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1. INTRODUÇÃO

1.4. Biodeterioração

1.4.3. Biodeterioração de Materiais Orgânicos

Os bens culturais compostos de materiais orgânicos são mais susceptíveis a biodeterioração do que os compostos de materiais inorgânicos. A biodeterioração ocorrerá assim que as condições microclimáticas forem favoráveis ao crescimento biológico. Essas condições são comuns em ambientes indoor: UR de 65%, juntamente a temperatura acima de 20ºC já é suficiente para provocar crescimento de micro- organismos. Baseando-se em sua composição, para fins de classificação, os materiais orgânicos poderiam ser divididos (i) origem vegetal (ii) origem animal (CANEVA et. al, 1991).

Muitos bens culturais são feitos de materiais de origem animal: pergaminhos, materiais de couro, de lã, de seda. Nesse caso, a biodeterioração está relacionada com a deterioração de componentes como proteínas, aminoácidos ou componentes parcialmente polimerizados. Proteínas são polímeros de alto peso molecular compostos de cerca de 22 aminoácidos ligados por ligações peptídicas formando uma cadeia. (CANEVA et al., 1991)

Troiano et al. (2014) avaliaram o risco para conservação de manuscritos de pergaminho do século XVI os quais exibiam uma descoloração marrom, supostamente causada por micro-organismos. Análises microscópicas e ensaios de ATP demonstram um baixo nível de contaminação, indicando que a descoloração não estaria relacionada com colonização microbiana ativa. Por outro lado, uma abordagem molecular

independente de cultura foi adotada para caracterizar de forma completa comunidades associadas à superfície para encontrar agentes de biodeterioração que pudessem crescer sob condições termo higrométricas apropriadas. Agentes de biodeterioração potenciais relacionados com humanos foram encontrados, indicando que a necessidade de melhor controle do ambiente de conservação e de melhoras no manuseio. Além disso análises das cargas de micro-organismo aéreos, assim como medidas termo higrométricas, indicaram que o local de armazenamento dos pergaminhos não é adequado para prevenir sua biodeterioração.

Os principais componentes dos materiais de origem vegetal são a celulose, a lignina e a hemicelulose. Trata-se de biopolímeros, ou seja, de moléculas de elevada massa molecular em que estruturas básicas mais simples (monômeros) se repetem sucessivamente com maior ou menor regularidade e numa arquitetura mais ou menos complexa. (FENGEL & WEGENER, 1989; WIEDENHOEFT & MILLER, 2005)

A celulose consiste de um polissacarídio linear composto de unidades D-glucose ligadas em uma longa cadeia por ligações glicosídicas. É um dos componentes da parede celular de todos os tecidos de plantas, estruturais e condutivos. A porcentagem de celulose varia de acordo com a espécie do vegetal, e do tipo de tecido envolvido, tendo uma presença maior em materiais feitos de dicotiledôneas herbáceas e menor em materiais derivados de madeira de coníferas. A biodegradação da celulose ocorre por meio da produção de um sistema de diversas enzimas intracelulares e extracelulares chamado complexo celulase. Essas enzimas decompõem a celulose em glucose visando sua digestão e, portanto, a obtenção de energia (CANEVA et al., 1991).

A lignina é uma macromolécula tridimensional muito complexa e sem uma estrutura primária definida, mas onde predominam unidades monoméricas que compreendem o anel aromático e grupos alcoólicos. Tais unidades estão interligadas por ligações carbono-carbono e carbono-oxigênio não facilmente hidrolisáveis. A lignina é parte essencial das fibras lenhosas, a sua porcentagem nos sistemas lenhosos de gymnospermae e angiospermae varia de 15 a 36%. O teor de lignina nos materiais de origem vegetal varia de acordo com a procedência do material bruto e dos tratamentos químico-físicos usados na manufatura. Em madeiras de construção, por exemplo, a porcentagem de lignina depende da espécie arbórea de origem e da parte da planta usada; em papel isso depende dos tratamentos de deslignificação empregados. A lignina é resistente à degradação para maioria dos micro-organismos, apenas alguns fungos e

algumas bactérias são capazes de degradá-la. Os mais importantes e mais conhecidos degradadores de lignina são os fungos de podridão branca.

