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2 BASE TEÓRICA

2.3 BIBLIOTECA PÚBLICA: EVOLUÇÃO CONCEITUAL

Esta seção tem por objetivo situar a compreensão conceitual, e retratar historicamente os limites, funções e a importância que as bibliotecas públicas representam para a sociedade. Entende-se neste trabalho e de forma indissociável que a informação alimenta as bibliotecas que por sua vez refletem em seus acervos o desenvolvimento intelectual da humanidade. Trata-se de um organismo que deve estar sempre em crescimento beneficiando todos aqueles que desfrutam dos seus serviços.

Dentro dessa compreensão informacional pode-se dizer que desde os tempos remotos têm-se conhecimento de que a informação registrada enquanto elemento norteador tem acompanhado o homem em seu desenvolvimento. No momento em que a tradição oral se une à palavra escrita para o registro da vida, o homem enxerga um valor substancial nos suportes de informação. Séculos se passaram e encontraríamos na Idade Média ocidental (séculos V a XV d.C) toda uma produção intelectual custodiada pelo poder eclesiástico. Tudo isto se deu em virtude do poder desordenador que possui a informação. Em seu livro Ordenar para desordenar: centros de cultura e bibliotecas públicas; o professor Luiz Milanesi (1989) reflete sobre a propriedade transformadora que possui a informação oferecida pelos serviços de BP de romper com paradigmas e

tabus dominantes em uma sociedade. Segundo ele, as informações ordenadas e disponíveis em Bibliotecas Públicas poderiam levar os indivíduos a um estágio de reflexão contraditório perante determinadas questões possibilitando-os reverem, pensarem e reavaliarem uma ordem existente. Este mesmo autor, no livro O que é biblioteca (MILANESI, 1983) por meio de uma frase cômica escreve de forma invertida um ditado popular que ilustra de forma criativa esta situação: Quem semeia livros colhe tempestade. Isto no nosso entendimento justifica o surgimento tardio das BP.

Foi durante a revolução industrial na Inglaterra no final do século XIX, que surgiram as bibliotecas públicas. Em plena ascensão da produção em larga escala o homem de perfil industrial promoveu a mudança do conceito de uma biblioteca museu evidentemente mais voltada para a conservação para um modelo de biblioteca voltado a serviços (LEMOS, et al, 2007). No Brasil, a primeira biblioteca pública surgiu na cidade de Salvador Bahia em 1811. Segundo Gallucci (2008), o imperador Dom João completara 44 anos e em sua homenagem resolveram constuir uma biblioteca pública. Suaiden (2000) revela que a iniciativa foi encaminhada formalmente no dia 5 de fevereiro de 1811 quando Pedro Gomes Ferrão de Castello Branco encaminhou um projeto ao governador da capitania da Bahia, solicitando a aprovação da biblioteca.

Esse documento, que historicamente é o primeiro projeto na história do Brasil com o objetivo de facilitar o acesso ao livro, mostrava grande preocupação com a área de educação. O Plano foi aprovado, e a biblioteca inaugurada no colégio dos Jesuítas em 4 de agosto de 1811. Posteriormente todas as providências para a fundação de bibliotecas partiram sempre de iniciativas governamentais, (SUAIDEN, 2000, p.52).

Ainda descrevendo as características da primeira biblioteca pública do Brasil. Segundo Gallucci (2008) a instituição referida também teria sido a primeira da América Latina. Este mesmo autor ainda menciona peculiaridades interessantes a esta descrição, a primeira biblioteca teria sido construída

pelo dinheiro angariado por uma loteria criada exclusivamente para este fim, a Livraria Pública da Bahia foi inaugurada em Salvador a 4 de agosto de 1811. No começo tinha apenas seis funcionários e

modesto acervo, mas esbanjava qualidade. Atraía pesquisadores europeus e até o imperador Pedro II. Em pouco mais de 50 anos, ardeu em chamas duas vezes: a primeira, em 1912, reduziu o acervo a 300 livros; a segunda, em 1961. Depois de reformada, foi rebatizada como Biblioteca Pública do Estado da Bahia, hoje um dos principais pontos de cultura do Estado. Um público de 12 mil pessoas desfruta mensalmente de seus livros, sejam infantis, do século 16 ou em braile. Uma das preciosidades é um curioso dicionário inglês/francês de 2,5 centímetros de altura por 2 de largura. (GALLUCCI, 2008).

