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1 INTRODUÇÃO

1.3 O Uso de Peixes para Avaliação da Qualidade da Água

1.3.2 Biomarcadores

1.3.2.1 Biomarcadores Bioquímicos

O uso de biomarcadores bioquímicos confere algumas vantagens, pois são normalmente os primeiros a serem detectados. São muitos sensíveis, apresentam alta especificidade, são de baixo custo e fornecem informações do efeito metabólico causado pelo xenobiótico (Amorin, 2003).

A contaminação aquática é um dos principais responsáveis pelo estresse oxidante, devido ao aumento da produção de espécies reativas de oxigênio (ERO) nos organismos expostos (Ahmad et al., 2000). O termo ERO também é utilizado para espécies que não são radicais livres, mas são capazes de gerar radicais livres, como por exemplo, o peróxido de hidrogênio (H2O2) (Halliwell e Gutteridge, 2000).

O oxigênio (O2) é uma molécula que pode ser parcialmente reduzida, formando

vários agentes quimicamente reativos. Quando reduzido de forma incompleta, pode formar intermediários reativos como os radicais superóxidos (O2-•), hidroperoxil

(HO2•) e o peróxido de hidrogênio (H2O2). As ERO podem reagir com todas as

biomoléculas celulares, alterando total ou parcialmente a sua função e afetando o metabolismo. Uma das principais lesões causadas pelas ERO é a peroxidação lipídica (LPO) ou lipoperoxidação, ou seja, a oxidação dos ácidos graxos poliinsaturados da membrana celular (Hogg e Kalyanaraman, 1998). A LPO resulta em transtornos na permeabilidade, alteração do fluxo iônico, alteração da seletividade de nutrientes e posteriormente, levando ao rompimento da membrana ou mesmo quebras em moléculas menores, como determinados aldeídos, que por si só já são tóxicos para a célula (Halliwell e Gutteridge, 2000).

Os radicais livres são formados em condições fisiológicas em proporções controladas pelos mecanismos de defesas antioxidantes celulares, que são os responsáveis pela inibição e/ou redução das lesões causadas pelas ERO. Essas defesas antioxidantes podem ser classificadas como enzimáticas e não enzimáticas, de acordo com sua estrutura biológica. Entre as enzimáticas destacam-se as defesas primárias como a superóxido dismutase (SOD), catalase (CAT), glutationa peroxidase (GPx) e enzima de biotransformação glutationa S-transferase (GST), enquanto que, entre os sistemas não enzimáticos destacam-se o dissulfeto de glutationa (GSH), e vitaminas A, C e E (Schlenk et al., 1999).

Nos eucariontes, a SOD corresponde a uma família de enzimas com diferentes grupos prostéticos na sua composição: Cu-Zn SOD e SOD-Mn. Essa enzima tem função importante, pois catalisa a dismutação do radical superóxido em peróxido de hidrogênio e água (Equação 1). Dentre os diferentes tipos de SOD, que depende do metal que atua como co-fator em seu sítio catalítico, todas agem da mesma forma como apresentada na equação 1 (Monteiro, 2010).

Equação 1. Desintoxicação do radical superóxido (O2-•) pela enzima superóxido dismutase

(SOD)

A CAT é uma hemeproteína citoplasmática que catalisa a redução do H2O2 em

água e O2 (Equação 2) e por isso considerada um dos maiores componentes de

defesa antioxidante primária (Gaetani et al., 1989). A CAT decompõe o peróxido de hidrogênio a uma taxa extremamente rápida de cerca de 107 mol.L-1.seg-1 (Scandalios, 2005). Por possuir um Km elevado, a CAT é dificilmente saturada pela

concentração de H2O2. Segundo Scandalios (2005), a redução do peróxido de

hidrogênio pela CAT requer altas concentrações de H2O2, atuando como um suporte

para o sistema glutationa dependente. Sendo assim, em baixas concentrações, os peróxidos seriam eliminados pela GPx e em altas concentrações pela CAT.

Equação 2. Desintoxicação do peróxido de hidrogênio (H2O2) pela enzima catalase (CAT).

A GPx é uma enzima que catalisa a redução do H2O2 e de hidroperóxidos de

ácidos graxos (LOOH, onde L é um lipídeo), convertendo-os em água e seus correspondentes alcoóis não tóxicos (Equação 3 e 4, respectivamente) (Nordberg e Arner, 2001) por oxidação da glutationa reduzida (GSH) à glutationa oxidada

(GSSG). A GPx é extremamente específica para a GSH e tem capacidade de desintoxicar rapidamente o H2O2 e certos lipoperóxidos (Liebler e Reed, 1997). Em

relação à afinidade pelo peróxido de hidrogênio, a GPx tem maior afinidade pelo substrato do que a CAT que tem menor afinidade porém age mais rapidamente (Eaton, 1991).

Equação 3. Oxidação da GSH a GSSG, pela ação da GPx, com H2O2 como substrato.

Equação 4. Oxidação da GSH a GSSG, pela ação da GPx, utilizando hidroperóxido de

lipídio (LOOH) como substrato, onde: LOH = álcool não tóxico.

