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Skinner (1969) refere-se à cultura do seguinte modo: “(...) Uma cultura não é o comporta-

mento das pessoas que ‘vivem nela’; é o ‘ela’ nas quais elas vivem, ou seja, as contngências de reforçamento sociais que geram e sustentam seu comportamento.” (p. 13) e, de modo mais

breve, como “(...) as contngências de reforçamento sociais mantdas pelo grupo.” (1987, p. 74) As contngências de reforçamento a que alguém se expõe, pois presentes numa cultura — ou sociedade, conforme palavras de Andery (1997) -, são em parte advindas do meio fsico , mas a maior parte provém de outras pessoas. Se normalmente se diz que a cultura é um sis -

tema de ideias associadas a valores, para Skinner as ‘ideias’ da cultura são as prátcas sociais e os ‘valores’ são as razões pelas quais tais prátcas existem e persistem (1971), ou em outras palavras ‘as ideias’ são as contngências sociais e os comportamentos que elas geram e ‘valores’ são os reforçadores presentes nas contngências (1971/1975). Ao entrarmos em contato com qualquer cultura não ‘observamos’ ideias e valores e sim costumes, comporta- mentos habituais de um povo. As pessoas são expostas às contngências que consttuem a cultura e ajudam a mantê-la.

Cada cultura pode ser caracterizada por suas prátcas. O que está em questão neste ter - ceiro tpo de bem é a maneira pela qual prátcas culturais evoluem e se mantêm. As prátcas culturais são conjuntos complexos de comportamentos executados por pessoas que intera- gem entre si e propagam “(...) comportamentos aprendidos similares por sucessivos indivíduos.” (Sampaio e Andery, 2010, p. 188). Desse modo, as prátcas culturais [retro]agem sobre a própria cultura, em processo de contnua transformação.

Como o valor que norteia a étca skinneriana é o da sobrevivência das culturas, as prátcas que garantam essa condição são as valoradas positvamente, sendo bens de uma cultura. Skinner (1971/1975) deixa claro que, no fnal das contas, “(...) A sobrevivência é o único valor

pelo qual a cultura será, eventualmente, julgada, e qualquer prátca que promova sua sobrevi - vência, tem valor de sobrevivência por defnição.” (p. 130)

Skinner (1971/1975) se questona: Como convencer alguém de que a sobrevivência das culturas é o valor primárioi Por que alguém deveria se preocupar, na atualidade, por exem - plo, com os recursos naturais, como eles serão governados, como será o lazer, num futuro tão remoto quanto o fnal do século XXI, já que as possíveis consequências, aversivas ou reforçadoras, ocorreriam para além da vida do indivíduoi A resposta é simples: se o indiví- duo não atuar para propiciar o tempo futuro para os outros, a cultura não sobreviverá. O autor responde (como já o havia feito em 1969 e 1971):

(...) A única resposta honesta para esse tpo de questão parece ser esta: ‘não há uma boa razão pela qual você deveria estar preocupado, mas se sua cultura não o convenceu disso, muito pior para a sua cultura´. (Skinner, 1971/1975, p. 131)

A sobrevivência das culturas é o valor basilar - o bem maior, ao qual outros valores, secun - dários ou instrumentais, são agregados. Seriam valores secundários:

a) conservar os recursos naturais; construir boas relações com seus vizinhos; transmitr o conhecimento acumulado para seus novos membros; garantr a paz e a segurança interna e externa; educar de modo efciente.

b) agir para tornar o mundo fsico mais bonito tanto no que se refere à manutenção da beleza natural quanto incrementar a beleza do ambiente social, com a partcipação de artstas, músicos, arquitetos e outros.

c) agir para tornar as pessoas habilidosas, informadas, produtvas, felizes e criatvas; pessoas que tenham saúde, trabalho interessante, chance de exercitar talentos e habilidades, contatos pessoais satsfatórios, descanso e relaxamento; autogoverno e tolerância à frustração; fortes relações interpessoais garantndo um controle maior por contngências de reforçamento e não por regras mediadas por insttuições soci - ais.

d) atuar contra contngências coercitvas e sistemas de exploração dos seres humanos , e a favor da cooperação e de comportamentos de apoio às culturas.

e) promover a paz; o amor; a novidade e a diversidade; a segurança, ordem, saúde, riqueza e sabedoria, justça, conhecimento; promover condições para que as pessoas sejam atvas e possam se benefciar do fato de receber reforçamento contngente a seus comportamentos.

Embora a sobrevivência das culturas seja o valor máximo, Skinner (1971;,1971/1975) declara não apenas a inexistência de valores ‘absolutos em si’, defendendo que os valores agregados mudam, mas também que cada cultura tem o seu conjunto de prátcas que a caracteriza. Sob certo sentdo, isto pode ser entendido como uma espécie de relatvismo cultural. São palavras de Skinner (1971/1975): “(...) Cada cultura tem seu próprio conjunto de

bens, e o que é bem em uma cultura pode não o ser em outra. Reconhecer isto é tomar a posição de um ‘relatvismo cultural’. (...)” (p. 122).

No entanto, o autor (1971) esclarece a medida disto: se por relatvismo entendermos que não há qualquer disputa sobre valores, não cabe nessa proposta. Em outras palavras, valo- res podem – e devem-, ser questonados, tendo-se por parâmetro últmo a sobrevivência da cultura. Os valores de uma cultura são aqueles que a fazem funcionar , que garantem sua sobrevivência; assim e deveriam ser respondidas questões sobre suas prátcas: “(...) Ela [a cultura] está conservando ou consumindo seus recursos naturais? Ela está construindo boas ou

más relações com os seus vizinhos? Ela está transmitndo ou falhando em transmitr importantes partes dela mesma para seus novos membros? (...)” (p. 548). Os valores poderão/deverão ser

sempre questonados; em sendo assim, são valores provisórios, devendo ser , permanente- mente, objetos de experimentação. Se há uma prátca cultural importante para o bem das culturas é a prátca de mudar as prátcas.

