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1. Introdução

1.2. Biomateriais

A primeira definição do que é um biomaterial surgiu na Conferência de Consenso sobre Definições em Biomateriais, promovida em Chester (Inglaterra) em 1986 pela Sociedade Europeia para Biomateriais: “Material inerte utilizado em um dispositivo médico, destinado a interagir com sistemas biológicos”.56 Essa definição

pode ser ampliada com a retirada da palavra “médico”, a fim de incluir os materiais que são utilizados em laboratório como, por exemplo, scaffolds para o crescimento de células em culturas (in vitro). Para a definição tornar-se mais abrangente ainda, a palavra “inerte” também poderia ser retirada, dando espaço para a inclusão de modernos materiais híbridos feitos com células vivas.57 Em 1991 aconteceu a 2ª

Conferência de Consenso sobre Definições em Biomateriais, onde a definição de biomaterial foi atualizada para “Material destinado a estabelecer uma interface com sistemas biológicos para avaliar, tratar, aumentar ou substituir algum tecido, órgão ou função do corpo”. Essa definição é similar àquela proposta pelo National Institutes of Health (NIH) dos EUA: “Qualquer substância (que não um fármaco) ou combinação de substâncias, de origem sintética ou natural, que pode ser usada por qualquer período de tempo, como um todo ou como parte de um sistema, destinada a tratar, aumentar ou substituir algum tecido, órgão ou função do corpo”.58

Acompanhando a rápida evolução que a ciência de biomateriais tem experimentado, especialmente nas últimas décadas, uma definição mais atual foi proposta por Williams em 2009: “Um biomaterial é uma substância que foi projetada para tomar uma forma que, sozinha ou como parte de um sistema complexo, é usada para direcionar, pelo controle de interações com componentes de sistemas vivos, o curso de algum procedimento terapêutico ou de diagnóstico, em humanos ou em animais”.59 Outro conceito de extrema importância nessa área é o de

biocompatibilidade, definido por Williams como a “habilidade que um material tem de realizar sua função com uma resposta apropriada do hospedeiro em uma aplicação específica”,60 ou seja, a atuação pretendida do material não deve induzir uma resposta

hostil do hospedeiro, como a formação de coágulos/trombos de sangue, instalação de um quadro inflamatório ou processos de cicatrização anormais. A biocompatibilidade é, na maioria das vezes, considerada como uma propriedade intrínseca de um material, mas isso não é completamente verdade, pois o ambiente biológico particular onde um biomaterial está inserido relaciona-se diretamente com o tipo de resposta

que ele pode desencadear. A interface entre um biomaterial e um sistema biológico é dinâmica, onde um é modificado pelo outro. Logo, não só o biomaterial provoca uma resposta do corpo como o oposto também ocorre.61

Os biomateriais podem ser classificados de inúmeras maneiras, por exemplo em relação ao tipo de material utilizado na sua fabricação. Tais materiais podem ser divididos em três grandes classes: metais ou ligas metálicas, polímeros (orgânicos ou inorgânicos) e cerâmicas (incluindo vidros). Adicionalmente, duas outras classes podem ser incluídas, a dos materiais construídos a partir de células/tecidos vivos e a dos compósitos, os quais são obtidos a partir do uso combinado dos materiais das classes já citadas.57

1.2.1. Biomateriais poliméricos

A classe de biomateriais poliméricos é a mais ampla e vem rapidamente substituindo os biomateriais metálicos e cerâmicos devido à sua versatilidade e vantagens inerentes.62 Atualmente, os biomateriais feitos a partir de polímeros

representam mais da metade do mercado de biomateriais. Os polímeros têm propriedades únicas quando comparados com metais e cerâmicas, como a baixa densidade e facilidade de fabricação e transformação, e existem em uma grande variedade de composições com propriedades físicas e mecânicas que podem ser moduladas pela sua estrutura, arranjo molecular, tamanho das cadeias (massa molar), grau de cristalinidade e transições térmicas.63 Os polímeros utilizados em biomateriais

são majoritariamente orgânicos e, independente de serem naturais ou sintéticos, podem ou não ser biodegradáveis. Dependendo da aplicação à qual o biomaterial é destinado pode-se optar por termoplásticos, termofixos ou elastômeros.64