A GST é uma família de isoenzimas cuja atividade pode reduzir ou evitar que ocorra o estresse oxidativo devido a metabolização de uma grande variedade de substratos hidrofóbicos e eletrofílicos, por meio da conjugação desta com a GSH que formam conjugados solúveis em água facilitando a excreção desses substratos (Equação 5) (Van der Oost et al., 2003). A ação integrada de todas as enzimas antioxidantes (SOD, CAT, GPx e GST) é importante para a manutenção do equilíbrio e integridade celular (Schneider e Oliveira, 2004).

Equação 5. Conjugação da GSH com o substrato eletrofilico tóxico (xenobiótico) pela ação

glutationa S-transferase (GST)

Dentre os antioxidantes não enzimáticos, a GSH é um elemento fundamental para o sistema de defesa. A GSH é um tripeptídeo que contém um grupo sulfidrila (- SH) presente na cisteína, que confere a capacidade redutora à molécula (Meister e Anderson, 1983). Pode variar de sua forma reduzida (GSH) para a forma oxidada

(GSSG) e ser reciclada pela glutationa redutase (GR) para a forma reduzida novamente. A GPx e a GST dependem da GSH, portanto a GSH é importante na proteção celular contra agentes oxidantes e na defesa contra xenobióticos (Jordão Junior et al., 1998). A ação integrada desses agentes antioxidantes enzimáticos e não enzimáticos estão representadas na figura 6.

Figura 6. Esquema representando o sistema antioxidante, enzimático e não enzimático em

célula de mamífero (Fang et al., 2002).

O estresse oxidativo, inclusive nas brânquias, é, em geral, um efeito tóxico comum causado por pesticidas e os peixes respondem alterando a atividade das enzimas antioxidantes para neutralizar os efeitos dos radicais livres gerados durante a metabolização destes herbicidas no organismo (Viarengo et al 1997).

A atividade das adenosinas trifosfatases (ATPases) também é um biomarcador sensível de toxicidade (Yadward et al., 1990; Agrahari e Gopal, 2008). Elas hidrolisam adenina trisfosfato (ATP) em adenina difosfato (ADP) e fosfato inorgânico

(Pi) (Kultz e Somero, 1995). Elas são enzimas de membrana e possuem variadas formas, que são responsáveis pelo transporte de íons, volume celular, pressão osmótica e permeabilidade da membrana (Kundu et al., 1992; Agrahahi e Gopal, 2008). Dessas enzimas, a Na+/K+-ATPase (NKA) (Figura 7) tem importância na regulação da osmolaridade do corpo todo (Alam e Frankel, 2006), promovida pelo transporte ativo de íons sódio e íons potássio através da membrana (Bianchini et al, 1999).

Figura 7. Modelo representativo da Na+/K+-ATPase e suas subunidades (adaptado de

Watson e Barcroft, 2001).

A NKA é formada por três subunidades ( , e ), onde a é catalítica, possui massa molecular de 100 kDa e possui sítios de ligação para o Na+, K+, Mg+2 , ATP e oubaína. A subunidade , menor e com massa molecular de 55 kDa, não possui sitio de ligação, assim como a , mas é importante pela inserção na membrana e localização da enzima (Blanco e Mercer, 1998; Therien e Blostein, 2000; Lin et al., 2004; Morrison et al., 2006). No transporte de íons, a enzima consiste em duas diferentes conformações, E1 (fosforilada) e E2 (desfosdorilada). Na primeira, ela tem alta afinidade pelo Na+ intracelular e na E2 tem alta afinidade pelo K+ extracelular. A ciclagem entre E1 e E2 resulta no transporte de 3 íons sódio para fora da célula e a entrada de 2 íons potássio (Figura 8), utilizando uma molécula de ATP e um íon Mg+2 como co-fator na fosforilação da enzima (Horisberger, 2004; Massui, 2005).

Figura 8. Diagrama esquemático do funcionamento da Na+/K+-ATPase. (1) O ATP e 3 Na+

se ligam no sítio específico da enzima, (2) a enzima é fosforilada pelo ATP ocorrendo à mudança conformacional (E1) e o sítio para o sódio se torna exposto para a superfície extracelular. As moléculas de sódio, agora com baixa afinidade pela enzima são liberadas e (3) 2 K+ extracelular se ligam no sítio de ligação com alta afinidade. (4) A enzima é

desfosforilada e corre outra mudança conformacional (E2) e (5) os íons potássio são levados para o interior celular. (Adaptado de Cummings, B. – Pearson Education, Inc)

O gradiente iônico entre o meio externo e o fluido extracelular de peixes é mantido por células branquiais especializadas, as células-cloreto. Essas células são caracterizadas pelos altos níveis de NKA (Perry, 1997; Karnaky, 1998; Choe et al., 1999). Muitos pesquisadores já mostraram que a abundância e atividade da NKA nas brânquias são alteradas quando a concentração de íons muda no ambiente aquático (Kamiya e Utida, 1968; Thomson e Sargent, 1977; Epstein, 1980; Shikano e Fujio, 1998). Os xenobióticos podem alterar a atividade da enzima por interrupção da produção de energia em vias metabólicas ou interagindo diretamente sobre a enzima (Sancho et al., 1997; Agrahari e Gopal, 2008). Assim, a enzima NKA pode efetivamente ser utilizada como um indicador da competência osmorregulatória (Shikano e Fujio, 1998).

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