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A primeira ideia do bem é a do bem como racionalidade [goodness as rationality], a qual já aparece em Uma Teoria da Justiça e, segundo Rawls, em conexão com outras ideias de sua teoria como, por exemplo, a concepção política de pessoa, compõe uma ideia basilar a partir da qual se torna possível elaborar outras ideias do bem158.

John Rawls, após ter usado uma ideia do bem ao argumentar em Teoria sobre como é definido o bem da pessoa o qual se define, de modo conciso, como a satisfação do desejo racional159, procurou mostrar, sobretudo na terceira parte daquela obra, a necessidade de uma teoria do bem. É importante notar a distinção entre duas teorias do bem, as quais o autor chamou de teoria fraca do bem e teoria plena do bem. A motivação principal para essa distinção, segundo Rawls, é que na justiça como equidade o conceito de justo precede o de bem160. A finalidade da teoria fraca do bem “[...] é garantir as premissas acerca dos bens primários necessárias para se chegar aos princípios de justiça.” (RAWδS, β008, 490). Quando os princípios já estão estabelecidos, então, a teoria plena do bem “[...] usa esses princípios na

157 Cf. Liberalismo, IV, § 2. 158 Cf. Liberalismo, V, § 2.

159 No § 15 de Teoria, ao tratar sobre os bens primários sociais, Rawls diz: “A ideia principal é que o

bem de uma pessoa é definido por aquilo que para ela representa o plano de vida mais racional a longo prazo, dadas circunstâncias razoavelmente favoráveis.” (β008, p. 111).

definição dos outros conceitos morais, nos quais está envolvida a ideia do bem.” (RAWδS, 2008, p. 492). Naturalmente o autor, nas revisões de sua teoria da justiça, defendeu a importância de deixar claro que a ideia do bem como racionalidade como formulada em

Teoria deve ser entendida não como parte de uma doutrina abrangente, mas sim como parte

de uma concepção política de justiça, mesmo que essa distinção não esteja presente naquela obra. Assim, não é inadequado o papel que a ideia do bem como racionalidade desempenha na justiça como equidade, entendida como concepção política, ainda que sua apresentação em

Teoria possa não ser adequada, por não distingui-la de uma doutrina abrangente161. Contudo, o bem como racionalidade entendido desse modo corresponde, mais especificamente, àquilo que em Teoria Rawls refere como teoria fraca do bem. Para o propósito desse texto se faz oportuno recordar a questão acerca da definição do bem para planos de vida, isto é, que diz respeito à racionalidade dos fins.

Antes disso, contudo, é preciso aclarar um pouco mais o significado dessa ideia de bem como racionalidade. Para o filósofo estadunidense essa ideia “[...] pressupõe que os cidadãos têm pelo menos um projeto intuitivo de vida à luz do qual planejam seus empreendimentos mais importantes e alocam seus vários recursos para concretizar de modo racional suas concepções de bem ao longo da vida toda.” (RAWδS, β00γ, p. β00). Ou seja, isso significa que os esforços dos cidadãos estão voltados para a efetivação suficiente de suas concepções de bem. Ademais, segundo Rawls, a racionalidade deve ser assumida e aceita como um princípio norteador, o qual se manifesta na base da organização política e social de uma sociedade democrática, por qualquer concepção política de justiça que pretenda conquistar o apoio dos cidadãos, ao mesmo tempo em que merece consideração a vida humana e a realização das necessidades e objetivos humanos como um bem geral162.

Assim entendido, importa agora discorrer, mesmo brevemente, sobre o entendimento rawlsiano de definição do bem para planos de vida. Esse projeto intuitivo é o projeto de um plano racional de vida. Segundo Rawls (2008), se o projeto de uma pessoa for racional, a concepção do bem dessa pessoa também é racional. Por conseguinte, nesse sentido, o plano racional da pessoa, para Rawls, define seu bem163. É preciso mencionar como o próprio autor considera essa ideia complexa, ao mesmo tempo em que admite ser uma ideia fundamental para a definição do que é o bem. Desse modo, em uma tentativa de simplificar essa questão, é possível dizer que se esse projeto racional define o bem, então, precisa-se perguntar o que

161 Vale notar que Rawls defendeu que a substância do conteúdo e da estrutura de sua teoria, apesar

das mudanças e revisões, permanece a mesma. Sobre isso, cf. Liberalismo, Introdução; V, § 2, n.3.

