Capítulo 4 – Biblioteca e leitura na produção acadêmica em educação
4.1. Biblioteca escolar e formação do leitor
Do conjunto de trinta trabalhos que formam esse grupo, nove olham para o espaço
da biblioteca com o objetivo de investigar sua função na escola e atuação no que tange à
formação dos leitores. Seja considerando o trabalho da biblioteca em si, seja relacionando
esse espaço com os demais espaços escolares. Para isso, aproximam-se da biblioteca
escolar através de entrevistas com os sujeitos que atuam nesse espaço ou o freqüentam.
Nele realizam observações. Coletam e analisam documentos diversos, gerados na
instituição, e que dizem respeito à biblioteca escolar.
Desta forma, essas pesquisas colocam questões como: qual o papel da biblioteca na
formação do leitor? A biblioteca tem cumprido seu papel, sua função, no que diz respeito à
formação do leitor no ambiente escolar? Parecem demonstrar um desejo de pesquisar para
conferir ou avaliar a biblioteca, frente às expectativas ‘tradicionalmente’ a ela atribuídas.
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Porque o que vemos é um discurso recorrente sobre a importância da biblioteca
escolar na formação desse estudante/leitor, uma vez que esse espaço é pensado e “esboçado
para criar as condições para as relações entre leitor em formação, livro de leitor e o suposto
mediador” (ARENA, 2009, p. 158).
Esse conjunto de pesquisas olha para as práticas de leitura dos estudantes e para as
maneiras em que se dão as relações entre leitores e livros nesse espaço, os vínculos que se
fortalecem e se fragilizam nesse processo. São pesquisas que tem por princípio a
centralidade das bibliotecas escolares num contexto de ensino e de educação. Um espaço
formador do leitor, espaço capaz de proporcionar e favorecer o encontro e o convívio entre
leitores e livros dentro da escola, mas não só: espaço que educa esse leitor nas condutas e
formas de agir e de pensar próprias para esse lugar. Isso porque o processo de formação do
indivíduo, como leitor, se dá no interior de uma rede de gestos, maneiras, protocolos,
entendimentos, valores.
Há também aquelas pesquisas em que a biblioteca escolar se apresenta como mais
um dos possíveis espaços escolares para a prática da leitura. Essas pesquisas consideram
esse espaço – o da biblioteca – em sua relação cotidiana com outros espaços escolares e de
formação: laboratórios de informática, salas de leitura, salas de aula. O que se percebe é
que alguns desses trabalhos concebem a biblioteca escolar como ambiente de apoio ao
ensino da leitura, principalmente do trabalho realizado em sala de aula. Porque a sala de
aula ainda é o espaço de maior importância na escola e a biblioteca, nesses casos, se coloca
como coadjuvante das atividades de ensino realizadas em sala de aula.
Para Arena (2011) a cultura escolar tem compreendido as bibliotecas como
complemento ou apoio das ações desenvolvidas com leitura em sala de aula ou como
suporte para as pesquisas recomendadas pelo professor. No entanto, para o autor, a
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biblioteca transcende e supera essa função porque trás com ela a cultura histórica de relação
entre leitores, leitores pequenos e livros. Nesse sentido, a identidade da biblioteca escolar
faz superar a concepção de instituição de apoio e de complemento para conquistar o
estatuto de espaço da cultura, de produção de leitura, de produção de textos escritos e de
porto de partida para a navegação do mundo virtual.” (ARENA, 2011, p.14)
De maneira geral, os trabalhos tratam da formação do leitor sem dizer ‘qual’ é o
leitor que se pretende formar: se um leitor capaz de lidar com a escrita em seu cotidiano, se
o leitor de diferentes mídias, o leitor de jornal, de literatura de ficção, etc. Como se ‘ser
leitor’ ou formar-se leitor fosse uma coisa só. Sempre a mesma e igual para todos os tipos
de textos, todos os ambientes e comunidades de leitura, todas as intenções e motivações que
guiam os sujeitos. Mas existem trabalhos que investigam especificamente o papel da
biblioteca escolar na formação do leitor literário. Talvez porque, a biblioteca deseje
revezar-se com a sala de aula no trato com os livros literários: enquanto na sala de aula,
ainda prevaleça o uso do texto literário como suporte para o ensino da gramática, da
ortografia, inspiração para a escrita, etc., as bibliotecas escolares procurem contribuir com
uma abordagem em que prevaleçam o artístico e cultural.
