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Foi nosso propósito dar neste numero um histórico da Bíblia de Luthero e o lugar que ele ocupa entre os povos de língua allemã. Mas para isto, quatro pontos temos a considerar: A attitude de Luthero para com a Bíblia, a historia de sua traducção, o valor desta traducção e sua influencia na vida allemã.

Luthero e a Biblia

O famoso monumento de Luthero em Worms representa-o numa attitude característica: com os olhos postos no céu e a mão posta sobre a Bíblia. Nenhuma outra attitude caracterisaria bem o

grande reformador. Mesmo hoje ninguém que comprehenda Luthero pode pensar nelle sem pensar na Bíblia, da qual foi ogrande campeão.

Não obstante isso, Luthero numa boa parte de sua vida, não teve o menor conhecimento da Bíblia. Elle o testemunhou com estas palavras: “Aos vinte annos de edade, eu nunca conhecera uma bíblia. Finalmente, cheguei a ver uma na Biblioteca de Erfurt, que comecei a ler com soffreguidão, com grande surpreza da parte do dr. Staupitz.

O primeiro conhecimento que Luthero teve da Bíblia, determinou a sua vida. A Bíblia tornou-se a sua companhia diária, e o estudo della, o seu maior prazer. Elle mesmo dizia: “O que o pasto é ao animal, o lar ao homem, o ninho ao pássaro, a rocha ao cabrito, a agua ao peixe, a Escriptura Sagrada é ás almas crentes”.

Quatro annos Luthero estudou a Biblia na língua official latina; isto é, na Vulgata. Em 1516, comtudo, o notável professor Desiderio Erasmo publicou a primeira edição impressa do Novo Testamento grego, enquamto que, por outro lado, o Velho Testamento já havia aparecido em 1488. Luthero, naquelle tempo não entendia nenhuma destas línguas; mas convencendo-se que o Evangelho puro não poderia ser garantido á egreja sem o conhecimento destas mesmas línguas por parte dos ministros, deu-se com afan ao estudo dellas, para poder entender a Palavra de Deus nos originaes em que ella foi escripta.

Ao mesmo tempo Luthero estava ancioso que por si mesmo pudesse lêr e estudar a Biblia. As traducções então existentes da Bíblia , em allemão, eram muito impróprias. Alem de serem quase desconhecidas, eram cheias de erros, baseadas na Vulgata, em um estylo pesado e incomprehensivel para o povo. Emquanto elle esteve no retiro forçado de Wartburgo, pôde entregar-se á nobre tarefa, a mais importante de sua vida, de dar á luz uma traducção popular da Bíblia, para o povo allemão.

Valor da traducção de Luthero.

Quando Luthero começou a traduzir o Novo Testamento, não podia seguir quaesquer regras geralmente acceitas. Mas em uma carta aberta, publicada em 1530, elle estabeleceu os princípios geraes pelos quaes se regulou ao fazer a traducção. Primeiro que tudo, elle se esforçou por reproduzir na traducção o significado do texto original. Depois sua preoccupação foi apresentar a Palavra de Deus em linguagem intelligivel a todos. E, finalmente, esforçou-se por preservar o caracter sagrado da Bíblia.

Até que ponto Luthero realizar este ideal? Respondendo a esta pergunta, chamamos a attenção a três pontos que, a nosso ver, fazem da Bíblia de Luthero, a leader impeccavel de todas as modernas traducções; a saber: fidelidade, simplicidade e beleza.

Sua fidelidade. Por fidelidade não queremos dizer que Luthero desse á sua traducção um cunho rigorosamente literal. Elle nem siquer pretendeu fazer isso; pois compenetrou-se que em muitos casos, numa traducção servilmente literal só pode obscurecer o verdadeiro sentido de uma passagem. O que elle pretendeu foi fidelidade á verdade divina, e a interpretação desta verdade no espírito mesmo dos sagrados escriptores. A fidelidade de sua traducção é, portanto, uma fidelidade espiritual e não literal. Não é certamente, como não podia ser, uma fidelidade absoluta; mas, á luz dos modernos conhecimentos, o numero de erros da Bíblia de Luthero é muito menor que em outras.

Sua simplicidade. No elogio fúnebre de Luthero, Melanchton disse que a Bíblia allemã, por sua clareza, dava ao leitor mais luz, do que o maior numero de commentarios. E, na verdade, o allemão de Luthero é admiravelmente claro e puro; tão claro como crystal, tão puro como ouro. É o allemão familiar á dona de casa e ao trabalhador no campo. E tão simples, que uma creança o entende bem; mas apesar disso, de uma correcção clássica”.