Do mesmo modo que ocorre com a evolução da espécie, as prátcas culturais se modifcam e as culturas evoluem e podem se fortalecer, enfraquecer ou perecer. A cultura não pode ser confundida com as pessoas – o que evolui são prátcas. Esclarecendo melhor: a cultura evolui quando novas prátcas promovem a sobrevivência daqueles que as pratcam. A ori - gem de uma prátca cultural pode não estar relacionada com o seu valor de sobrevivência , mas como prátcas culturais podem ser transmitdas por difusão , já que uma cultura não

está isolada da outra, a partr do encontro com outras culturas é possível aprender prátcas melhores (as que contribuem para a sobrevivência). Por esta razão, a avaliação comparatva entre prátcas culturais deve ter por base um critério - a promoção do bem da cultura.

Embora seja possível avaliar prátcas culturais, não está na perspectva de Skinner ter como pano de fundo da existência das culturas uma espécie de darwinismo social. O que Skinner propôs não foi a competção entre culturas de forma a que a mais “apta” permaneça; ao contrário defende que, na promoção da sobrevivência das culturas, os comportamentos cooperatvos e de apoio (1978) e o trabalho em benefcio da raça humana (1971) são mais importante.

Uma cultura, como já deve ter fcado claro, não muda porque há uma vontade geral criatva, mas sua evolução se dá quando novas prátcas promovem a sobrevivência daqueles que as pratcam, ou seja, quando novas prátcas aparecem e resistem à seleção ambiental. Algumas prátcas podem se alterar por acaso, mas a cultura terá boas chances de sobreviver se com- portamentos adequados forem planejadamente modelados/esculpidos e mantdos.

A cultura que levar em consideração a sobrevivência tem mais chance de ser duradoura, mas reconhecer isto não é o sufciente. É difcil dizer quais tpos de comportamento humano terão valor em um futuro que não pode ser claramente previsto (Skinner, 1955- 56/1999). Quais seriam as prátcas culturais que tornariam suas culturas mais fortes e com possibilidades consistentes de sobrevivênciai Skinner (1978) reconhece que o valor de sobrevivência traz a difculdade adicional de termos que predizer, se o quisermos aplicar, quais serão as condições que a cultura deverá satsfazer. O autor propõe que se responda ao seguinte desafo:

Para mudar a cultura e incrementar sua sobrevivência é necessário responder a três ques - tões: (1) Quais são as condições que a cultura deve satsfazer [ meet] para sobreviver? Ninguém respondeu à questão em termos muito claros. Mesmo as questões emergenciais a

serem satsfeitas por uma cultura num futuro muito próximo são difceis de predizer. Pelo menos tentatvas de respostas são, entretanto, necessárias. (2) Que tpo de comporta- mento da parte dos membros de uma cultura será mais efetvo para satsfazer essas condições? (3) Que tpo de ambiente social produzirá tal comportamento? (Skinner , 1971, p. 549)

Já que valores agregados aumentariam a probabilidade de que o bem da cultura possa vir a ocorrer, as culturas que têm demonstrado cuidados maiores com as pessoas seriam a aposta para o futuro (Skinner, 1955-56/1999). A cultura terá maior probabilidade de sobre- viver se as contngências econômicas mantverem o trabalho produtvo , os empreendimentos, a disponibilidade dos instrumentos de produção, o desenvolvimento e conservação dos recursos; se mantver a densidade populacional apropriada aos seus recur - sos e espaço; se houver um ambiente social rico em reforçamento (positvo) imediato que selecione comportamentos que possam tornar um futuro possível em que,

(...) as pessoas vivam juntas sem brigar, mantendo-se elas mesmas produzindo comida, abrigo e roupas de que necessitam; divertndo-se e contribuindo para a diversão de outros por meio da arte, música, literatura, e jogos; consumindo apenas uma parte razoável de recursos do mundo e poluindo-o o menos possível; tendo as crianças de que possam cuidar decentemente; contnuando a explorar o mundo para obter melhores meios de se lidar com ele; conhecendo-se acuradamente para se controlarem mais efetvamente. (Skinner , 1971/1975, p. 204)

A defesa incondicional por avaliação de prátcas antgas, e por proposição de novas, enfm sua defesa incondicional pela prátca de mudar as prátcas a partr da experimentação, seria o contraponto necessário para que a cultura não corresse o risco de enrijecer per - dendo a suscetbilidade às mudanças necessárias. Como afrma Skinner (1971/1975),

Uma cultura deve ser razoavelmente estável, mas deve mudar, e será mais forte se puder evitar o respeito excessivo pela tradição e o temor da novidade por um lado e as transfor- mações excessivamente rápidas por outro. A cultura deve ter, por fm, uma medida especial de valor de sobrevivência se encorajar seus membros a examinar suas prátcas e experi- mentar novas. (p. 145)

Em suma, assinalamos que a étca, para o behaviorismo radical, compromete a todos e par- tcularmente os analistas de comportamento com novos comportamentos a serem pratcados e ensinados que incluem, pelo menos: propor o planejamento da cultura com conhecimentos cientfcos; minimizar consequências imediatas e maximizar consequências remotas; pressupor a partcipação da comunidade para propor valores; promover critérios coletvos em detrimento dos individuais; restabelecer a reciprocidade balanceada e educar para o lazer produtvo.

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Signifcado y signifcancia de

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