito esse descarte.

Como combustível da caldeira é usado o bagaço da própria cana-de-açúcar, poda de algodão, poda de cajueiro e casca de coco. Depois da destilação a cachaça é filtrada para tirar as impurezas maiores, posteriormente passa por um filtro de resina (filtro de troca iônica) para retirada do excesso de cobre, ainda passa por um terceiro filtro, e após esse processo é armazenada. Quando vai ser engarrafada toda a cachaça é filtrada novamente, as garrafas utilizadas são recicláveis, de um modelo padrão que propicia a utilização por diversos alambiques. Ainda com relação ao processo de engarrafamento o alambique possui uma enchedoura de seis bicos, mas que, devido à pequena produção, apenas dois são utilizados.

FIGURA 26 – Sala de engarrafamento da cachaça Beira Rio

Fonte: Dados da pesquisa, 2015

Uma das reclamações que o entrevistado mais enfatizou em seu discurso foi sobre a rigidez e inflexibilidade por parte da fiscalização e legislação vigente, pois segundo ele é impossível para um alambique de pequeno porte cumprir com as mesmas exigências de um alambique de grande porte.

O público-alvo do alambique se resume em mercadinhos de bairro e conveniências na grande Natal.

A cachaça Beira Rio é comercializada a um baixo preço, pois, segundo o entrevistado, é uma das duas maneiras possíveis de promover o nome no mercado, a outra seria um alto investimento em marketing e propaganda. Afirma que deseja criar uma tradição associando a cachaça Beira Rio à região de Japecanga, famosa produtora de rapadura. Cita outros exemplos como a Triunfo-PB como estratégias contrárias, onde a cachaça apesar de artesanal é produzida em grande escala e abrange um mercado maior.

Sua estratégia vai de encontro aos outros produtores de cachaça do Estado, com relação a financiamentos bancários para implantar um negócio de maior porte, e se espelha no produtor da Cachaça Serra Limpa da Paraíba, no que diz respeito a estratégias de fomento à “tradicionalização” de sua cachaça.

Com relação à associação da cachaça produzida no alambique a questão do Patrimônio Cultural, a única preocupação foi divulgar o nome Japecanga, atentando para o padrão dos rótulos e a qualidade da cachaça produzida. Não demonstra interesse quanto à certificação de orgânica, nem na participação em feiras e festivais.

Uma constatação feita por todos os alambiqueiros entrevistados é que, de modo geral, no Rio Grande do Norte não se tem o hábito de se consumir a cachaça artesanal, o maior

consumo seria o da cachaça industrial. É difícil viver do agronegócio no Estado, principalmente de um produto que, apesar de ser de excelência, não possui uma identidade com o seu povo, não existe uma tradição de produzir cachaça de alambique, muito menos de consumi-la, além da marginalização, discriminação e falta de conhecimento o que acarreta em uma banalização de uma bebida tão rica em qualidade e história.

Um dos motivos também que contribuem para a não popularidade da cachaça Norte- Rio-Grandense é o tempo de produção, pois na época que foram implantados os primeiros alambiques do Estado já existia uma fiscalização mais atuante, uma carga tributária maior; assim, para começar a produção e as ações de marketing foi necessário um certo investimento para atingir os padrões de qualidade já exigidos, enquanto que em outros estados como no vizinho Paraíba, a produção correu de forma mais solta durante muito tempo, quando realmente as exigências aumentaram os produtores já estavam estabilizados, com um produto conhecido e com condições suficientes para se adequarem e implementarem cada vez mais seus negócios.

4.3 RELAÇÃO DA RIQUEZA HISTÓRICO-CULTURAL E PATRIMONIAL DA