Muitos dos resumos das pesquisas que abordam a formação dos leitores na
biblioteca escolar apresentam uma característica bastante interessante: ao final do texto do
resumo, onde se pede a apresentação dos resultados obtidos através da pesquisa, trazem um
discurso em defesa das bibliotecas escolares e de sua importância na escola, na formação
do leitor e na sociedade como um todo.
Essa característica pode indicar que, assim como em outras esferas da atividade
humana, também na produção da pesquisa acadêmica em educação prevalece um dizer
excessivamente marcado pela adesão ao discurso sobre a importância do livro e da leitura e
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ao ‘dever ser’ da biblioteca. Esse traço das pesquisas parece combinar com outra
característica dessa produção que é a de desejar avaliar esse equipamento no sentido de
verificar se ele está ou não está atingindo os objetivos do papel ou função destinada ás
bibliotecas.
É o caso, por exemplo, dos resumos 009 e 037 :
Resumo 009
“A escola é um espaço privilegiado para a formação do leitor e, como tal, precisa assumir o
papel de formadora, de construtora de leitores, não para explorar suas disciplinas através
dessa prática e sim, para abrir as portas do mundo através dela.”
Resumo 037
“Assim sendo, para a biblioteca, espaço privilegiado de formação de sujeitos-leitores,
impõe-se a necessidade de repensar o compromisso da educação e da escola com a
instauração da leitura como ato político e democrático”
Para os resumos que, de fato, apresentam os resultados obtidos através da pesquisa,
temos situações bastante parecidas. Ou seja, ainda que as pesquisas tenham sido realizadas
em locais geograficamente distantes, com realidades escolares e sociais talvez diversas, a
biblioteca escolar parece padecer sempre dos mesmos males: ausência de profissionais
preparados para exercer a função de mediador; ausência de políticas e diretrizes que
garantam seu pleno funcionamento; desvalorização e esvaziamento do sentido desse espaço
perante a comunidade escolar.
Há de se ressaltar, no entanto, que esse conjunto de pesquisas não relata a ausência
de espaço apropriado para a instalação e o funcionamento da biblioteca escolar. Esse, que
sempre foi um dos grandes problemas da biblioteca dentro da escola, constantemente
desalojada e deslocada para dar lugar a salas de aula, secretaria, almoxarifado, etc., não foi
relatado no resumo dessas pesquisas. Talvez porque, se essas pesquisas tomam como objeto
a biblioteca escolar, vão em busca de escolas com bibliotecas instaladas, ou seja, pressupõe
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se que elas existam... Ou também se pode pensar que as recentes políticas de distribuição de
livros tenham feito existir dentro das escolas um espaço reservado para ‘guarda’ desses
materiais.. E desse lugar de ‘guardar’ livros na escola, temos as chamadas bibliotecas
escolares, que esbarram então, nos demais problemas apresentados, sendo a ausência e o
despreparo dos profissionais o mais recorrente. Desta forma, acentua-se nessas pesquisas
recentes acerca da formação de leitor nas bibliotecas escolares o debate sobre o papel e a
importância do mediador, seja ele professor ou bibliotecário.
Para Leite (2011):
“Podemos afirmar, como pressuposto básico, que a constituição do leitor é
um processo socialmente construído, determinado basicamente pela história
de mediações sociais vivenciadas pelo sujeito, incluindo desde o ambiente
familiar passando pelas diversas situações sociais, até, obviamente, a
escola. E mais: essa história de mediação é determinante para o
desenvolvimento das habilidades e das condições pessoais envolvidas no
ato de ler, incluindo as de natureza motivacional”. (LEITE, 2011, p. 42).
Nesse sentido, fundamentados principalmente pelas pesquisas de Lev Vigotsky,
esses trabalhos parecem reconhecer e reforçar o papel central do sujeito mediador da leitura
e os aspectos afetivos envolvidos na formação e constituição dos sujeitos leitores. E
denunciam, recorrentemente, a ausência desses profissionais capacitados e dispostos a atuar
como mediadores da relação entre leitores e livros no ambiente escolar.
4.2. Políticas públicas para o livro, leitura e biblioteca: PNBE e Literatura em
No documento
A biblioteca escolar na produção acadêmica sobre leitura : movimentos, diálogos, aproximações
(páginas 92-96)