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2. O panorama boliviano em segurança humana e segurança alimentar

2.1. Bolívia e a segurança humana

Em 1994, o PNUD realizou o primeiro estudo de segurança humana na Bolívia, no qual se identificaram os riscos mais importantes que enfrentam os bolivianos. Este relatório afirma que se os problemas de pobreza e exclusão social não forem tratados seriamente, se poderia chegar a um caos geral. Também afirma que a sociedade boliviana se caracteriza por ter fortes laços sociais48; que as relações de solidariedade e valores primários limitam os processos de desintegração e oferecem uma dimensão humana à pobreza; e afirma que existe uma grande desigualdade no IDH, diferenciado por graus de urbanização, gênero e níveis de educação. (JICA, 2006, 9).

No ano 1996, logo depois que o conceito foi introduzido em 1994 pelo PNUD, o Programa Nacional de Governabilidade da Vice-presidência da República (PRONAGOB), junto com o PNUD Bolívia e o Instituto Latinoamericano de Pesquisas Sociais (ILDIS), publicaram o livro “A segurança humana na Bolívia: percepções políticas, sociais e econômicas dos bolivianos de hoje”, que mostrava o panorama e os novos desafios no que diz respeito a segurança humana, evidenciando assim a adoção do conceito por parte do governo e os atores sociais.

50 É assim que, hoje, o governo boliviano se preocupa e toma ações em várias dimensões e vai avançando no tema. Por exemplo, dentro da governabilidade49,

através da política de planejamento participativo, foram criados espaços de confraternização entre as comunidades e os governos municipais que, por meio dos processos coletivos, elaboram os Planos de Desenvolvimento Municipal (PDM) e o Plano Operacional Anual (POA), onde se refletem as necessidades da população para prevenir problemas posteriores (JICA, 2006; 8-9).

Dentro da segurança econômica, embora a Bolívia tenha crescido economicamente, os seus resultados não chegam à maioria da população. Pode-se perceber que um dos pilares da economia boliviana, a exploração dos recursos naturais, gera acúmulo de excedentes entre poucos e resulta numa distribuição “injusta” dos recursos, dando lugar a uma economia de “base estreita”. Neste sentido, as ações são dirigidas ao incentivo a micro e pequenos empresários que possam aumentar a produtividade e diversidade de produtos, mediante capacitação e acesso a novas tecnologias (JICA, 2006; 10).

Diante disso, a situação econômica boliviana se reflete nos indicadores econômicos. Segundo a CEPAL, a Bolívia possui um PIB per capita de 2.625 dólares americanos e um PIB de 27.035 milhões de dólares americanos, que representa apenas 0,5% do PIB regional, colocando a Bolívia no último lugar entre os países sul americanos em relação ao PIB. A taxa anual de desemprego tem um comportamento relativamente estável, que vai de 3,1 em 1994 e chega a 5,8 em 2011, com apenas um pico no ano 2003 de 9,2. Este comportamento coloca a Bolívia dentro da média dos países da região50, sendo que a porcentagem de ocupados no setor informal do mercado de

trabalho é de 58,6% em 2009. Na Bolívia, 42,2% da população são pobres e o 22,4% são extremamente pobres51, de forma que 43% destas pessoas vivem nas regiões rurais. A porcentagem de pessoas sem renda própria são o 37,8% das mulheres e 11,1% dos homens.

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Processo em que atores sociais e políticos de uma sociedade interatuam, o bom governo se entende porque essa relação entre sociedade civil e estado seja positiva e leve à eficiência.

50 Dados da Comissão Econômica para América Latina (CEPAL), http://estadisticas.cepal.org acessado em

18/06/2013

51 O endividamento do país, atualmente, representa 4.19652 milhões de dólares

americanos, dos quais 3.04053 milhões são as dívidas multilaterais que tem com o

principal credor a Corporação Andina de Fomento (CAF). O restante trata-se de dívidas bilaterais, principalmente com a China e a Venezuela. É muito importante destacar que, embora as dívidas externas diminuíram ao longo dos anos devido, em grande medida, ao perdão de 2.91554 milhões de dólares americanos pelo G8 em 2005, as dívidas com países como China e Venezuela aumentaram exponencialmente, de forma que estes países se transformaram em importantes credores na dívida bilateral. No caso da China, o montante de dívida vai desde 19,555 milhões de dólares em 2002 até 29,456 milhões de dólares em dez anos (2012). Já com Venezuela, o valor parte de zero milhões de dólares em 2002 até 159,8 milhões de dólares atualmente, atingindo um pico no ano 2011 de 416,9 milhões de dólares. É relevante também o fato de que, segundo a CEPAL, o comportamento da dívida interna é crescente nos últimos anos.

