PARTE II – ESTUDO EMPÍRICO
5. Apresentação e discussão dos resultados
5.3. Utilização e benefícios da Expressão Musical para a criança com PEA
5.3.2. Benefícios da Expressão Musical para a criança
No que se refere aos benefícios decorrentes da utilização da Expressão Musical (Tabela 8), em contexto familiar e escolar, para a criança com PEA, educadora de infância e mãe referiram que a música é importante, tendo a mãe acrescentado que a mesma ajuda a “libertar e que promove a interação social”. A educadora de infância argumentou que as atividades de Expressão Musical são
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importantes para as crianças com PEA poderem adequar as estratégias às suas dificuldades. Também a mãe da criança referiu a sua importância (n=2). Contudo, a educadora referiu que “a visão dos educadores em relação à música é uma visão estereotipada. (…) A música é tão importante como as outras áreas e concorrem no patamar de igualdade, porque a abordagem ao currículo tem que ser integrada.”. É de opinião que “a visão estereotipada em relação à música no geral advém de se fazer normalmente uma abordagem complexa das coisas, porque o ser humano é amplo e complexo. A abordagem deve ser holística e integrada…”. Do discurso da professora de educação especial emergiu que as atividades de Expressão Musical disciplinam e que a música desenvolve a atenção e a discriminação auditiva, exprimindo ainda gratificação pelo trabalho desenvolvido com este tipo de crianças, considerando-as muito afetivas. A educadora de infância referiu que o facto de a criança reagir bem às atividades de Expressão Musical, em relação às outras, “depende se essas implicam a interação social”. Deste modo, as afirmações da professora de educação especial e da educadora de infância corroboram o defendido por Barreto (2000), para quem as atividades musicais são potenciadoras da autodescoberta da criança com PEA, resultando no desenvolvimento da sua noção corporal e têm uma forte componente de interação social, o que é fundamental na intervenção com estas crianças, atendendo ao seu défice na reciprocidade socio- emocional, não lhe permitindo responder a interações sociais (APA, 2014). Leinnig (2009) também refere que as atividades musicais podem originar transformações comportamentais momentâneas ou permanentes na criança com PEA, sendo muito importante a exploração do “eu” na relação com os outros, auxiliando também a alteração de humor, o que foi presenciado durante a observação naturalista, uma vez que, à medida que a criança era motivada para cantar e acompanhar a música com palmas, o seu tom de voz baixo e renitência para cantar em voz alta foi-se alterando, resultando num estado de alegria, motivação e reciprocidade com os pares, partilhando emoções.De acordo com Faria (2008), ao envolver-se as crianças com PEA em atividades de Expressão Musical está-se-lhes a possibilitar chegar a resultados positivos, na medida em que a música é um forte meio de comunicação que atinge primeiro a emoção e seguidamente as reações físicas.
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Tabela 8Benefícios da Expressão Musical para a criança com PEA
Categorias Subcategorias Educadora de infância Professora de educação especial Mãe Frequência Benefícios da Expressão Musical para a criança com
PEA
A música é libertadora x 1
A música é importante x x 2
Promove a interação social x 1
As atividades musicais disciplinam X 1
A música desenvolve a atenção e a discriminação auditiva
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Conclusão
Concluir um trabalho não se assume tarefa fácil, no entanto, a reflexão sobre os caminhos percorridos durante a sua elaboração exige que se apontem os resultados mais relevantes.
Assim, começa-se por referir que, após a consulta bibliográfica que esteve subjacente à elaboração do enquadramento teórico, mais concretamente no que se refere à Expressão Musical na intervenção com a criança com PEA, se verificou que os autores são unânimes ao considerarem que as atividades de Expressão Musical com estas crianças têm a potencialidade particular de as ajudar a superar os défices na comunicação social e interação social, dando a oportunidade de entrar no seu mundo interior e criar canais de comunicação com as mesmas. Deste modo, de acordo com a literatura, é importante que se proporcionem à criança com PEA atividades de Expressão Musical tidas como meios promotores da aprendizagem, bem como potenciadoras de autoestima e do seu processo de interação social com os pares e com os adultos.