Na realidade depois do surgimento e estabilização das BP várias evoluções conceituais se sucederam, ora pelos diferentes momentos que atravessava o mundo ou pela própria necessidade que possui o ser humano de superação. Segundo a Fundação Biblioteca Nacional destacam-se como marcos que determinaram as mudanças conceituais das BP os seguintes fatos:

revolução industrial: o conceito inicial era vinculado à classe trabalhadora e às funções educativas e moralizantes;

crise econômica dos anos trinta e a Segunda Guerra Mundial: a imagem da biblioteca pública incorpora o conceito de atuar como instrumento para a paz e a democracia e identifica-se com a classe média e a população estudantil, cada vez mais numerosas;

publicação pela UNESCO, em 1949, da 1ª versão do Manifesto da Biblioteca Pública: destacando sua função em relação ao ensino e caracterizando-a como centro de educação popular;

década de 50: início de questionamentos crescentes por parte da classe bibliotecária, principalmente nos Estados Unidos e na Inglaterra, sobre o papel da biblioteca pública e sua permanente identificação com os valores da classe média e a cultura de elite;

décadas de 60 e 70: os movimentos culturais contestatórios desencadeiam novos questionamentos sobre o papel da biblioteca pública. Procurara-se uma nova função – voltada para as classes mais desfavorecidas da sociedade – de caráter mais social;

publicação pela UNESCO em 1972, da 2ª versão do Manifesto da Biblioteca Pública: sintetizando como suas funções a educação, cultura, lazer e informação;

década de 80: informação e comunicação são vinculadas ao desenvolvimento das sociedades. Inicia-se o uso generalizado dos computadores e das novas tecnologias de comunicação

nas bibliotecas, desencadeando o aparecimento das redes de bibliotecas, o que se refere em suas funções e conceito; década de 90: Sociedade da Informação/Conhecimento, a

revolução digital afeta o trabalho e a vida cotidiana. Necessidade dos indivíduos e das sociedades de adaptarem-se às rápidas e crescentes mudanças;

publicação pela UNESCO em 1994, da 3ª versão do Manifesto da Biblioteca Pública: seu texto enfatiza o compromisso da biblioteca pública com a democratização do acesso às novas tecnologias de informação. (FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL, 2000, p. 19).

Todos os fatos citados têm um significado na evolução das BP. Alguns deles são trazidos à lume pela via dos estudos e deduções contextuais. Contudo os fatos que em nosso entendimento nos revelam substancialmente o retrato da evolução destas instituições e que serão discutidos nesta seção são as três versões do Manifesto da Biblioteca Pública elaborados pela UNESCO, organização criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) com ações voltadas para o desenvolvimento da educação, ciência e cultura.

A UNESCO é uma instituição bastante respeitada no mundo e suas publicações e ações têm orientado mudanças políticas e sociais nos segmentos que contempla. No tocante às BP, a publicação dos manifestos serviu e serve de orientação na criação e condução destas bibliotecas ao redor do mundo. Na primeira versão do manifesto, em 1949,destaca-se a função educacional de uma BP. Esta visão se dá provavelmente pelo fato da inexistência de bibliotecas escolares à época e durante muitos anos, inclusive nos dias atuais a BP ainda é vista como uma biblioteca escolar. Na atualidade, não é mais compatível com a conjuntura política do Brasil. As políticas direcionadas ao setor em questão ficaram, desde 1937 com a criação do INL, sob a responsabilidade do Ministério da Educação. Devido a esta situação é possível imaginar por que durante tantos anos associa-se a biblioteca pública com biblioteca escolar. São instituições que se assemelham na missão de oferecer serviços de informação, mas a diferença aparece quando nos questionamos sobre o público que deve ser atendido, com quais objetivos e quais publicações devem custodiar seus acervos.

