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4. DIGESTÃO ANAERÓBIA

4.1.1. Bioquímica do metabolismo acidogênico

Incialmente, os compostos orgânicos complexos (carboidratos, lipídeos e proteínas) se hidrolisam por exoenzimas em compostos orgânicos simples (monossacarídeos, ácidos graxos, glicerol e aminoácidos) que podem penetrar a membrana celular das bactérias fermentativas (Bitton, 2005; Chernicharo, 2007). Esses substratos fermentáveis se catabolizam em um metabolismo quimioorganotrófico produzindo substâncias reduzidas para atingir o balanço redox (Madigan et al., 2015) por meio de uma primeira fermentação denominada acidogênese. Os produtos excretados pelas células são ácidos orgânicos (acético, láctico, butírico, propiônico, fórmico, entre outros), álcoois (etanol, butanol, metanol, glicerol, isopropanol, propanol), cetonas (acetona), dióxido de carbono (CO2, HCO3, CO32–),

hidrogênio (H2), amoníaco (NH3, NH4+), sulfeto (H2S, HS) e novas células bacterianas

(Bitton, 2005; Chernicharo, 2007). A acidogênese se realiza por um grupo amplo e diverso de bactérias anaeróbias facultativas e anaeróbias estritas usualmente pertencentes ao gênero

Clostridium (Chernicharo, 2007), mas que abrange outros gêneros como Acetobacterium, Lactobacillus, Leuconostoc, Propionibacterium e Streptococcus (Madigan et al., 2015),

Os processos acidogênicos mais comuns envolvem a produção de butirato, lactato, propionato, acetato e etanol a partir da glicose.

O butirato é o principal produto da fermentação em algumas espécies do gênero

Clostridium (Madigan et al., 2015). Inicialmente a glicose é convertida em piruvato pela

glicólise, na qual se geram poder redutor (NADH) e energia química (ATP) por fosforilação a nível de substrato. Posteriormente, o piruvato é transformado em acetil-CoA e dióxido de carbono como subproduto na descarboxilação oxidativa. Nesta reação redox, pela conversão de cada piruvato, se produzem dois elétrons que passam à ferredoxina diretamente ou indiretamente por meio do NADH, e produzem hidrogênio (H2) por meio de uma hidrogenase bidirecional (Valdez-Vazquez & Poggi-Varaldo, 2009) que catalisa a Reação 43:

2H++ 2Fd

RED ⇌ H2+ 2FdOX Reação 43

Dentre todos os produtores de hidrogênio, as hidrogenases são um grupo generalizado de enzimas oxidorreductases que produzem hidrogênio (H2) como um mecanismo de eliminação do excesso de elétrons no metabolismo (Boichenko, Greenbaum & Seibert, 2004). As hidrogenases presentes em bactérias anaeróbias e arqueias são inibidas pela presença de oxigênio (O2) ou por elevadas concentrações de hidrogênio (H2) (Dasgupta et al., 2010; Valdez-Vazquez & Poggi-Varaldo, 2009).

Como esta, fermentação, algumas outras produzem hidrogênio (H2) para facilitar o balanço redox do processo metabólico (Madigan et al., 2015). Por fim, a acetil-CoA é transformada em butirato com a geração de energia química adicional pela fosforilação a nível de substrato e consumindo o poder redutor produzido na glicólise. A fermentação de glicose a butirato é apresentada na Figura 2.

Espécies do gênero Streptococcus e alguns Lactobacillus produzem lactato como único produto da fermentação (fermentação homoláctica), enquanto espécies do gênero

Leuconostoc e alguns Lactobacillus produzem lactato e outros produtos, principalmente

etanol (fermentação heteroláctica) (Madigan et al., 2015). Na fermentação homoláctica, inicialmente a glicose é convertida em piruvato pela glicólise e se produzem energia química

(ATP), por fosforilação a nível de substrato, e poder redutor (NADH); este último é consumido posteriormente durante a transformação do piruvato em lactato. Na fermentação heteroláctica, inicialmente a glicose é transformada em pentose fosfato e dióxido de carbono, com produção de poder redutor (NADH) e consumo de energia química (ATP). A partir da pentose fosfato se produzem acetilfosfato e triose fosfato. A triose fosfato forma posteriormente piruvato com geração de poder redutor (NADH) e energia química (ATP) por fosforilação a nível de substrato. Finalmente, o piruvato é convertido em lactato com o consumo do poder redutor produzido na reação anterior. Nestas reações, a redução do acetilfosfato a etanol usa o poder redutor produzido na formação da pentose fosfato para atingir o balanço redox (Madigan et al., 2015). Ambos os processos se apresentam na Figura 3.

Figura 2. Fermentação de glicose para produção de butirato.

