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BENJAMIN, Walter – A Obra de Arte na Era da sua Reprodutibilidade Técnica In BENJAMIN, Walter

3.5 Indexação histórica

65 BENJAMIN, Walter – A Obra de Arte na Era da sua Reprodutibilidade Técnica In BENJAMIN, Walter

Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política. Lisboa: Relógio D’Água, 1992, p. 82

66 «est donc readymade tout ce que l’on ne fait pas, tout ce qui est déjá fait, comme le prê-a-porter par rapport à la confection ou le tube de peinture par rapport au tableau» In CHATEAU, Dominique – Op. cit. p. 60

46 É esta uma tentativa de conferir ao ready-made a mais ampla das definições e questionar mais uma vez a noção de originalidade, como verifica Chateau. Curiosamente, o único documento que ainda nos devolve a imagem de uma obra tão paradigmática como a

Fonte é precisamente a fotografia de Stieglitz de 1917.

É verdade que Walter Benjamin se mostra bastante reticente relativamente ao impacto que esta nova lógica de produção poderia ter no que tradicionalmente caracterizava o objecto artístico, e pode dizer-se que, efectivamente, o carácter conceptual de objectos como o ready-

made se subtrai a este tipo de visão de decadência ou fim do carácter singular da obra de arte.

O ready-made mantém o vínculo em relação ao seu criador, uma vez que é escolhido e assinado pelo mesmo, e passa a integrar um circuito artístico da mesma maneira que outrora a pintura ou a escultura mais clássicas. A dimensão não retiniana destes objectos, isto é, o facto de poderem ser apreendidos enquanto ideia de arte – art at large, como designado por Thierry de Duve –, em sentido lato, do ponto de vista de quem escolhe o material no qual vai investir a sua criatividade, por parte de quem possa produzir discurso sobre a realidade artística, sem leituras pré-determinadas do ponto de vista prescritivo ou pretensamente universal, não retira ao ready-made qualquer tipo de validade artística, mesmo dando-se o caso de a obra ser reproduzida, como aliás ocorreu com vários ready-made. Thierry de Duve a este propósito:

tinha-se tornado legítimo ser artista sem ser pintor, ou poeta, ou músico, ou escultor, novelista, arquitecto, fotógrafo,... Surgiu uma nova “categoria” de arte – arte em geral, arte em sentido lato – que já não estava incorporada nas disciplinas tradicionais67.

Do mesmo modo, o facto de todas as réplicas que se fizeram dos ready-made isoladamente ou da Box in Valise de 1941, uma mala em jeito de antologia onde Duchamp coloca/guarda diversas miniaturas de alguns dos seus principais trabalhos, assim como, a

Greenbox, que junta algumas notas que ajudaram na concepção dos seus trabalhos, terem sido

reproduzidas, mas sempre com a autorização do seu autor, é bastante relevante. Neste sentido, estamos bastante próximos de uma atitude contudo semelhante à forma como tradicionalmente uma obra de arte se constitui enquanto tal. A dimensão conceptual do objecto artístico salvaguarda a sua identidade enquanto obra de arte, o seu valor, aspectos estes reiterados pelos próprios motivos da história.

Retornando a Adorno, na sua Teoria Estética, o autor sobre a condição de existência da

67 «it had become legitimate to be an artist without being either a painter, or a poet, or a musician, or a sculptor, novelist, architect, photographer,… A new “category” of art appeared – art in general, art at large – that was no longer absorbed in the traditional disciplines» In DUVE, Thierry de – Echoes of the Readymade: Critique of Pure Modernism. In BUSKIRK, Martha; NIXON, Mignon ed. – The Duchamp

Effect, Essays, Interviews, Round Table, Critique of Pure Modernism. Cambridge/London: The MIT

47 obra de arte, demonstra uma visão mais actual e da mesma maneira, anamórfica do modo como esta poderá ser apreendida. Contesta a ideia de morte da arte como formulada por Hegel e, em parte, por Walter Benjamin, ao perceber o objecto artístico enquanto transitoriedade na história:

A arte só é interpretável pela lei do seu movimento: a sua lei de movimento constitui a sua própria lei formal68.

Adorno, de forma ainda mais explícita, abrangente e que marca a sua visão filosófica relativamente à ideia que se quer reforçar, afirma: A verdade só existe como o que esteve em

devir69.

Adorno considera a questão histórica de uma outra forma:

a arte tem o seu conceito na constelação de momentos que se transformam historicamente; fecha-se assim à definição. A sua essência não é dedutível da sua origem, como se o primeiro fosse um fundamento sobre o qual todos os seguintes se erigem e desmoronam logo que são abalados70.

Existem alguns limites, contudo, a apontar no que diz respeito ao tipo de abordagem histórica que, contudo, mantém a sua pertinência, ao ser possível identificar esses mesmos limites.

Se, por um lado, é importante não se ser indiferente ao facto de qualquer interpretação operar com conceitos e quadros de pensamento de cada época específica, por outro, é na mesma medida importante tentar perceber em que contexto as obras são produzidas, na medida em que, essa dinâmica é constituinte da própria obra. Neste caso, o facto de grande parte do trabalho de Duchamp remontar ao início do século XX, altura coincidente com uma realidade artística específica e bastante diferente daquela em que se começa a produzir discurso sobre a sua obra, coloca de imediato novos problemas relativamente a interpretações, no que diz respeito à intencionalidade que o próprio autor confere a posteriori ao seu trabalho. Este facto vem reforçar a ideia em relação à qual a interpretação de carácter conceptual feita posteriormente por Duchamp ao referir alguns dos seus ready-made, são feitos já à luz de um novo paradigma artístico, o da altura em que essa reflexão tem lugar, em finais dos anos 50 e ao longo dos anos 60. Da mesma maneira, não é possível uma reconstituição fidedigna sobre os motivos ou intenções da época da sua produção, o que não será o mesmo que afirmar a sua inexistência, antes ter consciência da impotência de uma

68 ADORNO, Theodor W. – Op. cit. p. 13