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CAPíTULO II: A imensidão de um flâneur: representações espaciais na

2.2. Segunda Parte: Um flâneur estático

2.2.1. Belém do início do Século XX: decadência social e

No início do século XX, Belém do Pará era uma cidade que já adentrara a modernização quanto à organização do espaço urbano. Automóveis, prédios e uma sociedade burguesa recém-formada que perseguia o comportamento moderno configuram a imagem da Belém dessa época. O início desta nova fase moderna, urbanizada da capital paraense foi possível graças à produção e exportação do látex, na segunda metade do século XIX. A professora Maria de Nazaré Sarges explica que a borracha manufaturada no Pará era transformada em revestimento de mochilas militares e calçados e, assim, era exportada para Nova York, Hamburgo, Washington e Maranhão. No entanto,

... é com a invenção do pneumático e com o extraordinário desenvolvimento dos transportes, como navio a vapor, que a exportação da borracha vai ser intensificada.21

Assim, os seringueiros, agora mais ricos, iniciaram uma reformulação de costumes que influenciou uma época e aproximou Belém do Pará às capitais europeias. Com mais dinheiro, os reis do látex adquiriam propriedades luxuosas na capital, geralmente arquitetadas em estilo Art Noveau e ornadas com material importado de países europeus e enviavam seus filhos para estudar na Europa, o que possibilitou a formação de uma ―elite‖ de intelectuais. Assim, a cidade que antes apresentava ares pacatos, agora conhecia a mesma riqueza e exuberância das mais importantes capitais europeias.

O intendente Antônio Lemos, principal responsável pela reorganização da cidade esforçou-se para imprimir nos prédios públicos e nas praças a estampa de uma metrópole desenvolvida e civilizada. Palacetes erguidos para abrigar famílias de posses, igrejas e prédios públicos arquitetados pelo italiano Antônio Landi, saneamento e iluminação pública formavam um cenário perfeito para o surgimento de uma sociedade cheia de luxo e caprichos, que buscava a semelhança com a comunidade francesa em costumes, hábitos e cultura. A cidade de Belém crescia seguindo moldes europeus, porém carimbada por características próprias de uma

21SARGES, Maria de Nazaré. Belém: riquezas produzindo a belle-époque (1870-1912). Paka-Tatu: Belém, 2000. P.48.

51 cidade tropical. Essa mistura causava admiração àqueles que a visitavam, ou revisitavam. Um comentário de A.C. Tavares Bastos22 datado de 1866 diz:

(...) A sua situação é muito vantajosa. Os seus arredores, cujas ruas são sombreadas pelas árvores alterosas representantes das florestas amazônicas, impressionam ao viajante de um modo extremamente agradável; eles revelam gosto e perseverança nos administradores municipais. Não há outra cidade no Brasil que mereça igual elogio. Cumpre acrescentar que esse aformoseamento data do tempo colonial. O sentimento ufanista era cada vez mais inflado por comentários como o transcrito acima e por anúncios e textos publicados em periódicos que circulavam pela elite leitora da época. Um grande marco que concedeu visto ao passaporte da cidade de Belém à modernidade foi a chegada do bonde. Tal impacto nos é contado por Ernesto Cruz:

A 23 de outubro de 1868, foi concedido a James. B. Bond o privilégio exclusivo por 30 anos, para explorar o serviço de transporte coletivo em Belém.(...) Foi a 8 de agosto de 1870 que chegaram de Nova Iorque (...) a máquina e dois carros, idênticos aos usados no Rio de Janeiro, ―muito elegantes e bem pintados‖, e que se destinavam ―para o transporte de FAMÍLIAS

exclusivamente‖. 23

Assim como em Paris, por exemplo, a reorganização do espaço urbano foi marcada pelo alargamento de calçadas (fato ao qual Walter Benjamin atribui uma facilitação ao exercício do flâneur), construção de opulentas praças e largas avenidas. Além disso, a arborização da urbes buscava uma melhor qualidade de vida e um refrescar do clima tropical.

O saneamento público e o policiamento foram medidas tomadas pelo, então, Intendente Lemos para ―higienizar‖ e assegurar a vivência dos habitantes da metrópole da Amazônia.

22BASTOS, A.C. Tavares. Primeira entre as iguais. In: MARANHÃO, Haroldo. PARÁ, CAPITAL: BELÉM: memória &

pessoas & coisas & loisas da cidade. Belém: Supercores, 2000) p. 79

23

CRUZ, Ernesto. James Bond em Belém! In: MARANHÃO, Haroldo. PARÁ, CAPITAL: BELÉM: memória & pessoas

Entretanto, toda a quimera da ―belle époque‖ era vivida apenas por uma elite burguesa que se formava que tinha acesso a grande parte dessas melhorias. O fato de Belém ter se tornado uma cidade moderna não implica em dizer que a cidade inteira passou a viver no luxo e na exuberância. Seu espaço físico ainda abrigava uma cidade muito parecida com esta descrita pelo naturalista inglês Henry Walter Bates em 1848, alguns anos antes da grande mudança vivida pela capital paraense:

(...) os poços públicos. Nesse local é lavada toda a roupa da cidade, trabalho esse que é feito por um bando de tagarelas escravas negras; aí também são enchidas as carroças de água, constituídas de pipas sobre rodas, puxadas por bois. De manhãzinha, quando a luz do sol tem de romper às vezes através de uma ligeira névoa e tudo goteja devido à umidade, essa parte da cidade se enche de animação. Grupos de vociferantes negros e quizilentos galegos proprietários dos carros-pipas- discutem entre si continuamente, enquanto vão tomando os seus tragos matinais nos sujos botequins das esquinas24.

As mazelas sociais não deixaram de existir em um passe de mágica. Mendigos, prostitutas, ladrões, assassinos e todo grupo que não faz parte do ―belo‖ continuou existindo às margens da Belém que conhecia e hospedava muito bem a ―belle époque‖.

Em todo caso, nos interessa neste momento, compreender que Belém do Pará, do início do século XX, configura uma cidade urbana, na qual havia uma sociedade que era iniciante nos costumes modernistas.

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