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2. FUNDAMENTOS DO PROCESSO DE DIGESTÃO ANAERÓBIA DE ESGOTOS

2.5. Biofilme, Flocos e Grânulos

A agregação de microrganismos em biofilme, flocos ou grânulos, propicia-lhes melhores condições de sobrevivência, porque agregados resistem melhor às agressões ambientais (lavagem, cisalhamento, substâncias tóxicas e predadores) e também porque, devido à maior proximidade entre os microrganismos, facilita a transferência de massa e outras trocas simbióticas, ou sintróficas, inclusive transferência de hidrogênio entre espécies.

O biofilme resulta da agregação de microrganismos e seus produtos metabólicos aderidos a uma superfície (interface). No tratamento anaeróbio de esgotos o biofilme importante é o que se forma na interface água-sólido, como nos filtros anaeróbios.

As bactérias têm grande capacidade de aderir à superfícies, inertes ou não, devido as

características de suas estruturas superficiais, à produção de substâncias extracelulares fixadoras (glicocálix) e a suas pequenas dimensões, que evitam o arraste hidráulico e o cisalhamento e permitem que elas aproveitem a rugosidade da superfície para aderência. O glicocálix tem funções muito importantes, tanto enzimáticas como de proteção das bactérias contra agressões de substâncias tóxicas do meio. Quando populações de bactérias aderem a uma superfície, produzem material polimérico extracelular e formam uma camada gelatinosa que incorpora

quantidades variáveis de substratos, produtos intermediários, resíduos metabólicos e material inerte, conhecida como biofilme. As bactérias do biofilme estabelecem inter-relações simbióticas que as tornam mais eficientes para bioconversão de substratos complexos.

No início da formação do biofilme, são fatores importantes a concentração de nutrientes disponível, a atividade metabólica dos organismos e a natureza da superfície, mas após os primeiros momentos a natureza da superfície perde a importância em face da anulação da rugosidade pela superposição de camadas de material polimérico.

O processo de instalação e formação inicial do biofilme (colonização) pode ser explicitado em várias fases: a) inicialmente é formado um filme de acondicionamento da superfície pela adsorção de moléculas orgânicas, geralmente proteínas; b) a seguir, ocorre a adsorção reversível de células à superfície que foi preparada anteriormente; c) depois das fases anteriores, cuja duração é de apenas alguns minutos, as células já podem começar a aderir às superfícies, agora de forma irreversível, através de materiais poliméricos extracelulares, principalmente polissacarídeos(HAMILTON, 1987 apud CAMPOS 1994).

Não havendo limitação de nutrientes, o biofilme continua desenvolvendo-se, a camada, composta basicamente de polímeros extracelulares, vai ficando mais espessa e aumenta a dificuldade de difusão de gases e líquidos, tanto no sentido de fora para dentro como de dentro para fora. Nas camadas mais internas ocorre carência de nutrientes, dificuldades de transporte de massa e acúmulo de resíduos metabólicos e de gases. Há tendência para flotação e desagregação, causando desprendimento e arraste de partículas do biofilme, com atividade metabólica reduzida.

A desagregação e o arraste de partículas do biofilme já aderidas podem ocorrer devido às mudanças nas condições do biofilme (agregação e estrutura das camadas) além do cisalhamento hidráulico. Depois que as superfícies de aderência são totalmente cobertas pelo biofilme as perdas por cisalhamento são muito semelhantes, independentemente da rugosidade original do material suporte.

Um biofilme muito espesso não apresenta grandes vantagens, apesar da acumulação de biomassa em camadas. A atividade biológica e a disponibilidade de substratos diminuem em função da penetração no biofilme, devido às limitações de difusão, e as mais altas taxas de remoção de substrato ocorrem em uma fina camada, mas muito ativa, na superfície.

O crescimento e a espessura da camada do biofilme aderido a uma superfície dependem da atividade metabólica das bactérias (velocidade de crescimento) e da perda por cisalhamento e arraste, decorrentes das condições hidrodinâmicas no reator. Para uma maior eficiência, as condições hidrodinâmicas devem ser tais que não prejudiquem a formação suficiente do biofilme, mas que permitam a sua renovação mediante a remoção de biomassa pouco ativa e resíduos.