Sua belleza. A linguagem de Luthero é também de rara belleza. Não é que Luthero procurasse a elegância de stylo: a belleza de sua traducção não é resultado de preconcebido estudo, mas o fructo espontâneo da harmonia da letra e do espírito, do pensamento e da palavra. As palavras podem ser simples, mas são sempre apropriadas em harmonia com o caracter sagrado da Biblia.

Quem leia a Bíblia de Luthero acha-se constantemente impressionado com o espirito devocional de que é saturada.

Sua influencia na vida allemã.

A influencia da Biblia de Luthero na vida allemã não pode ser exaggerada. Antes de Luthero, havia muitos dialectos allemães , mas não uma língua allemã commum. Luthero foi o fundador da moderna literatura allemã, e na sua Bíblia, deu o modelo da literatura allemã. Pelos seus escriptos, mais particularmente pela sua Bíblia, ensinou aos allemães como usar a sua própria lingua.

Em sua Bíblia, Luthero deu aos allemães não somente uma linguagem commum, mas também um espirito commum; e deste modo a dita Bíblia tornou-se o instrumento principal, pelo qual as tribus allemãs foram feitas uma unidade espiritual, uma nação no verdadeiro sentido do termo. Em toda a literatura do mundo não ha um livro que tenha exercido uma influencia tão larga e profunda a uma só nação, como a feita ao povo allemão pela Bíblia de Luthero.

Mas a sua maior influencia é sob o ponto de vista religioso. Neste sentido não há palavras que possam dar uma idéa approximada do serviço que á causa de Christo tem prestado esta maravilhosa traducção. Na Biblia de Luthero, a nova interpretação do Evangelho que o mesmo Luthero e a Reforma deram ao mundo, não somente tem a sua fonte de vida, mas também a sua expressão clássica165.

Do Bible Society Record, de Julho.

PROTESTANTISMO

Isso porem que elle diz, e mais de egual teor, não o diz de si proprio, mas é citação de outros. Mas, o padre envez de ir beber o seu conhecimento ácerca do protestantismo e das pessoas dos reformadores na parte insuspeita da historia, foi bebel-os na fonte toldada e suspeita da propria grei; assim é que as suas palavras são citadas dos jesuitas Miguel Soto Mayor, Lemoyne, Barth. Essa ousadia inqualificavel do jesuitismo é uma affronta aos proprios catholicos illustrados bem versados na historia. Não na historia forgicada nas sachristias e nos mosteiros, mas na historia imparcial que tem um só peso e uma só balança para julgar os actos dos individuos e das nações.

Os protestantes já tem dito muitas vezes que se no papismo onde se crê que um homem é o directo representante de Christo, no protestantismo a coisa muda inteiramente da figura. Qualquer que fosse a vida dos reformadores em nada alteraria a situação do protestantismo. Houve um tempo em que a humanidade achou-se enterrada n´um subterraneo escuro e medonho. A porta desse subterraneo estacionava vigilante um leão de uma ferocidade e força extraordinaria que não deixava sahir ninguem. O Senhor porem levantou desse subterraneo um gigante e mais alguns companheiros, que chegando á porta do subterraneo feriram grandemente o leão, e a humanidade inteira sahiu da cova, para a luz brilhante do sol, sendo-lhe dado gosar em liberdade das maravilhas esplendorosas que Deus creara. Esse subterraneo eram os antros da inquisição; o leão era o papismo e todo o seu poder; o gigante foi Luthero e seus companheiros; o sol é Jesus Christo; a natureza é seu

165 OFFERMANN, H. A Bíblia de Luthero: Sua Influencia na Vida Allemã (trad. do Bible Society Record).

Evangelho. Se accaso a vida de Luthero fosse ainda a mais corrupta do mundo poderia porventura manchar o brilho do Sol? Não, nunca. As nossas doutrinas não são de Luthero, são do sacro Evangelho; o nosso salvador é Jesus Christo e não Luthero, nem qualquer outro reformador. Não porque seja necessario á defeza do Protestantismo, mas por amor da verdade, vamos dar aos nossos leitores alguns trechos da verdadeira historia.

