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Biografias para “educar” e “proteger” a nação (anos 30 e 40)

Este capítulo apresenta as duas primeiras biografias sobre Vargas publicadas no período67 compreendido entre 1939-1945. As obras, uma de autoria de André Carrazzoni, Getúlio Vargas,68 e a outra de autoria de Paul

Frischauer, Presidente Vargas,69 foram publicadas, respectivamente, nos anos

de 1939, pela livraria e editora José Olympio, e em 1944, pela Companhia Editora Nacional.

André Carrazzoni, autor de Getúlio Vargas, nasceu em Santana do Livramento (RS), em 15 de outubro de 1897. Em 1915 foi para São Paulo onde ingressou na Faculdade de Direito. Interrompeu os estudos e começou sua carreira jornalística no Correio Paulistano.70 Retornou a Porto Alegre, depois de viver exilado no Uruguai entre 1924 e 1927 — possivelmente pela participação e apoio aos levantes tenentistas contra o governo Artur Bernardes.

67

Posteriormente encontrei a referência de uma publicação ainda anterior: ALBUQUERQUE, Epitácio Pessoa Cavalcanti. Getúlio Vargas (esboço de biografia). Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1938, mas que não será aqui analisada.

68

CARRAZZONI, André. Getúlio Vargas. 2ª edição. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1939.[1ª edição 1939]. Essa obra também foi publicada na Argentina: CARRAZZONI, A. Getulio Vargas. Buenos Aires: Ediciones de las Librerías Anaconda, 1941.

69

FRISHAUER, Paul. Presidente Vargas. 2ª edição. São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Recife, Porto Alegre: Companhia Editora Nacional, 1944.[1ª edição 1943]

70

O jornal paulista foi lançado em 1854, assumindo diversas posições nos primeiros anos de sua existência. Nasceu liberal, tornou conservador e dependente do Partido Conservador, tomando novamente a trilha liberal, tornou-se abolicionista e republicano e após a República, voltou-se novamente ao conservadorismo, dirigido pelos oligarcas paulistas Campos Sales, Prudente de Morais, Antônio Prado e Rodrigues Alves, tornando-se órgão oficial do Partido Republicano Paulista (PRP). Foi nesse período que Carrazzoni ali trabalhou. Ver ABREU, Alzira Alves de (et al.). Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro (DHBB). Ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Editora FGV; CPDOC, 2001. 5v., p. 1634-1636.

Em 1930, assumiu a direção do Correio do Povo.71 Transferiu-se alguns anos depois para o Rio de Janeiro,72 onde dirigiu O Radical,73 jornal fundado para defender os princípios da Revolução de 1930, e a Folha Carioca.74 Em São Paulo, dirigiu também o Jornal de Notícias,75 foi diretor-redator do

Liberdade76 e fundou depois o vespertino A Hora.77 Em 1938, foi nomeado censor no Ministério da Justiça e Negócios Interiores.78 Na década de 1940 assumiu a administração do jornal A Noite,79 em virtude do imbróglio entre o

71

Jornal gaúcho fundado em 1895. Mesmo defendendo uma posição de independência, o Correio do Povo, na década de 1930, encampou vários princípios aliancistas, publicando inúmeras críticas ao governo Washington Luís — [...] “enxovalho de quatro anos de inépcia, de mentira e de maldade”. — André Carrazzoni teve importante função no jornal, assumindo o papel de seu porta-voz no apoio ao governo provisório. Getúlio Vargas era amigo do diretor da sucursal carioca do jornal, Francisco de Paula Jô, [...] “que obtinha do presidente reportagens inéditas”. Ver DHBB, p.1632-1634.

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Conforme Gomes nessa época, “os jornais representavam, assim, uma forma de ingresso no mercado de trabalho intelectual, uma profissionalização que expandia contatos, sendo em alguns casos um passaporte para mundos políticos e sociais maiores. No caso daqueles que vinham para o Rio de Janeiro, trabalhar em um jornal era praticamente vital: uma espécie de bilhete de entrada do qual se esperava participar. Ter integrado a redação de um periódico em outro local do país podia ajudar, mas os contatos e posições políticas facilitavam muito”. In: GOMES, Ângela Maria de Castro. História e historiadores. 2ª edição. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1999, p. 45-6.