Embora seja de extrema importância a situação econômica do país, o desenvolvimento social (saúde, educação e serviços básicos) também são importantes para a segurança humana, já que esta tem o objetivo de garantir a vida com segurança e dignidade, sem pobreza e desesperança, de modo que, para isso, as pessoas devem também ter um ambiente de boa saúde e boa educação.

No âmbito da segurança da saúde, constata-se que a prioridade dos governantes em atingir alguma estabilidade econômica resultou num certo esquecimento sobre os problemas de saúde da população. O relatório do PNUD (1994), 80% das pessoas expressaram ter medo a ficarem doentes devido à falta de recursos econômicos para enfrentar uma doença e à falta de facilidades médicas, clínicas e hospitalares.

É assim, que, para tentar eliminar as fronteiras econômicas ao acesso à saúde, em 1996 o governo cria o Seguro Nacional de Maternidade e Crianças (SNMN)57 cujo objetivo era reduzir 50% a mortalidade materna e infantil. Em 1998, o Seguro Básico 52www.bcb.gov.bo acessado em 18/06/2013 53 Idem 54 idem 55 idem 56 idem

52 de Saúde (SBS) substitui o SNMN para ampliar a cobertura e atender melhor a população. Em 2003 é criado o Seguro Único Materno Infantil, que além dos serviços de saúde básicos que prestavam os anteriores, incluem também a cobertura de serviços de alta complexidade tanto para as crianças como para as mães58.

Finalmente, em 2009, como parte do Programa de Proteção Social Mãe Criança, o governo cria a bolsa “Juana Azurduy”, promovendo a transferência de 1.800 bolivianos em 33 meses aos seus beneficiários. O objetivo da bolsa é melhorar a saúde integral e nutrição das mulheres grávidas e das crianças menores de dois anos. Em outras palavras, busca-se reduzir a mortalidade materna infantil, mediante o acesso a atendimento pré e pós-parto.

Visando atender também outras parcelas da população, já em 2006 é criado o Seguro de Saúde para o Idoso (SSPAM)59, destinado a pessoas de mais de 60 anos de idade. Atualmente, se encontra em fase de aprovação, embora com muitas dificuldades, o Sistema Único de Saúde, que tem como público alvo a totalidade dos bolivianos e como base a universalidade, integridade, solidariedade, equidade, promoção da saúde, interculturalidade e participação social na gestão. Em resumo, se mostra uma preocupação constante e histórica por parte dos governos bolivianos em temas de saúde60.

O panorama em saúde pode ser resumido pelos indicadores principais como a taxa de natalidade que chega a 24,6% em 2013, a taxa de mortalidade de 7,1% em 2012, a esperança de vida que é de 67 anos, a proporção da população que está abaixo do nível mínimo de consumo de energia alimentaria que é de 24.1% em 2012, e finalmente a porcentagem do PIB utilizado em gasto público pelo governo que é de 4,8%61.

Segundo o relatório do PNUD (1994), aproximadamente o 12,4% da população pensam emigrar, e possivelmente esta tendência é crescente nos últimos anos, já que as condições de vida, para a maior parte da população, diminuíram em

58http://seguros.sns.gob.bo acessado 10/06/2013

59 No original, a sigla SSPAM significa Seguro de Salud para el Adulto Mayor 60

http://seguros.sns.gob.bo/ acessado em 10/06/2013

53 qualidade. As razões principais para migrar do país são o desemprego e os baixos salários. Na realidade, o maior problema é o subemprego62, que gera baixa

produtividade e renda (JICA, 2006; 14). No entanto, segundo dados da CEPAL, pode se constatar que a migração alcançou o nível máximo entre os anos 2005 a 2010, com um índice de 3,4 por mil. Embora este valor seja menor para o período 2001 a 2013, ainda é prematuro dizer se existiu ou não um avanço significativo porque a melhora é muito pequena (3,13 por mil) e os dados deste período ainda são preliminares.