Os resultados do estudo empírico, obtidos através das entrevistas semiestruturadas, observação naturalista e análise documental relativa ao processo da criança em estudo, permitiram responder à questão de investigação, tendo-se verificado que as três participantes, professora de educação especial, educadora de infância e mãe da criança, atribuem importância à Expressão Musical para o desenvolvimento de uma criança com PEA, sobretudo no que se refere à comunicação social e interação social, áreas onde a criança revela mais défices, tendo, inclusive, a mãe e a professora de educação especial referenciado o gosto particular que a criança apresenta pela atividade de cantar e por instrumentos musicais, sobretudo os de percussão, bem como movimentar- se ao som da música. Ressalva-se que a professora de educação especial considerou que as atividades de Expressão Musical são um meio de disciplinar e, ao mesmo tempo, a música desenvolve a atenção, a discriminação auditiva e a linguagem corporal, resultando em manifestações de contacto ocular por parte da criança, que também vai revelando expressões faciais e atos de comunicação não verbal, áreas onde esta revela défices. Também a investigadora teve oportunidade de observar e inferir que, nas atividades de Expressão Musical, a criança acabava por revelar um estado de alegria, mantendo-se atenta e motivada, bem como recorria à utilização do gesto (palmas), manifestando intencionalidade comunicativa.
Atendendo a estes resultados, reitera-se a imprescindibilidade da promoção de atividades de Expressão Musical em contexto pré-escolar, nomeadamente para esta criança com PEA, através da exploração de sons e de ritmos, da linguagem oral, gestual e corporal, desenvolvendo-se, assim, a memorização, a linguagem, o ritmo, a comunicação social e a interação social.
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Termina-se este trabalho, assumindo-se as suas limitações na medida em que se podia ter entrevistado algum técnico de outra área (saúde, terapias, etc.) que esteja a prestar acompanhamento à criança, bem como outros elementos do meio familiar, favorecendo a triangulação de perspetivas dos adultos que interagem com a mesma. Podiam também ter sido realizados mais momentos de observação, nomeadamente de outros tipos de atividades para comparar com as de Expressão Musical que, por sua vez, também deviam ter sido mais observadas. Pensamos que a utilização de um instrumento validado (por exemplo, um questionário, escala ou grelha estruturada) de avaliação do desenvolvimento da criança (ou das suas competências e dificuldades, por exemplo, verificadas nas atividades de Expressão Musical e noutras atividades) podia ter enriquecido o estudo, se o tempo para o necessário pedido de autorização ao autor o tivesse permitido. Sabemos também que o aprofundamento da pesquisa teórica para a discussão de resultados no âmbito da relevância da Expressão Musical na PEA, teria beneficiado este trabalho.Ainda assim, encerramos este estudo com a convicção de que a Expressão Musical na intervenção com esta criança com PEA é um importante contributo para a sua inclusão e desenvolvimento global, pelo que se espera que este trabalho possa ser um incentivo para a realização de mais estudos neste âmbito, também de natureza quantitativa. Mas esta premissa, acerca da importância da Expressão Musical na PEA, requer que o professor/educador de infância seja criativo, pró-ativo, com vontade de arriscar, sem ter medo de fazer o que ainda não foi feito, devendo pensar a sua prática profissional também como uma arte. Assim, torna-se imprescindível que o professor/educador de infância se aperfeiçoe como profissional mais reflexivo e crítico, e também mais criativo. Só deste modo poderá assegurar a estas crianças o direito de serem tratadas com respeito e olhadas como seres potencialmente ativos e capazes de ultrapassar os seus défices, incluindo-se na escola e na sociedade. Assume-se que ajudar crianças com PEA a adotar uma atitude positiva perante o mundo que as rodeia é, simultaneamente, uma enorme responsabilidade e uma oportunidade de lhes assegurar o seu desenvolvimento global, de uma forma harmoniosa.
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