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Sedução das índias e ideias sobre sexualidades das mulheres do Bumba boi de Orquestra: poder ou controle?

3.1. Beleza, sensualidade e sexualidade nos Bois de Orquestra

O padrão corporal presente nos bois de orquestra demonstra um modelo de beleza que é específico desse sotaque. Como visto, no capítulo anterior, as mulheres candidatas à índia são selecionadas a partir de critérios, onde o corpo é o elemento

definidor. São jovens mulheres com o corpo sarado, malhado e sem gorduras abdominais. Destaque principalmente para as coxas e nádegas que devem ser grossas e salientes. Sendo assim, o ideal de beleza nos bois de orquestra está ligado a uma questão de estética corporal. É o corpo que sinaliza quais mulheres são as mais belas do grupo. Não é por acaso que as jovens mulheres que fazem o personagem índia frequentam academias, fazem dietas e regimes e desdobram uma atenção maior para o controle do peso na temporada do boi. A beleza facial é uma questão secundária, tendo em vista que o rosto é reforçado por uma maquiagem bem feita e adereços na cabeça que deixam essas meninas ainda mais bonitas23. Inclusive, um dos informantes comentou sobre este fato ao dizer que as meninas que fazem o personagem índia nem era tão bonitas de rostos, mas se destacavam pela exuberância de seus corpos. Ainda me falou que eu deveria prestar atenção neste detalhe, pois o que deixavam elas bonitas eram a maquiagem e a roupa que ressaltava seus corpos.

De fato, esses dois adereços reforçavam a beleza das meninas. As roupas, propositalmente feitas para deixar o corpo à mostra, eram colocadas por elas como uma peça fundamental que ressaltava a sensualidade e a feminilidade da mulher. Na verdade, a escolha do personagem índia se dava justamente porque as candidatas acreditavam nessa ideia de que a índia era feminina. A roupa ajudava ainda mais a realçar os atributos do ser mulher, pois dançar como índia era ao mesmo tempo ser sensual, delicada e sexy, atributos estes considerados naturais a mulher, segundo a percepção e valores locais. Desta maneira, as indumentárias são codificadas pelos significados de gênero, uma vez que as roupas realçam as características do que vem a ser uma mulher.

Essa beleza corporal destacada pelas indumentárias acabava criando julgamento de valores quanto à sexualidade dessas mulheres. O perfil corporal exigido pelos dirigentes de boi e pelos órgãos contratantes acabava por reforçar, fora do grupo, que essas mulheres eram fáceis e desfrutáveis sexualmente. Isto porque tais julgamentos se apoiavam, sobretudo, pela maneira delas se apresentarem publicamente, ou seja, essas meninas ao adentrar ao palco vestidas com roupas minúsculas e dançando quase seminuas, em um jogo de simpatia e sedução davam a impressão de estarem disponível às cantadas e ao assédio do público.

23 Essa questão das indumentárias do personagem índia foi descrito no capítulo 1. No entanto, retornamos

aqui mais uma vez ao tema para evidenciar as implicações que elas possuem quando analisadas à luz das teorias de gênero e sexualidade.

Mesmo existindo essa percepção fora do grupo que as desvalorizavam, as mulheres que faziam o personagem índia atribuíam a essa questão da roupa como um fato natural do próprio personagem. Para algumas delas essa sensualidade da índia era algo inofensivo, ou seja, não implicava uma relação direta com liberdade sexual, dai ser comum usar a expressão “sem maldade” – já que a sexualidade das mulheres oferece perigo para a reputação delas no plano mais amplo do julgamento social de suas condutas morais. Daí porque, a índia não estaria ali com a finalidade de se expor por se expor, mas antes para fortalecer o grupo sem um ganho pessoal específico em termos sexuais. Em uma entrevista uma das integrantes me falou que o objetivo era chamar a atenção para a dança. E que a sensualidade, embora presente na maneira de dançar, nos gestos, nas indumentárias, era inocente. Ou seja, não tinha um caráter apelativo, como um convite para o intercurso sexual, mas fazia parte de uma representação teatral na qual a figura da índia tinha que se vestir daquela forma. Até porque, segundo outra entrevistada, ninguém nunca viu índia vestida.

A roupa me pareceu ser muito importante para definir o comportamento das mulheres, indo além do espaço do Bumba- meu- boi. Esta questão aparecia em contraponto ao tipo de vestimenta que o boi exigia delas, pois algumas entrevistadas afirmaram que quando iam às festas sempre se vestiam adequadamente ao ambiente. E, além do mais, estranhavam e julgavam negativamente aquelas mulheres que se vestiam vulgarmente, ou seja, chamando a atenção das pessoas com roupas curtas, decotadas e extravagantes. As entrevistadas, em muitos momentos, ressaltavam o comportamento adequado de uma mulher, muitas delas faziam separação entre a “mulher ideal”, que seria comportada, discreta e descente; daquela “vulgar”, que seria uma mulher que gosta de chamar a atenção dos demais, principalmente em termos de roupa, de não saber se vestir em determinados lugares. Percebi que no Maranhão, bem como no Brasil, de um modo geral, a roupa parece fundamental para indicar o tipo de atitude esperada de uma mulher. Esta associação entre roupa e conduta esteve muitas vezes presente nas falas das entrevistadas. Vejamos algumas delas:

Entrevista 1:

[...]- Não é que se pede, eu acho que é mais assim pelo fato de você já ta com uma roupa que mostre muito seu corpo, às vezes um movimento que você faça, um gesto que você tenha, uma atitude que você tenha estando vestida com uma roupa daquela, você acaba sendo mal vista perante o público (Entrevista com uma índia de Orquestra/São Luis 2012).

Entrevista 2:

[...] Pelo fato de nossa roupa já ser bem, bem... eu não digo nua, mas aparece bem o nosso corpo e muita gente fala, muita gente fala e tem até os comentários falando que índia fica com todo mundo, que não se dá valor, umas pessoas aí... Por que a gente dança e aparece o nosso biquíni, nosso corpo. Também isso vem de antes que quem dançava no boi era só aquelas pessoas consideradas bêbadas, aquelas mulheres da vida, acho que você sabe dessa história, seria um preconceito bem de antigamente. (Entrevista com uma índia do Sotaque de Orquestra, São Luis, 2012).

Um exemplo claro é na maneira com elas vão ao ensaio e a forma como elas se apresentam no Bumba-meu-boi. Para que se possa melhor visualizar o contraste, vejamos as imagens a seguir:

Figura 21 - Ensaio das Índias por Patrícia Lima. Figura 22 - Ensaio das Índias por Patrícia Lima.

No caso específico do personagem índia de orquestra existe uma ambiguidade sobre o julgamento de valor a respeito do comportamento dela. Uma ambiguidade que estaria divida em duas visões, uma que estaria fora do grupo e que corresponde ao público que prestigia o espetáculo do boi, bem como a sociedade maranhense como um todo, e outra dentro do boi, especificamente, dos integrantes e dirigentes. A primeira qualifica as mulheres do boi como vadias e fáceis para sexo e colocam ainda todos os que dançam no folguedo como pessoas “desocupadas”.24 A segunda visão é a de dentro do grupo, que tenta minimizar a percepção de fora com o slogan de que o boi é uma família e todos se respeitam. Essa discussão será assunto do próximo tópico.