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Foi criado em 1932, para apoiar e difundir os princípios da Revolução de 1930, [...] “segundo a concepção dos ‘tenentes’, no seio da classe trabalhadora”.Defendeu abertamente Pedro Ernesto Batista, interventor no Distrito Federal, sendo importante para o fortalecimento do Partido Autonomista nas eleições de 1934. Apesar de não ter apoiado a Revolta Comunista de 1935 colocou-se contra a prisão de Pedro Ernesto, o que causou os primeiros choques com o governo federal e a prisão da maioria dos jornalistas do veículo. Não houve, por outro lado, menção ao nome de Carrazzoni. Ver DHBB, p. 4857-4859.

74

Sobre a Folha Carioca não encontramos muitas informações, apenas que foi fundada em 1944, em virtude, segundo SODRÉ, do enfraquecimento da censura do Estado Novo. Ver SODRÉ, Nelson Werneck. A história da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966, p. 444.

75

Foi fundado em 1936, em São Paulo e dirigido por José Carlos Pereira de Sousa. Ver SODRÉ, Nelson Werneck. A história da imprensa no Brasil...., p. 437.

76

Não encontramos informações sobre este jornal na bibliografia consultada.

77

Não encontramos informações sobre este jornal na bibliografia consultada.

78

Sítio do Cpdoc, arquivos pessoais, André Carrazzoni.

79

O jornal A Noite teve uma longa trajetória. Foi fundado em 1911 e extinto em 1957. Defendeu o governo Washington Luís e a vitória de Júlio Prestes, assumindo uma posição francamente contra a revolução em 1930. Entre 1925 e 1931, o jornal passou das mãos de Geraldo Rocha — que além de proprietário do jornal era representante do grupo estrangeiro proprietário da Brasil Railway — para a própria companhia estrangeira, que verificara irregularidades contábeis na administração de Geraldo Rocha. O novo representante do grupo estrangeiro foi Guilherme Guinle, que passou a direção para o jornalista Carvalho Neto. Entre 1931 e 1940 o jornal conheceu uma fase de franca recuperação — “uma vez adotada uma linha política comedida e afastadas as campanhas de agressões pessoais”. Contudo, havia uma grande preocupação com o destino do jornal, cujo dono era a Railway que por sua vez achava-se encampada pelo governo desde 1930. A encampação realmente aconteceu em março de

governo federal e a Railway, que encontrava-se com parte de seu patrimônio sob controle do governo, desde 1930. A encampação acabou acontecendo em março de 1940, quando houve a legalização da ocupação pelo governo. Passaram assim a fazer parte das Empresas Incorporadas do Patrimônio Nacional, com o jornal A Noite e a Rádio Nacional sob administração do jornalista André Carrazzoni.

No período da primeira administração de Carrazzoni, 1940-1945, o jornal não conseguiu se recuperar devido a inúmeros problemas administrativos. Com a volta de Getúlio Vargas, em 1951, a administração do jornal foi novamente entregue a Carrazzoni, agora superintendente das Empresas Incorporadas ao Patrimônio Público, mas que definitivamente não conseguiu melhorar as condições da empresa.

Carrazzoni foi também membro nato e diretor do conselho de jornalistas do Departamento de História e Documentação, instalado no Palácio da Guanabara, em 1951.80

Por outro lado, na visão de críticos, como Affonso Henriques, Carrazzoni teria “[...] ligações incondicionais com Vargas”, e seu livro sobre o presidente “[...] ficou conhecido como uma obra-prima da bajulação”.81 Entre os atos de bajulação citados por Henriques, estaria o fato de Carrazzoni atribuir a Vargas

1940, quando houve a legalização da ocupação pelo governo [...] “da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande e de todas as empresas a ela filiadas”. Passaram assim a fazer parte das Empresas Incorporadas do Patrimônio Nacional, com a direção do jornal A Noite a cargo do jornalista André Carrazzoni. Segundo Carvalho Neto, [...] “A Noite, no decorrer dos 17 anos de encampação, transformou-se por decreto em órgão de elogio obrigatório a todos os governos”. No período da primeira administração de Carrazzoni, 1940-1945, o jornal não conseguiu se recuperar devido a inúmeros problemas administrativos. Com a volta de Getúlio Vargas, em 1951, a administração do jornal foi novamente entregue a Carrazzoni que não conseguiu [...] “deter a avalanche de problemas que caiu sobre o jornal durante todo o segundo governo Vargas (1951-1954)”. Ver DHBB, verbete NOITE, A, p. 4105-4107.

80

Entre 1963 e 1964 exerceu a direção-geral do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), da qual foi destituído após o golpe militar de 1964. DHBB, verbete CARRAZZONI, André, p. 1149.

