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Biografias e interpretação constitucional: por que promover a cultura? A Constituição como depósito cultural

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4 IMPACTO DAS TEORIAS DE KONRAD HESSE E PETER HÄBERLE NO AMADURECIMENTO DA DEMOCRACIA BRASILEIRA

4.2 PETER HÄBERLE: A TEORIA DA SOCIEDADE ABERTA DOS INTÉRPRETES DA CONSTITUIÇÃO

4.2.2 Biografias e interpretação constitucional: por que promover a cultura? A Constituição como depósito cultural

Ao mediarem a comunicação entre os pré-intérpretes e os intérpretes oficiais, os especialistas proporcionam oportunidade para os pré-intérpretes compreenderem, pelo menos superficialmente, o mundo jurídico através dos debates televisionados.

O televisionamento tem respaldo jurídico no Regimento Interno do STF. Eis o inciso V do parágrafo único do art. 154: “V – a audiência pública será transmitida pela TV Justiça e pela Rádio Justiça [...]". 160

159 Vide pesquisa da FGV presente na monografia de Victor Roberto Corrêa de Souza: 85% dos

entrevistados, em 2011, não conheciam nenhuma notícia que envolvesse o Poder Judiciário. Outros dados do relatório do primeiro trimestre de 2011 também revelam que: 83% dos entrevistados já ouviram falar do STF. Deste número, 60% sabem um pouco sobre o que o STF faz, enquanto apenas 4% declararam saber muito sobre isso. Os 37% restantes não sabem nada de suas atividades, apesar de já terem ouvido falar dele. Souza chega à conclusão de que “o cidadão [brasileiro] tem medo do juiz [...]” (SOUZA, Victor Roberto Corrêa de. A credibilidade de Têmis e a argumentação jurídica: medidas endojudiciais e extrajudiciais. Brasília, DF: Conselho da Justiça Federal, 2016. (Série monografias do CEJ; v. 22), p. 58-59)).

160 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Regimento Interno, 2017. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/legislacaoRegimentoInterno/anexo/RISTF_integral.pdf> (Acesso em 8-5-18, às 16:15).

E isto é exemplo de promoção cultural, assim como o incentivo à produção de biografias (sendo elas autorizadas ou não).

O artigo A Decisão do STF no Caso das Biografias não Autorizadas161 observa que a ADI 4815 se esquivou de analisar o Direito Cultural, mas compensou esta falta tratando as biografias como produção científico-cultural inseparável da liberdade de expressão e de informação. Além disso, o argumento de que a necessidade de autorização prévia estaria desestimulando os biógrafos162 guarda, na verdade, uma preocupação com o déficit cultural a médio e a longo prazo, com a necessidade de promover a cultura.

Isto se encaixa nas teorias de Häberle. De acordo com ele, a teoria da sociedade aberta precisa de alimentação cultural.163

Entretanto, não apenas as biografias são cultura. A própria Constituição também é cultura164 quando vista, ao mesmo tempo, como guia e como depósito cultural.165 Afinal a Constituição, antes de ser jurídica, também é “expressão da herança cultural de um povo, fundamento de suas esperanças e espelho de sua identidade”. 166

E o depósito cultural pode (e deve) conter biografias. Portanto, quando a biografia é vista como cultura, também vira intermediária da interpretação constitucional. Isto ocorre por fornecer melhor compreensão tanto da realidade social vigente quanto do passado, o que ajuda a compreender o que deverá ser feito no futuro.

161 Artigo escrito por Inês Virgínia Prado Soares e Mário Ferreira de Pragmácio Telles. (PIOVESAN,

Flávia; SOARES, Inês Virgínia Prado. (Coord.). Impacto das Decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos na Jurisprudência do STF, 2016, p. 223-254).

162 Vide a seção secundária 3.1.

163 Entrevista com Francisco Balaguer Callejón (VALADÉS, Diego (org.). Série IDP - Conversas

Acadêmicas com Peter Häberle - 1ª Editora Saraiva, 2009, p. 42).

164 Entrevista com Paolo Ridola (VALADÉS, Diego (org.). Série IDP - Conversas Acadêmicas com

Peter Häberle - 1ª Editora Saraiva, 2009, p. 87).

165Amaral citando Häberle: “Então, a Constituição deixa de ser apenas um instrumento jurídico e se

converte em depósito de um estado de desenvolvimento, reflexo do patrimônio cultural da sociedade a qual pertence e fundamento de suas esperanças. Por sua forma e seu conteúdo, a Constituição viva, obra de todos os intérpretes da sociedade aberta, é fundamentalmente expressão e transmissão da cultura, marco de produção e recepção cultural, recepção e memória de informações culturais, de tradições, experiências e sabedorias.” (Tradução livre por Rafael Caiado Amaral do original em espanhol: VALADÉS, Diego. Peter Häberle, un jurista para el siglo XXI. In. HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional) (AMARAL, Rafael Caiado. Peter Häberle e a hermenêutica constitucional: alcance doutrinário. Porto Alegre: S. A. Fabris, 2004, p. 151).

166 Entrevista com Héctor Fix-Fierro e Diego Valadés (VALADÉS, Diego (org.). Série IDP - Conversas

Por exemplo, uma biografia das personalidades históricas do império brasileiro, como D. Pedro I e D. Pedro II167, pode ajudar a compreender a Constituição daquela época (e o processo de constitucionalização visto na seção secundária 2.2 deste trabalho). Estas personalidades, como governantes, tiveram intensa interação com os mandamentos constitucionais. Desta forma, o Brasil pode perceber qualidades e defeitos daquela Constituição. Ao compará-la com a época constitucional vigente, podem ser encontradas novas formas de aprimorar ou interpretar a Constituição atual.

Portanto, assim como a Constituição tem que entrar na cultura brasileira através de, por exemplo, o televisionamento das audiências públicas, a cultura brasileira tem que entrar na Constituição através das biografias. Pela produção e recepção de conteúdos culturais (HÄBERLE, 2017, p. 41)168, o funcionamento da sociedade aberta deve ser otimizado sem censura. Afinal, para Häberle, a crítica deve ser tolerada pela sociedade aberta (2017, p. 68-70) e a criação em geral deve ser minimamente limitada (2017, p. 61), opiniões também reiteradas no Acórdão da ADI 4815 ao afastar a necessidade de autorização prévia.

Entretanto, qual a consequência desses pensamentos para o futuro? É levar toda a sociedade brasileira a explorar técnicas hermenêuticas que podem, e devem, influenciar a ponderação entre liberdade de expressão e privacidade em casos futuros. Ou seja: orientações hermenêuticas que consigam “contrariar a ideologia da subsunção” (HÄBERLE, 1997, p. 30).

167 Relembrando que o historiador José Murilo de Carvalho, participante da audiência como expositor

especialista, fez biografia de D. Pedro II.

168 HÄBERLE, Peter. Um diálogo entre poesia e direito constitucional / Peter Häberle e Hector Lòpez

Bofill ; tradução de Gercélia Batista de Oliveira Mendes. - São Paulo : Saraiva, 2017. (Série IDP : Linha Direito Comparado).

5 OLHANDO PARA O FUTURO: ADI 4815 E DIREITO AO ESQUECIMENTO

No documento KARINNE TOSCANO BRASIL.pdf (820.9Kb) (páginas 59-62)