Se a enzima PFR atua no processo, a transferência de elétrons pode ser direta à ferredoxina. Se essa transferência se realiza por meio do NADH, a enzima FNR ou uma similar deve estar presente na transferência de elétrons do NADH à ferredoxina. A figura detalha o processo catabólico. No processo anabólico de, por exemplo, a formação de novas células, se produz um intermediário energético como acetil-CoA. NADH e NAD+: Forma reduzida e oxidada, respetivamente, da nicotinamida adenina dinucleótido. FdRED e FdOX: Forma reduzida e oxidada, respetivamente, da ferredoxina. PFR: Piruvato ferredoxina oxidorredutase. FNR: Ferredoxina NAD(P)+ redutase. HIDB: Hidrogenase bidirecional.

Figura 3. Fermentação de glicose para produção de lactato.

a) Fermentação homoláctica com duas moléculas de lactato a partir de uma molécula de glicose. b) Fermentação heteroláctica com uma molécula de lactato e uma de etanol a partir de uma molécula de glicose. A figura detalha o processo catabólico. No processo anabólico de, por exemplo, a formação de novas células, se produz um intermediário energético como acetil-CoA.

Por outro lado, para complementar os processos acidogênicos mais comuns a partir de glicose, alguns gêneros como Acetobacterium produzem acetato com glicose como substrato. A glicose, como em outros metabolismos, é convertida em piruvato pela glicólise, na qual se geram poder redutor (NADH) e energia química (ATP) por fosforilação a nível de substrato. Posteriormente o piruvato é transformado em acetil-CoA e dióxido de carbono como subproduto na descarboxilação oxidativa, e, por fim a acetil-CoA é transformada em acetato. Nestas últimas transformações se geram poder redutor e energia química adicionais; a última, pela fosforilação a nível de substrato. Para atingir o balanço redox, o poder redutor gerado no processo global pode-se usar por uma hidrogenase bidirecional para produzir hidrogênio (H2) por meio da ferredoxina (Reação 43). A produção de acetato a partir da glicose é apresentada na Figura 4.

Finalmente, espécies do gênero Propionibacterium e alguns Clostridium produzem propionato como principal produto da fermentação de glicose (fermentação primária) ou, essencialmente, de lactato (fermentação secundária) (Madigan et al., 2015). Quando a glicose é o substrato, primeiro é catabolizado pela glicólise até piruvato; mesmo produto inicial quando o substrato é o lactato (Madigan et al., 2015). O piruvato posteriormente é

transformado em dióxido de carbono e acetil-CoA (descarboxilação oxidativa) ou propionil- CoA, que finalmente se convertem em acetato e propionato, respetivamente. Na produção de acetato se produz poder redutor (NADH) e energia química (ATP) por fosforilação a nível de substrato, enquanto na transformação em propionato é consumido o poder redutor gerado nas transformações anteriores, atingindo o balanço redox, e é produzida energia química, mas, neste caso, por fosforilação oxidativa a partir da força próton-motriz. Poder redutor para produzir propionato pode também se obter pela oxidação de hidrogênio (H2) por meio de uma hidrogenase bidirecional (Valdez-Vazquez & Poggi-Varaldo, 2009), por meio da ferredoxina, pela reação inversa da Reação 43. Estes processos fermentativos de produção de propionato são apresentados na Figura 5.

Figura 4. Fermentação de glicose para produção de acetato (fermentação homoacética).

São produzidas duas moléculas de acetato e quatro de hidrogênio por molécula de glicose. Este rendimento é o máximo teórico, mas por processos catabólicos desconsiderando os processos anabólicos. Se a enzima PFR atua no processo, a transferência de elétrons pode ser direta à ferredoxina. Se essa transferência se realiza por meio do NADH, a enzima FNR ou uma similar deve estar presente na transferência de elétrons do NADH à ferredoxina. A figura detalha o processo catabólico. No processo anabólico de, por exemplo, a formação de novas células, se produz um intermediário energético como acetil-CoA. PFR: Piruvato ferredoxina oxidorredutase. FNR: Ferredoxina NAD(P)+ redutase. HIDB: Hidrogenase bidirecional.

Figura 5. Fermentação de lactato para produção de propionato.

a) Fermentação “heteropropiónica” com duas moléculas de propionato e uma de acetato a partir de três moléculas de lactato. b) Fermentação “homopropiónica” com uma molécula de propionato a partir de uma molécula de lactato com consumo de hidrogênio pela HIDB para fornecer o poder redutor. A figura detalha o processo catabólico. No processo anabólico de, por exemplo, a formação de novas células, se produz um intermediário energético como acetil-CoA. Na transformação de piruvato em propionil-CoA, a figura expressa a produção de energia química (ATP) pela fosforilação oxidativa a partir da força próton-motriz. FNR: Ferredoxina NAD(P)+ redutase. HIDB: Hidrogenase bidirecional.