Hemiceluloses são polissacarídios solúveis em álcalis associados com a celulose na parede celular da planta. São compostas por β-D glucanas, substâncias pécticas e diversos heteropolissacarídeos. (CANEVA et al., 1991). A maioria das bactérias e fungos podem hidrolisar hemicelulose por meio de produção de enzimas hemicelulase.

Rojas et. al. (2012) estudou a presença de fungos em prédios históricos em Havana, e a contaminação dos bens alocados nessas edificações. Foram isolados micro- organismos de diversos substratos, incluindo papel. Os gêneros mais comuns encontrados foram Aspergillus, Penicillium e Cladosporium. A maioria das cepas estudadas demonstrou capacidade de produzir celulase (principalmente do gênero Aspergillus) e ácidos. Também foi verificada a produção de pigmentos por alguns Aspergillus (pigmentos de cor âmbar) e em alguns Penicillium (pigmentos de cor amarela).

Sabe-se que entre 60% e 90% do volume das células da madeira tem função de sustentação mecânica e/ou condução. Essas células perdem seu protoplasto na maturidade funcional, tornando-se células mortas. Portanto, a maior parte das células maduras da madeira é composta apenas da parede celular e do lume que é o espaço vazio deixado pelo protoplasto.

Vale destacar que a composição química da parede celular varia significativamente entre os dois grandes grupos de vegetais produtores de madeira. As coníferas (softwoods em inglês) costumam ter mais celulose (42 ± 2%) e lignina (28 ± 2%) e menos hemicelulose (27 ± 2%) do que as folhosas (hardwoods em inglês) (45 ± 2% de celulose, 20 ± 4% de lignina e 30 ± 5% de hemicelulose) (KLOCK et al., 2005; WIEDENHOEFT & MILLER, 2005).

Células lignificadas, como é o caso das células de madeira, apresentam normalmente os seguintes elementos estruturais: lamela média, parede primária e parede secundária, sendo que a parede secundária pode ainda ser dividida em cama S1 (ou camada de transição), S2 e S3 (ou parede terciária) (DECHAMPS & WRIGHT, 1997, KLOCK et al., 2005).

Figura 10. Modelo estrutura celular da madeira. LM = lamela média, P = parede primária, S1 = camada 1 da parede secundária, S2 = camada 2 da parede secundária, S3 = camada 3 da parede secundária ou parede terciária segundo alguns autores, W= camada verrugosa (warts). Fonte: Klock et al. (2005).

Em termos de biodegradação, no caso da madeira, além da ação de insetos sociais da ordem dos isópteros (cupins), destaca-se a agressão produzida por microrganismos xilófagos e, em particular, fungos capazes de produzir enzimas extracelulares de degradação dos diferentes componentes da madeira (BRAZOLIN et al., 2002).

Em condições aeróbias, os fungos xilófagos podem apresentar três padrões ou tipos de degradação na madeira atacada: podridão branca, castanha ou branda (white, browne soft rot em inglês) com base nas enzimas produzidas e na classificação de cor e estrutura de resíduos de madeira depois da degradação (BLANCHETTE, 1998, ERIKSSON et al., 1990).

Fungos de podridão branca são comumente encontrados em ecossistemas florestais e têm a capacidade de produzir enzimas que degradam todos os três componentes da parede celular. Os tipos de enzimas produzidos e o número de sequências de produção determinam a quantidade e a extensão de sua degradação

(BLANCHETTE, 1991). Para os organismos xilófagos, a celulose constitui o nutriente mais nobre, pois sua hidrólise determina a produção de açucares que representam importantes fontes de energia para o microrganismo, quando digeridos. No caso de fungos lignolíticos, como os que propiciam a podridão branca, a produção de enzimas que quebram a lignina representa um meio para a abertura de caminhos que levem a atingir as reservas de celulose presentes na madeira (KIRK et. al., 1976). A maioria dos fungos de podridão branca é do filo Basidiomycota, portanto essa divisão tem muita importância para estudos sobre degradação e deterioração de materiais de madeira (ERIKSSON et al., 1990).