81

inúmeras obras públicas, que teriam começado bem antes de 1930. Henriques aponta ainda que Carrazzoni teria sido “[...] um dos maiores engrossadores de Vargas [foi] generosamente premiado pelo ditador”.82

Já sobre o autor de Presidente Vargas, Paul Frischauer, esparsas informações foram encontradas. Ele era austríaco, foi autor de várias outras biografias.83 Esteve exilado em Londres em virtude da guerra e do nazismo, “[...] veio ao Brasil contratado pelo DIP [Departamento de Imprensa e Propaganda] para escrever uma biografia de Vargas que seria editada não só em português, mas também em francês e inglês”.84 Assim como ele, outros intelectuais e jornalistas estrangeiros visitaram o país a convite do governo brasileiro, aparentemente para melhorar a imagem do país no exterior, pois as desconfianças quanto às simpatias de Vargas em relação ao eixo eram grandes.

Por ocasião do lançamento da biografia Presidente Vargas, houve, na revista Cultura Política, a seguinte análise:

Essa biografia, por exemplo, pertence à classe das que podem ser incluídas, sem exagero, no rol das obras de arte. Escrita com extraordinária segurança, num estilo que constitui, para nós, uma positiva surpresa, sentimos, ao lê-la a mesma agradável sensação de redescobrimento que sentimos quando, o visitante pelo braço, lhes mostramos os sítios conhecidos, encarecendo a sua beleza a que estamos acostumados e que, apesar disso, como que descobrimos pela primeira vez, ao “explicá-la” ao novo contemplador. Tudo o que se diz, aqui, sobre a estranha personalidade do estadista ou do homem não pode, é óbvio, constituir novidade para nós. A novidade reside, tão só, no modo porque essa personalidade é encarada, é estudada, é “adivinhada”, de um ângulo completamente imprevisto, considerando-se não só a formação literária européia de seu autor, como a própria formação humana. É um

82

HENRIQUES, ibidem, vol. 2, p.264. O autor não indicou o “prêmio generoso” que coube a Carrazzoni.

83

Beaumarchais: o aventureiro do século da mulher. RJ: Cia. Editora Nacional, 1942. Garibaldi: herói de dois mundos. s/l, Vecchi editor, s/d. Além disso sua biografia de Getúlio Vargas foi traduzida para o francês: Getulio Vargas: um portrait sans retouches. s/l. Americ, 1944, vérsion Pierre Morel.

84

homem de outras terras, representativo de outras formas de vida e de outra cultura, apreciando o homem que, no Brasil, encarna, como poucos, a média de nossas virtudes, todas as qualidades do homem de todos os tempos.85

Vale ressaltar a importância dada pelo regime à presença desse autor estrangeiro. Frischauer teria a tarefa de corroborar, ou não, com as percepções que os brasileiros tinham a respeito do chefe da nação. Assim, não se poderia acusar o regime — ditatorial — de tentar inculcar uma imagem positiva de Getúlio Vargas, uma vez que quem confirmava aquelas predições era um homem de fora, com uma cultura e uma formação distintas da nossa. Portanto, o que se falava de Vargas, — o homem-síntese do brasileiro — internamente, era comprovado como verdadeiro pelo olhar de fora.

Os detratores de Getúlio Vargas, por sua vez, não pouparam das críticas Paul Frischauer. Por exemplo, Cláudio de Araújo Lima,86 que pareceu referir-se a Frischauer ao afirmar que uma das práticas da ditadura de Getúlio Vargas era a de contratar certo tipo de intelectuais para escreverem obras elogiosas ao regime. “Que se encomendem biografias, de preferência escritas por autores estrangeiros, por qualquer aventureiro de nome arrevesado, que a imprensa dirigida promoverá urgentemente, de último a primeiro escritor da sua pátria de origem”.87

Na mesma linha crítica, Affonso Henriques afirma que Frischauer não passava de um “[...] aventureiro austríaco pago pelo DIP especialmente para escrever essa biografia”.88.

Para que os leitores possam fazer idéia de como se deturpavam os fatos históricos durante as trevas do “Estado

85

Cultura Política, ano 03, número 33, out. 1943, p. 187-88.

86

Ver capítulo 2 deste trabalho.

87

LIMA, Cláudio de Araújo. Vargas: mito e realidade. RJ: SP: BA: Civilização Brasileira, 1955, p. 115.