O tamanho das partículas a serem biodegradadas também influi muito no desempenho do biofilme. Partículas de tamanho inferior a 1,0 µm são removidas por difusão e interceptação e partículas maiores que 10 a 50 µm são removidas por sedimentação e

incorporação (CAMPOS, 1994). A adsorção depende das características das partículas e das propriedades do biofilme.

A agregação de bactérias aderidas à uma superfície qualquer propicia-lhes ótimas condições de sobrevivência. Bactérias agregam-se preferencialmente em biofilme, aderindo a qualquer superfície disponível próxima, seja uma ampla superfície fixa ou a de pequenas partículas móveis. Pequenas partículas nucleiam flocos e grânulos, embora as bactérias também possam se agregar em flocos ou grânulos sem núcleo inerte. Pode ocorrer conglomerado de biopartículas pequenas formando uma partícula muito maior, totalmente envolvida por polímeros extracelulares e microrganismos.

Os mecanismos do processo de granulação não estão esclarecidos por completo; podem ter relações com as características da água residuária, com o material de inóculo, tempo médio de residência celular, condições ambientais, condições hidrodinâmicas, diferenças das pressões de seleção. O processo de granulação pode ser associado ao incremento de células viáveis de todas as populações de bactérias e a um incremento da atividade enzimática por célula, tendo como resultado um incremento na freqüência de interação celular e consequentemente na agregação. Uma atividade metabólica específica intensa pode gerar ou incrementar a síntese de substâncias poliméricas extracelulares que dão como resultado a indução do processo de granulação. (NOYOLA ROBLES, 2000)

Microbiologicamente o grânulo pode ser ser considerado um microsistema bem balanceado, com todas as espécies de bactérias da digestão anaeróbia. Morfologicamente o grânulo pode ser caracterizado como particulas relativamente grandes, maiores que 0,5 mm de diâmetro, de forma esférica e regular (NOYOLA ROBLES, 2000). Comparado com flocos, grânulos são mecanicamente mais estáveis e resistem melhor ao cisalhamento hidráulico.

No tratamento de esgotos, o fenômeno da granulação parece se restringir aos reatores anaeróbios de manta de lodo e, em menor escala, aos filtros anaeróbios (CHERNICHARO, 1997).

Quando não há um leito fixo que retenha os microrganismos no reator, por aderência no biofilme ou por retenção intersticial, a formação de flocos ou grânulos é importante na depuração dos esgotos porque, além de melhorar as condições de sobrevivência das bactérias e facilitar a bioconversão dos substratos, o material floculado pode mais facilmente ser removido por decantação, propiciando efluentes com menores concentrações de sólidos suspensos. A granulação ocorre em ambientes ricos em carboidratos e ácidos voláteis. Os grânulos são geralmente mais eficientes na bioconversão e sedimentam mais facilmente que os flocos. Comparados com o crescimento disperso, flocos e grânulos propiciam às bactérias as mesmas vantagens das melhores condições de sobrevivência e de trocas simbióticas do biofilme de interface.

Nos espaços vazios do material de enchimento de filtros anaeróbios acumulam- se microrganismos (retenção intersticial) que crescem agregados em flocos ou grânulos, enquanto na superfície do material inerte desenvolve-se o biofilme. No tratamento de esgotos

(diferentemente do tratamento de águas naturais) em filtros anaeróbios afogados (não vale para filtros com fluxo descendente não afogado) a quantidade de biomassa acumulada por retenção intersticial é muito maior que a do biofilme aderido ao material inerte, e, portanto, este biofilme não é o maior responsável pela eficiência do reator. Ou seja, a eficiência dos filtros anaeróbios afogados tratando esgotos sanitários deve-se mais à acumulação de lodo ativo nos interstícios do que ao biofilme aderido à superfície do material de enchimento, embora este tenha papel importante, sobretudo na partida do reator, ou após cada esgotamento, quando o biofilme é muito ativo e eficiente, porque é menos espesso, e a acumulação intersticial é ainda pequena.