“A abolição dos votos monasticos e do celibato do clero eram reformas muito aconselhadas e requeridas, como já vimos pelos livres pensadores que tinham preparado a revolução de Luthero. O frade Agostinho despiu, pois, o habito, e, pouco depois, casou com Catharina Boren, que tambem havia professado n´um convento. Este passo deixou-o exposto aos mais acerados epigrammas dos seus adeversarios. Disse-se que modificara a disciplina da Egreja unicamente para satisfazer a uma paixão carnal; elle poderia ter respondido que os cardeas e os prelados da epoca eram prova evidente e trivial de que o cellibato ecclesiastico não impunha regra nem sacrificio aos sentidos. O luctador violento foi um esposo exemplar. Supportou com paciencia angelica os azedumes e as impertinencias de Catharina. Quando a via assutada com os perigos que os ameaçavam, inspirava-lhe confiança em Deus e acarinhava-a com inefavel bondade. No seio da familia trasnfigurava-se; era alegre e cheio de bonhomia, gostava de gracejar, amava depois de tantos odios. A morte de uma filhinha espedaçou-lhe a alma; o leão chorou como se fosse uma terna mãe.” História Universal de Cezar Cantú, vol. 13, pags. 379 e 380. É esse o retrato moral que dá a historia veridica do homem que a historia de sachristia diz que era um monstro de devassidão. A razão porem de tanto odio e tão violentos e mentirosos ataques está muito bem dada por Erasmo quando o vigario dos frades agostinhos lhe perguntou: “O que fez esse pobre frei Martinho para que todos o hostilisem ?” Dois grandes pecados: attentou contra a tiara do papa e contra a barriga dos frades”. Em contraste com isso vejamos o que o mesmo historiador Cezar Cantú, mesmo nas pags. 357 e 358, diz ácerca do estado da corte pontificia no tempo precedente á reforma. Eis um pequeno extrato, um negro e medonho.

“Mas o paganismo tinha invadido a corte pontificia, onde se favoreciam todos os homens de merecimento sem se curar ao uso que faziam do talento. Bembo esteve da chancelaria apostolica que Leão foi velado ao pontificado por mercê dos deuses immortaes; falla em applacar os deuses subterraneos, assim com os votos feitos á dea Laurentana e do sôpro do zephiro celeste... O brilho da antiguidade tinha causado tal deslumbramento que já se não via o christianismo; generalizava-se uma preguiça zombeteira e volutuosa que nem queria o trabalho de pensar... Os costumes nem queriam parecer sagrados. Bembo, monsenhor della Casa, cardeal Hyppolito d´Este e muitos outros tinham filhos e não escondiam... Ligorio, na villa Pia, destinada á recreação dos pontifices, foi inteiramente pagão, não só na architetura, senão até nas scenas e figuras. O cardeal Bibiena tinha mandado construir sobre o Vaticano uma villa ornada de nymphas voluptuosas, pintadas pelo famoso Raphael; felicitava-se Julião de Medicis levar para Roma a princeza sua esposa; toda a cidade exclamava, diz elle: “Louvado seja Deus d´ora avante! Porque a que só faltava uma corte de damas, e essa princeza ha de ter uma, o que tornará perfeita a cruz romana”. Dirigia todas as magnificencias da corte de Leão X, os divertimentos do carnaval e as mascaradas. Foi elle que fez com que o papa mandasse representar a

Mandragora, de Machiavel, e a sua Calandra, cujas scenas, que até n´um prostibulo pareceriam impudicas, fizeram rir muito a Leão X, Isabel d´Este e as damas mais elegantes da Italia.

Basta 1. O quadro e deveras repellente e nauseabendo. Entretanto os defensores do papismo desejariam que Luthero envez de ser marido exemplar, um pae carinhoso, fosse um d´aquella santa grei, d´aquelles tonsurados que apresentando-se com os principes da Egreja, donde irradiaria a santidade, a paz, a sã doutrina, reinava a mais completa dissolução. O vigario de Satan sentava-se desavergonhosamente na supposta cadeira de S. Pedro. O que devia ser a antecamara do céo era antecamera do inferno! Fosse Luthero um devasso e não seria muito de admirar tendo elle sahido de tão angelica escola! E virem estes tonsurados accusar de carnalidade aos heroes da Reforma! Se não fosse contarem impunemente com a singeleza e credulidade da maioria do nosso povo, nascido, creado e alimentando com os embustes que elle mesmos têm successivamente ministrado, os senhore padres, encerrar-se-iam n´um silencio tumular anes que accusassem de dissolução aos promotores da Reforma ou mesmo a quem quer fosse. A Roma papal em nada desmereceu a Roma dos Cezares166 (JB,15 dez.1906).