88

Novo”, damos a seguir a versão desse crime na obra “Presidente Vargas”, escrita pelo mercenário estrangeiro Paul Frischauer, pago principescamente pelo DIP especialmente para endeusar o ditador. O motivo de haver o ditador contratado esse estrangeiro para escrever a sua biografia constituiu mais um dos golpes do Sr. Getúlio Vargas para “despistar” a opinião pública, principalmente do exterior. É que ninguém mais acreditava nos incensadores nacionais. Todo mundo já estava a par da nova indústria das obras favoráveis a Vargas, por meios das quais todos os intelectuais em dificuldades de vida e desprovidos de escrúpulos podiam resolver seus problemas financeiros sem grandes dificuldades, quer recebendo a paga em dinheiro, quer sendo aquinhoado com polpudas sinecuras.89

Um aspecto interessante das duas biografias analisadas nesse capítulo é o de que Paul Frischauer e André Carrazzoni conheciam-se. Parece, inclusive, que estabeleceram laços mais estreitos. Frischauer referiu-se a Carrazzoni como um “[...] eminente escritor brasileiro”.90

Frischauer, no entanto, teve o cuidado — ao falar de Carrazzoni — de reafirmar que a sua proximidade em relação a Vargas não era incondicional, pois de acordo com Frischauer, nem sempre Carrazzoni estivera do lado de Vargas. Em 1922, quando da disputa regional entre Assis Brasil e Borges de Medeiros, Carrazzoni encontrava-se do lado da Aliança Libertadora. Conforme Frischauer, na época em que ele conheceu Carrazzoni — no início da década de 1940 —, o autor havia se tornado “[...] um dos mais convictos partidários de Getúlio Vargas”.91

Carrazzoni também apareceu na obra de Alzira Vargas do Amaral Peixoto, Getúlio, meu pai, no entanto, ela não fez menção a qualquer período de afastamento entre Getúlio Vargas e André Carrazzoni. Pelo contrário, segundo Alzira Peixoto, Carrazzoni fazia parte de um grupo de amigos formado

89 HENRIQUES, ibidem, p.56. 90 FRISCHAUER, ibidem, p.26 e p.90. 91 Idem, ibidem, p.197.

por escritores, poetas, jornalistas que freqüentava a Livraria do Globo, em Porto Alegre.92 Esse passeio, de acordo com ela, era um dos preferidos de seu pai, na época presidente do estado do Rio Grande do Sul, que, ali à porta da livraria, conversava com os amigos.

Ainda de acordo com o relato de Alzira Peixoto — referindo-se ao ano de 1937 —, Carrazzoni pertencia ao seleto grupo que freqüentava a Casa Civil do governo e que tinha, juntamente com outros membros, o título irônico de “capitão” — “[...] apenas por uma brincadeira em represália à supremacia dos ‘Tenentes’” — e a “entrada franca”, sendo desnecessário qualquer pedido de audiência.93

Entretanto, segundo as informações do Dicionário Histórico-Biográfico

Brasileiro (DHBB) a relação de André Carrazzoni com Vargas teria enfrentado

alguns percalços. O autor teria sido

acusado de manter ligações com Pedro Ernesto Batista e de conduzir cartas clandestinas de presos políticos durante o período de repressão que se seguiu à Revolta Comunista de 1935, em 1939, durante o Estado Novo, publicou uma biografia do presidente da República e em março de 1940 [...] foi chamado a dirigir [o jornal A Noite].94

As informações de Alzira Peixoto e do DHBB apresentam leituras conflitantes em relação à situação de Carrazzoni. Segundo o DHBB, Carrazzoni teria passado por um período de ostracismo. No entanto, considerando-se o que afirmou Alzira Peixoto — embora Carrazzoni estivesse longe de ser o centro da sua narrativa — se poderia inferir que não houve punição ao autor. Tanto é que já em 1937, ele freqüentava a casa do

92

PEIXOTO, Alzira Vargas do Amaral. Getúlio Vargas, meu pai, p. 40.

93

Idem, ibidem, p. 243.

94

presidente da República, muito diferente do que aconteceu, por exemplo, com Pedro Ernesto95, com o qual Carrazzoni teria ligações.

O contexto da escrita

O Estado Novo correspondeu a uma série de transformações pela qual passava o país. Internamente, ocorria uma luta entre diversos grupos sociais que haviam participado da Revolução de 1930, principalmente, os que representavam as antigas oligarquias, que abriram uma dissidência em relação ao governo de Washington Luís, os movimento encabeçado pelos tenentes, que já demonstravam sua insatisfação com o modelo liberal da República Velha.

Além dessa tensão, mais facilmente localizável na cúpula do movimento de 1930, havia as pressões vindas da extrema-direita integralista e da extrema- esquerda comunista, diga-se de passagem que tanto integralistas, quanto comunistas (ou aliancistas) tinham dentre seus membros indivíduos ligados e oriundos dos “tenentes”. Os aliancistas, em 1935, tentaram, através de uma rebelião que teve como base setores do Exército, destituir Getúlio Vargas do poder e instaurar, no Brasil, um Estado de viés socialista. Além disso, havia a grave conjuntura que preparava a Segunda Guerra Mundial.