As bibliotecas públicas existem para servir à sociedade, pessoas de todos os credos, raças, orientação política, religião, língua, status social e inclusive pessoas que não mais estão em fase escolar. Têm um potencial muito mais abrangente dentro de uma comunidade, pois representa um equipamento democrático ao alcance de todos. É diferente de uma biblioteca escolar, sediada dentro de uma instituição onde só quem tem acesso é a comunidade escolar formada por estudantes, professores e funcionários. E que em muitos momentos por razões diversas como feriados e férias coletivas no mês de janeiro, encontra-se fechada. Difere da biblioteca pública cujas portas devem estar sempre abertas e em localização que facilite o acesso à população aos seus serviços. Todas as pessoas de todas as idades deveriam utilizar seus serviços. E com este entendimento o Governo Federal Brasileiro passou o gerenciamento das políticas das BP para o Ministério da Cultura e as bibliotecas escolares continuam sobre a tutela do Ministério da Educação.

Esta importante dissociação ganha força, e as escolas do Brasil podem vislumbrar um futuro no qual todas elas possam ter uma biblioteca escolar em virtude da aprovação da lei 12.244/2010 aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 24 de maio. Esta lei universalizará bibliotecas escolares em todos os estabelecimentos de ensino básico do país até 2020.

Em relação às BP também existem políticas nacionais com o objetivo de zerar o número de municípios brasileiros sem bibliotecas, mas nessas políticas serão discutidas em detalhes na seção dos programas de incentivo e criação de bibliotecas públicas e a participação bibliotecária no Brasil. Ambas as iniciativas são ações que merecem o devido acompanhamento, pois têm o potencial de oportunizar um grande número de profissionais bibliotecários e outros profissionais ligados à educação e à industria do livro.

Em 1972, retornando às evoluções descritas pelos Manifestos da UNESCO, a segunda versão foi responsável pela inclusão das funções culturais e de lazer nas BP além da função educacional. A biblioteca passara a ser vista como uma instituição capaz

de promover ação cultural e a disseminação da maior cultura registrada, o conhecimento humano em várias facetas de sua manifestação.

No ano de 1994 foi publicado o último Manifesto para a Biblioteca Pública o qual continua em vigência até o presente momento. Este documento trouxe a inserção do paradigma tecnológico como contribuição para a inclusão na Sociedade da Informação pelos indivíduos por meio das tecnologias de informação e comunicação.

Todos estes manifestos se constituem enquanto mudanças necessárias para adaptar as BP a um pensamento coletivo e evolutivo, ao qual a instituição não poderia abster-se tendo em vista que se propõe a oferecer serviços que viabilizem a disseminação da informação e da cultura de forma democrática. Contudo, no nosso entendimento, estas mudanças promoveram a biblioteca pública e não deixaram que a mesma fosse desgastada conceitualmente.

A reflexão sobre estes acontecimentos é de que a BP, sempre terá um lugar significativo na sociedade. Mesmo que daqui a séculos sua nomenclatura já não exista e que os seus suportes de informação também sejam mudados, o fundamento democrático e seu compromisso social estão vivos, ofertando informação para a compreensão do mundo atual ou de um futuro distante.

Na próxima seção será discutida a história de operacionalização de programas de incentivo às bibliotecas públicas bem como a inclusão dos profissionais bibliotecários nestas iniciativas no Brasil.

2.4 PROGRAMAS DE INCENTIVO E CRIAÇÃO DE BIBLIOTECAS PÚBLICAS E

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