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5. DISCUSSÃO

5.2 Biodisponibilidade das drogas antituberculose

A primeira dúvida que surge quando uma droga não atinge o nível sérico esperado após a ingestão é se ela realmente foi ingerida. Neste estudo, a droga foi administrada pelo mesmo pesquisador a todos os voluntários; e todos os casos estavam aderindo ao tratamento diretamente observado, comparecendo

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regularmente ao Centro de Saúde para as doses supervisionadas e participando da pesquisa de forma voluntária. Dessa forma, não haveria nenhum motivo aparente para os voluntários receberem os medicamentos, colocá-los na boca e não engoli- los, uma vez que esse procedimento foi realizado no próprio Centro de Saúde.

Uma segunda hipótese vem em seguida: uma vez tendo tomado o medicamento, será que ele realmente continha os princípios ativos dos medicamentos que seriam dosados na quantidade prevista?

Os laboratórios produtores dos medicamentos forneceram a certificação do controle de qualidade interno. A dosagem de rifampicina e isoniazida, drogas que apresentaram níveis séricos mais baixos, tinham os níveis esperados nas cápsulas, o que foi revisto e confirmado; desse modo, a baixa biodisponibilidade não pode ser atribuída à baixa concentração do princípio ativo na cápsula. Um laboratório de referência, não relacionado aoslaboratórios produtores, realizou novas dosagens depois da administração dos medicamentos a todos os casos e controles. Os medicamentos estavam acondicionadas do mesmo modo que os que foram administrados, confirmando que não houve problema de estocagem nem de fabricação que comprometesse a concentração dos medicamentos (PELIZZA et al., 1977).

Vários trabalhos chamam a atenção de que, embora o teste de dissolução da droga possa ser utilizado como guia para assegurar a biodisponibilidade, formulações com boa dissolução, algumas vezes são pouco absorvidas ou vice versa (PELIZZA et al., 1977; BUNIVA et al., 1983; ACOCELLA, 1989; ASPESI, 1989). Assim, a forma mais segura de avaliar se a droga está atingindo a concentração sérica desejada é através da análise por Cromatografia Líquida de Alta Pressão (HPLC).

Em relação a rifampicina, em que há redução dos níveis séricos tanto em casos quanto em controles, resta uma pergunta: na preparação utilizada no estudo, teria a droga as mesmas propriedades que tem a droga utilizada para o estabelecimento dos parâmetros séricos normais esperados? Diversos estudos têm sido realizados comparando diferentes preparações de rifampicina, em que se obtiveram resultados semelhantes (CHOUCHANE et al., 1995; PAHKLA et al., 1999), entretanto, os cristais de rifampicina demonstram polimorfismo (HENWOOD

et al., 2000) o que pode ser responsável por diferenças na biodisponibilidade da droga (STORPIRTIS et al., 2004).

Uma outra condição para reduzir a biodisponibilidade das drogas seria a interação com alimentos ou outras drogas, mas, foi solicitado a todos os casos que viessem em jejum e, pelo que se pôde observar, não fizeram uso de drogas durante o período do exame. Durante o intervalo entre tomar o medicamento e fazer a primeira coleta de sangue, os casos permaneceram com o pesquisador, envolvidos com o preenchimento do formulário e pesagem. A primeira refeição aconteceu depois da coleta da primeira amostra de sangue, duas horas depois da ingestão do medicamento.

O uso de rifampicina e isoniazida na mesma preparação farmacológica pode levar a problemas na absorção das drogas. Singh (2001) observou um aumento da degradação gástrica da rifampicina quando ingerida na mesma preparação da isoniazida.

Outra possibilidade que poderia ser aventada para justificar os resultados encontrados seria a coleta do sangue antes que a concentração sérica tivesse atingido seu pico máximo. Espera-se que o pico máximo seja atingido em duas horas (MEHTA et al., 2001), no entanto, mesmo em pacientes em que a absorção acontece de uma forma retardada, ela ocorre entre duas horas e seis horas após a ingestão. A dosagem das drogas nesses dois tempos é capaz de distinguir entre absorção retardada e má absorção (PELOQUIN et al., 1999). Considerando as dosagens de rifampicina, mesmo nos doze casos em que a concentração da droga foi maior (seis horas após a ingestão), os níveis plasmáticos normais esperados não foram atingidos, caracerizando má absorção e não apenas absorção retardada. Dos dezesseis controles que tiveram pico máximo depois de duas horas, treze também não alcançaram as concentrações normais esperadas. Eventualmente o pico máximo pode ser atingido antes das duas horas depois da ingestão, entretanto, quando isso ocorre, em geral ainda é possível detectá-lo duas horas depois da ingestão (PELOQUIN, 2002).

O fato de não ter sido feita uma dosagem das drogas no tempo “zero”, isto é, antes da ingestão dos medicamentos, poderia suscitar a dúvida de que os casos pudessem ter níveis mais altos de concentração sérica em virtude de valores

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residuais de doses tomadas nos dias anteriores. Porém, os estudos de Peloquin (1997) demonstram que, mesmo com doses diárias, sete meias-vidas ocorrem entre as doses, de forma que mais de 99% da droga é eliminada dentro de 24 horas, exceto em pacientes com insuficiência hepática, o que não era o caso de nenhum dos voluntários. Mesmo que tivesse havido dose residual das drogas antituberculose, essa dose aumentaria a concentração sérica das drogas e neste estudo as concentrações séricas estão baixas.

Mehta et al. (2001) lembram que indivíduos com tuberculose pulmonar freqüentemente têm hipoalbuminemia. A diminuição das proteínas do plasma reduz a capacidade de ligação das drogas, o que pode aumentar a quantidade da droga não ligada à proteína e conseqüentemente seu clearance,. no entanto a redução nas proteínas plasmáticas parece reduzir o total de droga disponível no organismo, mas não o total livre, que é a parte detectável nesse estudo (HOLFORD, 2001). A média plasmática de albumina foi menor nos casos, do que nos controles, no entanto, a média está dentro dos limites considerados normais nos dois grupos. De modo que essa diferença não seria suficiente para explicar a redução da biodisponibilidade das drogas.

Kimerling et al. (1998) observaram disponibilidade sérica aumentada de rifampicina em indivíduos dependentes de álcool. São propostos como mecanismos para a má absorção das drogas antituberculose a destruição de vilosidades intestinais por linfocinas, a tuberculose gastrintestinal não diagnosticada, o supercrescimento bacteriano e a doença celíaca pré-existente (MEHTA et al. 2001). Nenhum dos casos tinha manifestações clínicas de síndrome disabsortiva, entretanto ela pode ser subclínica. Na amostra estudada, a dependência do álcool alterou a correlação entre concentração máxima de pirazinamida e concentração urinária de manitol.

Tem-se que considerar então que os baixos níveis séricos das drogas observados podem estar relacionados com mal-absorção intestinal baseado nas alterações da permeabilidade intestinal verificadas. No presente estudo, contudo, a comparação em nível de inferência estatística entre os valores das concentrações séricas da rifampicina em níveis normais esperados ou abaixo dele para as variáveis manitol, lactulose e lactulose/manitol não foi possível ser feita devido ao pequeno

número de casos em cada classe (nível normal esperado = um caso; abaixo do nível normal esperado = 6 casos).

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