Já na etapa que precedeu a guerra, acontecimentos que eram habitualmente assistidos de longe — o entrechoque violento de ideologias, o confronto entre regimes políticos e formas de organização da sociedade, os realinhamentos políticos provocados pela disputa entre os poderes mundiais de então — começaram a ser percebidos como anunciadores de transformações que cedo ou tarde afetariam também o Brasil.96

95

Pedro Ernesto ao longo do Estado Novo teve de enfrentar vários processos e impetrar diversos recursos para se livrar da cadeia. Ver DHBB, verbete, ERNESTO, Pedro, p.2008- 2012.

96

Desta forma, quando Vargas e os grupos dirigentes adotaram um “discurso de fundo fascista”, para além de uma explicação que enfatiza as tendências “naturalmente autoritárias” de Getúlio, a que se considerar “[...] uma percepção, à época mais ou menos generalizada,97 de que, em caso de conflito, a vitória caberia às potências fascistas”.98

Para além de considerar O Estado Novo um período exclusivamente autoritário, deve-se levar em conta a presença de um projeto de construção nacional, que passava pela disciplinarização dos trabalhadores para o trabalho, pela regulamentação econômica e por um projeto cultural, que assinalaria os “verdadeiros” valores nacionais: seus mitos e sua história.99 Como afirma Gomes:

Projetar um novo Estado era, assim, investir na produção de lealdade-legitimidade, que englobaria os futuros cidadãos e, sem dúvida, aqueles já definidos (ou ao menos potencialmente definidos) como tais. O futuro não se faz sem o passado, e este é um ato humano de rememoração. Seria básica a realização de um processo de “narração” da história, que identificasse os acontecimentos, os personagens e “os sentidos” de seus atos.100

Dentro desse projeto os intelectuais e a narrativa histórica têm um papel significativo. O intelectual e o homem de ação habitam o mesmo personagem, diferentemente da geração anterior de intelectuais — por exemplo, Machado de Assis e os intelectuais ligados à Academia Brasileira de Letras (ABL), que pretendem deixar bem marcada a sua distância das contendas políticas, ou sendo mais exato, de sua independência em relação ao poder estatal.

97

Sobre essa tendência generalizada de simpatia pelo nazi-fascismo, ver HOBSBAWM, Eric. A queda do liberalismo. In: Era dos extremos. O breve século XX (1914-1991). 2ª edição. São Paulo: Cia. das Letras, 1997, p. 113-143.

98

DHBB, p. 2041.

99

OLIVEIRA, Lúcia Lippi. Tradição e política: o pensamento de Almir de Andrade. In: OLIVEIRA, Lúcia Lippi, VELLOSO, Mônica Pimenta, GOMES, Ângela Maria de Castro. Estado Novo: ideologia poder.Rio de Janeiro: Zahar Editor, 1982.

100

Os campos e as áreas de conhecimento na década de 1930 não estão suficientemente constituídos. Não havia uma nítida separação entre eles, como posteriormente ocorreu, nem tampouco havia uma nítida demarcação do campo de ação dos historiadores. Como afirma Gomes, a noção de intelectual tinha “[...] contornos fluidos, algo que se transforma com o tempo, indicando dificuldades que se traduzem na impossibilidade de uma definição rígida”. Desta forma, “[...] os historiadores são com freqüência poetas, romancistas, juristas e, praticamente todos, jornalistas militantes”.101

Pode-se caracterizar André Carrazzoni como o típico intelectual dessas décadas (1930 e 1940). O intelectual, nessa concepção, deveria se envolver com a discussão dos problemas nacionais e participar ativamente de sua solução. Assim sua obra, Getúlio Vargas, poderia ser considerada como uma biografia que vai além da simples apologia à figura de Getúlio Vargas, o livro teria sido um instrumento produzido pelo autor com o intuito de contribuir e de “municiar o exercício da atuação política”.102

Paul Frischauer, por sua vez, pertence a um outro universo cultural e intelectual o que torna difícil nossa análise sobre sua posição de intelectual, assim como, a que campo do conhecimento se identifica. Parece-nos, portanto, que Frischauer veio cumprir o papel de aproximação de comprovar que o governo autoritário de Getúlio Vargas tinha as melhores intenções possíveis e que ele, chefe do governo, estava alinhado, sem sombra de dúvida, aos inimigos do nazi-fascismo. 101 GOMES, ibidem, p. 38.

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