162 Cf. Liberalismo, V, § 2. 163 Cf. Teoria, § 63.

define esse projeto. Dessa forma, para o autor, o plano de vida de uma pessoa para ser racional deve ser compatível com os princípios da escolha racional, e também incentivar e proporcionar os interesses e objetivos racionais.

Desse modo,

[...] podemos considerar que uma pessoa é feliz quando está a caminho da execução (mais ou menos) bem-sucedida de um plano racional de vida elaborado em condições (mais ou menos) favoráveis, e ela tem uma confiança razoável na viabilidade do projeto. Uma pessoa é feliz quando seus projetos, suas aspirações mais importantes se realizam e ela tem certeza de que sua boa sorte será duradoura. (RAWLS, 2008, p. 506).

É oportuno destacar que apenas em parte a felicidade da pessoa está sujeita a extensão dos objetivos alcançados, por isso o autor refere-se a “mais ou menos”, na citação acima, pois se supõe também que as pessoas tenham expectativas razoáveis.

Mas quais são esses princípios da escolha racional fundamentais para a definição do bem e execução do plano de vida de uma pessoa? E quais princípios devem ser utilizados para plano de vida a curto e em longo prazo? Em curto prazo Rawls enumera três princípios, os quais podem ser resumidos assim: o primeiro é dos meios eficazes; o segundo diz que se deve preferir um plano a outro; e o terceiro é de se escolher o de maior probabilidade. Quanto ao

primeiro princípio isso significa que quando se estabelece o objetivo, uma pessoa deve

escolher a alternativa mais eficaz para realizá-lo. O segundo princípio postula que se com um plano de vida se alcança mais objetivos do que com outro projeto, isto é, se atinge todos os objetivos de um e ainda algum objetivo a mais, então, esse plano de vida deve ser preferido. E, ainda, o terceiro princípio diz que se algum objetivo tem maior perspectiva, isto é, maior probabilidade de ser atingido com um plano do que com outro, tal plano deve ser preferido164. Em consonância a isso, em longo prazo, ou até mesmo para a vida inteira, o princípio da abrangência deve ser preferido, no caso de um plano abranger algum objetivo a mais, além de todos os objetivos do outro plano. Pois, ao se adotar o princípio de abrangência para planos de vida em longo prazo, a tendência é elevar a proporção de se atingir os objetivos.

Apesar de essas considerações parecerem um tanto quanto complexas o mais importante disso tudo é simplesmente a ideia de que uma pessoa pode fazer uma escolha entre

164 Esses comentários são demasiadamente lacônicos, servem apenas para dar o tom no qual se

constrói a discussão. Para compor uma discussão mais pormenorizada, a qual aqui não é o objetivo, pode-se conferir o capítulo VII, de Uma Teoria da Justiça. No texto Rawls ilustra essas ideias com o exemplo de se estar planejando uma viagem ter de decidir entre Paris e Roma. E que se depois de ponderar ficar claro que em Paris se poderá fazer tudo e mais algumas coisas do que em Roma, ou ainda que algumas das coisas que se queira fazer tenham maior probabilidade de sucesso em Paris do que em Roma, então, o princípio afirma que se deve viajar para a cidade luz ao invés de ir à cidade eterna.

vários planos racionais de vida, isto é, em outras palavras, uma pessoa pode decidir agora aquilo que almeja ser no por vir, quais desejos essa pessoa terá no futuro165.

Diante disso, a ideia do bem como racionalidade, como já mencionado no início desta seção, compõe uma ideia basilar ao desempenhar um papel importante a partir do qual possibilita a elaboração de outras ideias do bem, de modo especial, os bens primários166. Naturalmente, um plano racional para ter um bom resultado deve prever e presumir bens primários.