No âmbito da educação, ao relacionar com os indicadores de idade, pode-se constatar, segundo o JICA (2006), que os potenciais migrantes não são os mais pobres e vulneráveis, mas os de estrato educacional médio (64%) e os grupos mais jovens da população (42% estão na faixa etária de15 à 24 anos; e 37% estão entre 25 e 44 anos).

Assim com no caso da saúde, o governo boliviano busca intervir na esfera da educação mediante a criação, em 2006, a chamada bolsa “Juancito Pinto”. O objetivo é incrementar o índice de matrícula escolar e reduzir a desistência, assim como diminuir a transmissão intergeneracional da pobreza. Para isso, a bolsa visa aliviar os custos indiretos da educação pública, como o transporte e material escolar. Trata-se de mais uma transferência monetária condicionada – equivalente a 200 bolivianos anuais por estudante que compareceu as aulas – e destinada às crianças de 8 séries do sistema educacional, sendo que 6 destas, correspondente ao ensino fundamental, e as 2 primeiras séries do ensino médio, nas unidades educativas públicas de todo o país. Tal bolsa ajudou o governo a atingir os indicadores acima descritos.

No âmbito da segurança ambiental, podemos dizer que nos países em vias de desenvolvimento, as ameaças ao meio ambiente podem gerar conflitos sociais, étnicos e problemas políticos, promovendo inclusive uma perigosa escassez de água. O abastecimento deficiente de água potável e a falta de saneamento são

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O subemprego é a situação em que uma pessoa qualificada para um determinado trabalho, ocupação ou cargo numa empresa não está plenamente inserida, porque é obrigada (pelas circunstâncias e/ou condições de mercado) a trabalhar em lugares que precisam de menos qualificação do possui, resultando em uma renda menor aquela que poderia receber.

54 responsáveis pela contaminação e a transmissão de doenças. Neste sentido, uma pesquisa do PNUD concluiu que na Bolívia ainda não existe uma consciência clara sobre os riscos da degradação da terra e do meio ambiente. Ao contrário, há uma consideração errônea de que os recursos naturais são ilimitados, de forma a não se construir uma posição contundente que vise barrar a depredação do meio ambiente em áreas de desenvolvimento econômico (JICA, 2006, 16-17).

Para compreendermos de forma mais concreta o panorama da Bolívia em termos de segurança ambiental, destaca-se que este é um país com uma extensão de 1.098.581 Km2, dos quais 1.083.300 Km2 tratam-se de território terrestre, o restante são águas continentais. A superfície terrestre coberta por florestas representa 52,7%, a superfície agrícola é de 373.500 Km2, dos quais apenas 37.350 Km2 são terras aráveis, e 2.190 Km2 são terras destinadas a cultivos permanentes, de forma que o restante são prados e pastagens. O uso de fertilizantes representa uma tonelada por 10.000 Km2 e o uso de praguicidas representa 31.565 toneladas.

A proporção de áreas terrestres e marítimas protegidas são de 15,5% do território nacional, até o ano 2010. A proporção dos recursos hídricos utilizados é de 0,3% do total, a produção pesqueira corresponde a 6.946 toneladas por ano e a produção aquícola total é de 856 toneladas por ano63.

As medidas do governo boliviano para proteção do meio ambiente podem ser constatadas através da assinatura e adesão de inúmeros acordos multilaterais ambientais como, Ramsar (1990), Patrimônio (1976), CITES (1979), Espécies Migratórias (CMS) (2003), Direito ao mar (1995), Viena (1994), Montreal (1994), Basiléa (1996), Biodiversidade Biológica (1994), Mudança Climática (1994), Desertificação (UNCCD) (1996), Kyoto (1999), Rotterdam (2003), Cartagena (2002) e Estocolmo (2003)64.

De uma maneira geral, o panorama de insegurança humana na Bolívia é bastante ambíguo, com melhoras (mesmo pequenas) em algumas dimensões e pioras em outras. Por isso, a análise da segurança humana propriamente dita é uma tarefa muito complexo e até hoje não existe um estudo que contemple a totalidade das dimensões em segurança humana de maneira empírica, com dados objetivos. Na

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http://estadisticas.cepal.org acessado 18/06/2013

55 seguinte seção desta pesquisa, trataremos do panorama geral da segurança alimentar na Bolívia.