Fungos de podridão castanha são geralmente degradantes de madeira de gimnospermas (as coníferas, como os pinheiros), muito usadas como madeiras industriais (ZABEL & MORRELL, 1992). Eles degradam preferencialmente os componentes polissacarídeos da madeira (celulose e hemicelulose).

Figura 11. Imagem de madeira de pinho com podridão castanha. Fonte: Wiedenhoeft e Miller (2005).

Os fungos de podridão branda produzem buracos em espiral dentro da parede secundária das células de madeira seguindo a orientação de microfibrilas de celulose (DANIEL & NILSSON, 1998). Em seções transversais de madeira pode-se observar buracos de diferentes tamanhos nas paredes laterais, enquanto que nas seções radiais ou tangenciais são observadas cavidades alongadas. Este tipo de decomposição ocorre principalmente quando a madeira fica exposta a umidade excessiva, mas também pode ocorrer em ambientes secos (BLANCHETTE, 1998). Fungos da podridão branda são frequentemente encontrados em ambientes não favoráveis para o crescimento das espécies que produzem podridão branca e castanha, possuem enzimas que degradam a celulose e hemicelulose, ao passo que a lignina é ligeiramente modificada (BUCHER et al., 2004). Nos estágios avançados de decaimento, a madeira torna-se frágil e amarronzada.

Diversos estudos foram dedicados a avaliar o risco de biodeterioração de bens culturais à base de madeira. Brazolin et al. (2002) apresentaram um diagnóstico da presença de fungos e cupins no Museu da Arte Sacra de Salvador – BA. Foram identificadas 3 tipos de cupins no museu: cupins-de-madeira-seca (família Kalotermitidae), cupins de solo (três espécies encontradas: Coptotermitinae gestroi e Amitermes sp., família Termitidae, e Heterotermescf. tenuis) e cupins arborícolas (Nasutitermes corniger, família Termitidae).

Também foi observada a presença de fungos degradadores da madeira, entretanto, sua presença foi restrita às partes da edificação exposta às chuvas, como batentes de portas e janelas; e áreas molháveis internas. Nas partes estruturais do telhado, a presença dos cupins foi mais importante do que a dos fungos. Foram encontrados fungos das divisões Eumycota e Basidiomycotina, causadores de podridão castanha e branca. O estudo também investigou formas de controle desses organismos, como a utilização de produtos difusíveis a base de boro ou flúor, bastante eficientes e menos tóxicos (BRAZOLIN et al., 2002).

Rojas avaliou a presença e atividade de fungos isolados em amostras de madeiras de construções históricas em Havana (Cuba). Foram principalmente identificados fungos dos gêneros Aspergilluse Cladosporium. Na maioria das cepas foi verificada capacidade de produção de celulase. As cepas do gênero Cladosporium exibiram capacidade de produção de polifenoloxidadese. Algumas cepas Aspergillus produziram pigmentos amarelos, avermelhados e marrons claro.

Ortiz et al. (2014) estudaram a biodeterioração das igrejas históricas de madeira da ilha de Chiloé no Chile. Foram identificados os padrões de deterioração presentes nas igrejas assim como os fungos endófitos causadores dos processos de biodeterioração. Também foram identificadas as espécies das madeiras coletadas.

Análises com microscópio eletrônico de varredura possibilitaram identificar as espécies das madeiras deterioradas assim como os padrões de degradação. As amostras foram identificadas como pertencentes a cinco espécies de árvores: Fitzroya cupressoides, Pilgerodendron uviferum, Nothofagus dombeyi, Eucryphia cordifoliae e Drimys winteri.

Verificou-se a presença de podridão branca e castanha em todas as igrejas. A deterioração era frequentemente extensiva e estavam em estados avançados. Também foi verificada podridão branda em algumas madeiras exteriores feitas de Fitzroya cupressoidese e Pilgerodendron uviferum que são árvores consideradas resistentes a deterioração.

Os fungos endófitos isolados das amostras coletadas foram identificados mediantes análise molecular, verificando-se a presença de vinte e nove fungos Basidiomycota e dezoito Ascomycota. Dentre os fungos identificados, dois gêneros e seis espécies foram relatados pela primeira vez no Chile.

