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CAPÍTULO 2: O SER SURDO

2.3 O BILINGUISMO

A proposta educacional bilíngue para os surdos se baseia no paradigma sociocultural da surdez, fundamentada na antropologia, psicologia, política, educação e linguística relacionadas à identidade e cultura surda (SLOMSKI, 2012). Essa visão sociocultural começou a ser disseminada na sociedade a partir de pesquisas na área da surdez e de movimentos multiculturais abrangendo minorias que reivindicavam seus direitos após a Declaração dos Direitos Humanos (1948), pelas recomendações da ONU, pelas declarações da UNESCO e pela declaração de Salamanca (1994) (SLOMSKI, 2012).

O bilinguismo é uma proposta de ensino que tem a Língua de Sinais como a língua natural dos surdos, sendo esta suporte para o ensino da língua escrita, no caso do Brasil, a língua portuguesa. É uma proposta que parte das capacidades e potencialidades do aluno surdo de ser ensinado na Língua de Sinais. Nessa perspectiva, a Língua de Sinais é a fornecedora das ferramentas necessárias à busca e a organização dos dados linguísticos e do conhecimento da linguagem (SLOMSKI, 2012).

A proposta educacional bilíngue busca captar o direito que as pessoas surdas têm de serem ensinadas na língua de sinais. Trata-se essencialmente de uma proposta de educação que parte das capacidades e potencialidades do sujeito surdo (aptidão para adquirir a língua de sinais) e não aquilo que limita seu desenvolvimento. (SLOMSKI, 2012, p. 22)

Nos dias atuais, os modelos educacionais apresentam a educação bilíngue como uma diretriz de ensino, sendo senso comum considerar a Língua de Sinais como a primeira língua do surdo e a língua portuguesa, na modalidade escrita, como sua segunda língua (FERNANDES e CORREIA, 2012). Na filosofia do bilinguismo, as famílias dos alunos surdos também são convidadas a participarem da comunidade surda e aprenderem a Libras, de modo a incorporá-la no ambiente familiar (SLOMSKI, 2012). O contexto bilíngue dos surdos é distinto de outros contextos bilíngues, visto que envolve modalidades de línguas diferentes, uma visual-espacial e a outra oral (QUADROS, 2012). O currículo escolar, de acordo com uma proposta bilíngue, deve ser organizado em uma perspectiva visual-espacial, garantindo, assim, o acesso aos conteúdos escolares na Língua de Sinais, pois as formas como os surdos organizam o pensamento e a linguagem são de uma ordem de base visual, que vão além das formas dos ouvintes (QUADROS, 2012).

No Brasil, apesar da Língua de Sinais ser utilizada nos espaços escolares, ela ainda é coadjuvante no processo de aprendizagem do surdo, mantendo o português com o papel principal, caracterizando, assim, as práticas de exclusão (QUADROS, 2012).

Uma proposta educacional, para ser considerada bilíngue, deve abranger − tanto no ambiente escolar quanto no familiar − a criação de um ambiente linguístico sinalizado, uma estimulação essencial ao uso da Libras, o aprendizado da língua escrita e a elaboração de um currículo escolar adequado às especificidades e singularidades das crianças surdas (SLOMSKI, 2012). Em relação ao ambiente linguístico escolar, todos os funcionários da escola devem ser proficientes na Libras, além da presença de surdos adultos na escola para proporcionar o melhor modelo de linguagem às crianças surdas

(SLOMSKI, 2012).No ambiente familiar, os pais também devem ter a sua participação na educação das crianças surdas, aprendendo a Libras e garantindo um ambiente linguístico satisfatório para elas também em nível doméstico (SLOMSKI, 2012, p. 67).

De fato, Nogueira e Zanquetta (2013) em duas pesquisas que realizaram em uma escola do estado do Paraná, fazem uma comparação. A primeira foi realizada na década de 1980, com grupos de estudantes surdos educados em uma perspectiva oralista e, anos depois, outra pesquisa realizada com estudantes surdos, na década de 1990, após a implantação da perspectiva bilíngue na mesma escola. A primeira pesquisa tinha como objetivo analisar se a surdez constituía um fator que comprometia significativamente o desenvolvimento lógico-operatório infantil segundo os estágios da Psicologia Genética de Piaget. Chegaram à conclusão de que as crianças surdas, entre 4 e 6 anos de idade, não tinham defasagens em relação às ouvintes. A segunda pesquisa realizada com onze adolescentes surdos, entre doze e quatorze anos, tinha por objetivo “investigar se os surdos bilíngues estariam de posse das estruturas operatórias que permitissem a apreensão dos conteúdos matemáticos do 6º ao 9º ano” (p. 26) além de compará-los com os surdos oralistas (da primeira pesquisa) em relação ao desenvolvimento cognitivo. Nessa segunda pesquisa, chegaram à conclusão de que os adolescentes surdos tinham dois anos de defasagem em relação aos ouvintes de mesma idade, no entanto, esses estudantes surdos, seguindo uma perspectiva bilíngue, adquiriram um vocabulário e conhecimentos escolares superiores em relação aos adolescentes surdos educados na perspectiva oralista, apesar de não minimizadas as defasagens escolares. Então, apesar de alguns avanços alcançados, não obtiveram resultados cognitivos significativos. As autoras apontam, pois, que a Libras, por si só, não consegue proporcionar ganhos

qualitativos ao indivíduo surdo. Uma das justificativas em relação à defasagem escolar foi a de que todos os alunos eram filhos de famílias ouvintes não usuárias da Libras, tornando limitadas as interações sociais, não favorecendo o desenvolvimento cognitivo. Outra hipótese apontada por elas estaria no fato do pouco tempo de experiência da Escola com o bilinguismo.

A intervenção precoce, a partir do diagnóstico da surdez, estimula a criança à comunicação em Língua de Sinais, e garante não haver prejuízos em desenvolvimento cognitivo, sobretudo, ao se tratar de criança surda filha de pais ouvintes, visto que as crianças surdas filhas de pais surdos possuem um acesso natural linguístico em seu ambiente familiar (SLOMSKI, 2012).

No entanto, a aprendizagem da língua majoritária escrita, no nosso país, o Português escrito, também é uma forma de acesso da criança surda ao bilinguismo (SLOMSKI, 2012).

A língua escrita é um instrumento vital para o desenvolvimento intelectual da pessoa surda e para a comunidade de surdos manter intercâmbios comunicativos com os ouvintes, constituindo o instrumento que possibilitará aos surdos serem realmente bilíngues, isto é, usuários fluentes de sua língua primária de sinais (Libras) e da secundária, português escrito (SLOMSKI, 2012, p.72).

Elaborar um currículo adequado para atender às especificidades dos surdos, não significa diferenciar o conteúdo do currículo escolar, mas sim diferenciar o ritmo e a forma de comunicação, que, no nosso país, é a Libras (SLOMSKI, 2012).

[...] a escola de surdos deve oferecer a seus alunos um ensino que lhes permita adquirir a mesma quantidade de conhecimentos e habilidades esperados das crianças ouvintes de uma mesma série e idade escolar para que possam atuar na sociedade de forma crítica e transformadora (SLOMSKI, 2012, p.75).

A comunidade e os professores surdos devem participar das decisões educativas, linguísticas e da cidadania (SLOMSKI, 2012).

CAPÍTULO 3: ESTUDOS SURDOS COM FOCO NA EDUCAÇÃO

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