PROTESTANTISMO II

Demonstramos em nosso primeiro artigo que qualquer que fosse a moral de Luthero e outros reformadores em nada alteraria a situação do protestantismo. Em defesa da verdade, porem, mostramos com testemunhos insuspeitos, tirados da Historia Universal de Cesar Cantù, que a immoralidade e corrupção attribuida a Luthero são revoltantes caluminias que lhe são atiradas pelos seus mais encarniçados inimigos, aquelles aos quaes a sua propaganda libertadora feriu mais de perto. Que ao contrario disso era um homem honesto e probo, ainda que muitas vezes violento em linguagem, o que era muito comum naquelles tempos, coisa que em nada lhe ficavam a dever os seus inimigos; e a sua moralidade e honestidade contrastavam com a devassidão inqualificavel que imperava, já não dizemos na Egreja Catholica nos pontos afastados do globo, mas, no seu proprio centro, no Vaticano.

Já o temos dito, e repetimos, que não estamos todavia hypothecados a defender incondicionalmente a Luthero ou qualquer outro reformador, pois que isso seria uma contravenção do espirito de livre exame que animou a propria Reforma e que foi bebido nas Sagradas Lettras. Fallando especialmente de Luthero, o seu rompimento com Roma, ainda que fazendo profunda e extensa impressão, não foi perfeitamente definido. A evolução do seu espirito seguiu a ordem natural das coisas. O sol vem sempre precedido pela aurora. D´ahi resultava que os seus actos eram por vezes contradictorios e paradoxaes. Recorre ainda mais uma vez á auctorizada opinião de Cantú: (Livro 13, pag. 373) .

“Estes dois modos de fallar tão diversos significarão doblez, ou serão expressões sinceras de outros dois modos de pensar, que se alternavam no espirito do reformador, ainda hesitante entre as suas primeiras crenças e as opiniões que depois formulou nitidamente? É permittida a duvida. Os caracteres como o de Luthero difficilmente se comprehendem e explicam, a incoherencia, a contradição são nelles phenomenos naturaes

quasi logicos... A lucta de Luthero comsigo mesmo deve ter sido horrivel; as vicissitudes dessa lucta porem explicam satisfatoriamente as opposições que se notam nos seus actos, sem ser necessario admitir nelle alguma perfidia que se não coaduna com a rectidão das suas intenções, indiscutivel, pelo menos, no primeiro periodo da sua carreira de reformador”. (O grypho nesta citação como em algumas que fizemos no primeiro artigo, é nosso). Alem disso, o grande reformador nunca conseguiu de todo depojar-se dos erros que bebeu no romanismo. A polpa do seu espirito sempre ficou com uma boa porção de casca do papismo, a qual todavia não foi um estorvo que o privasse de chegar a Deus, pela fé no seu bemdito Filho Jesus Christo. Não nos sentimos obrigados a encampar todas as doutrinas e opiniões de Luthero. A´cerca de Luthero, como ácerca de qualquer mero homem, seguimos o conselho de S. Paulo: “Examine tudo, retende porem o que for bom”. A defesa incondicional de meros homens, pertence somente ao romanismo, cujos adeptos são obrigados a defender os seus infalliveis e a cahir nos mais extravagantes disparates para explicar os actos que vindo de infalliveis, ou da egreja ou do papa, nada têm de infallibilidade.

O padre Regattiere, depois de ter feito a citação de autores suspeitos, inimigos de Luthero, ácerca do mesmo Luthero, assim conclue o seu primerio artigo no Alcantil de 24 de Novembro:

“Este é o homem “inspirado por Deus”, a quem os protestantes devem a paternidade de suas doutrinas, e que, queirão ou não, são obrigados a reconhecer como seu unico fundador. O qual, como disse, estabeleceu como principios fundamentaes que – 1º Todo o homem recebeu de Deus a faculdade de interpretar a seu bel prazer a Biblia, sendo este o unico meio para chegar ao conhecimento da verdade religiosa. 2º Não são necessarias as boas obras para alcançar a salvação; bastando para isso somente a fé167 (JB, 30 dez. 1906).