Pornou e Bogomolova (2008) estudaram os ataques de micro-organismos (principalmente fungos) sobre madeiras com alto teor de umidade encontradas em escavações do assentamento pré-histórico de Dispilio.

Dezessete espécies de fungos foram identificas nas culturas isoladas das amostras de madeira, sendo uma espécie de Zygomycete, 13 espécies de Hyphomycetes, uma espécie de Ascomycete, uma espécie de Agnomycete e uma espécie de levedura. Apesar do alto nível de umidade das amostras, as espécies de fungos identificadas eram típicas de ambientes terrestres. Nenhum dos fungos encontrados são considerados especialistas em deterioração de madeira, podendo-se inferir que eles poderiam causar dano à madeira apenas sob condições específicas. Também foram encontradas bactérias do tipo cocos e bastonetes com grande crescimento.

As observações com os microscópios óptico e eletrônico sobre a madeira revelaram intensa deterioração da madeira, causada por fungos e bactérias. Foram observadas cavidades cônicas e penetração hifal nas paredes celulares, além de padrões de deterioração por erosão bacteriana e outros tipos de ataques de bactérias.

Fazio et al. (2010) caracterizaram a biodeterioração de escultura jesuítica sul- americana de madeira abrigada no Museu de Ciências naturais em La Plata, Argentina. Três pequenos segmentos de amostras de madeira foram cortados assepticamente e imersos em etanol:água (7:3), secos em papel filme estéril e esterilizada por chama para prevenir infecção por fungos oportunistas. Posteriormente os segmentos foram inoculados em meio de cultura de extrato de malta contendo extrato de malta Difco (2%) e ágar (2%) com antibióticos adicionados. As placas foram incubadas a 28ºC e pontas de hifas eram transferidas periodicamente transferidas outras placas a fim de obter cultura pura.

Após oito a dez dias as cepas puras foram examinadas sob microscópio óptico e as espécies fúngicas foram identificadas com apoio da literatura taxonômica. Para identificação de madeiras, seções foram fixadas em aldeído:etanol:ácido acético, desidratadas e embebidas em parafina e cera, seccionada, tingida e observada em microscópio óptico seguindo técnicas histológicas padrão. Para as observações em MEV, seções de madeira foram hidratadas, cortadas e montadas em bases de alumínio e cobertas com ouro e então examinadas no microscópio. Também foram realizados diversos ensaios para medir as atividades enzimáticas.

Baseando-se na anatomia das amostras observadas a madeira foi identificada como Cedra fissilis. Nas análises por MEV foram observadas evidências de deterioração por fungos. Verificou-se, por exemplo, cavidades nas paredes celulares secundárias típicas de podridão branda. Foram identificadas duas espécies de fungos no microscópio óptico, o Nigrospora sphaerica e o Chaethomium globosum.

Como os fungos identificados produziram xilanases, celulases e pectinases, infere-se que o padrão de degradação observada pode ser atribuída principalmente a elas. C. globosum foi previamente descrito como um fungo de podridão branda, enquanto N. sphaerica foi mencionado antes como fitopatogênico. A interferência aparente neutra entre as duas espécies somada às atividades enzimáticas complementares (atividades pectinolítica em N. sphaerica), indicam que ambos os fungos contribuem para a degradação, como indicado pela destruição das várias zonas da madeira, incluindo lamela média, que não são atacadas por uma podridão branda.

Irbe et al. (2012) estudaram a biodeterioração das estruturas externas de madeira do Museu Etnográfico à Ceu Aberto da Letônia e dos edifícios de madeira sacra do leste da Letônia. Foram identificados fungos do filo Basidiomycota, Ascomycota e Protozoa.

Os gêneros mais encontrados foram Antrodia, Gloeophyllum, Athelia, Hyphoderma, Hyphodontia, Pharenochaete, Postia e Botryobasidium.

Verificou-se que as estruturas dos monumentos mais afetadas pela biodeterioração eram telhados, paredes e cercas. Entre os fungos encontrados observou- se uma predominância das espécies de podridão branca.

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