O uso de polímeros biodegradáveis em biomateriais oferece muitas vantagens, especialmente no caso de implantes temporários, por eliminar a necessidade de uma segunda cirurgia para retirada do implante. Neste caso, o biomaterial vai sendo gradativamente degradado (hidroliticamente e/ou por ação de enzimas), até desaparecer completamente do organismo após ter concluído sua função terapêutica, ou seja, ter possibilitado ao tecido circundante restabelecer sua função de forma autônoma.62 Antigamente, o uso de polímeros não biodegradáveis

nesses implantes era um fator de risco, por causa da ocorrência de complicações tardias, muitas vezes causadas pela baixa hemocompatibilidade e natureza

trombogênica (tendência de induzir a formação de coágulos/trombos em contato com o sangue) da superfície do biomaterial. Essa situação era contornada, tradicionalmente, pela administração sistêmica de anticoagulantes por longos períodos.42,65 Um dos principais exemplos de dispositivo de implante que vem sendo

investigado para confecção ou recobrimento usando polímeros biodegradáveis são os stents intracoronários, os quais são tradicionalmente metálicos.66 Uma versão de stent

feita inteiramente de poli(ácido L-láctico), PLLA, foi aprovada pela Food and Drug Administration (FDA) dos EUA em 2016 e chegou a ser comercializada pela empresa norte-americana Abbott Vascular, Inc., com o nome de ABSORB Bioresorbable Vascular Scaffold (BVS), sendo um modelo extensivamente estudado e reportado na literatura médica.67

Os polímeros biodegradáveis são, em sua maioria, polímeros degradáveis hidroliticamente, por possuírem em sua estrutura química ligações (grupos funcionais) suscetíveis à hidrólise, como ésteres, anidridos, amidas, entre outros.68 Alguns

importantes requisitos a serem considerados no desenvolvimento de biomateriais feitos a partir de polímeros biodegradáveis são: o tempo de degradação do material, que deve coincidir com o tempo ideal requerido para que a sua função terapêutica seja realizada adequadamente; os produtos gerados na degradação hidrolítica do polímero, que não devem ser tóxicos, mas sim aptos a serem prontamente metabolizados ou excretados do organismo; e a variação nas propriedades mecânicas do material durante o processo de degradação do polímero, que não deve torná-lo incompatível com a aplicação para qual foi originalmente projetado.69

1.2.2. Biomateriais poliméricos como plataformas para liberação de NO

Os biomateriais poliméricos também são preferencialmente utilizados como plataformas para a liberação localizada e/ou controlada de agentes terapêuticos, já que os polímeros apresentam propriedades propícias à incorporação de fármacos.70

Neste cenário, a liberação controlada/continuada de NO é uma possibilidade promissora para associar a dispositivos médicos de implante e de contato sanguíneo feitos a partir de polímeros biodegradáveis.71,72 A função original do biomaterial passa

a ser, então, combinada com as propriedades terapêuticas do NO, as quais auxiliam no processo de integração tecidual no local do implante, ao mesmo tempo que inibe a agregação plaquetária (ação antitrombogênica) e previne infecções.45,73,74

As estratégias para liberação de NO a partir de matrizes poliméricas podem ser agrupadas em três classes: (i) incorporação física de doadores de NO de baixa massa molar, principalmente NONOatos e RSNO, por solubilização ou dispersão (dependendo da solubilidade do doador de NO no polímero); neste caso, tanto o NO pode ser liberado da matriz através da decomposição do doador de NO dentro do polímero, quanto o próprio doador de NO pode ser eluído para o sangue e se decompor posteriormente; (ii) funcionalização das cadeias poliméricas com grupos doadores ou precursores de NO ligados covalentemente (quimicamente); e (iii) incorporação de espécies contendo átomos ou íons metálicos, como nanopartículas ou estruturas metal-orgânicas (MOFs) de cobre, cuja exposição/liberação dos íons no local almejado irá catalisar a liberação de NO a partir das espécies endógenas que circulam pelo corpo e funcionam como reservatórios de NO (compostos que são ou contêm a funcionalidade RSNO, como a GSNO ou a AlbSNO). Neste último caso diz- se que a matriz polimérica é geradora de NO, e não liberadora.38,42,73-77 Essas três

estratégicas estão, ilustrativamente, esquematizadas na Figura 5.

Figura 5. Ilustração de três diferentes estratégias para liberação de NO a partir de

matrizes poliméricas, incluindo (a) incorporação de doadores de NO por solubilização ou dispersão, (b) funcionalização do polímero com grupos doadores ou precursores de NO ligados quimicamente e (c) geração de NO a partir de espécies RSNO endógenas via catálise mediada por íons metálicos contidos no polímero. Adaptado de Wo et al.73 com permissão. Copyright © 2016 Royal Society of Chemistry.

(a)

(b)