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CAPÍTULO I De que esporte estamos falando?

1.3 Bola dividida: o papel das políticas sociais dentro da tensão entre capital e

A mão que afaga é a mesma que apedreja...

Augusto dos Anjos “Bola dividida” é uma situação dentro da partida de futebol que, comumente, envolve indecisão e risco. Indecisão quanto a quem pertence a posse da bola após a colisão (divisão) e o risco de lesão para os jogadores envolvidos na disputa. Metaforicamente esse cenário ilustra as idiossincrasias das políticas sociais no âmbito da sociedade capitalista. Ademais, indecisão e risco são aspectos que permeiam as análises de temáticas multifacetadas e carregadas de paradoxos.

Uma condição paradoxal inicial, identificada por Pereira-Pereira (2009a), refere- se à discrepância entre a efusiva atenção dada à temática da política social e o contexto social amplamente desfavorável em que esse debate se desenvolve. A política social é um tema constantemente mencionado no âmbito acadêmico e no discurso político, porém, a peculiaridade está no fato da ênfase na dimensão social e pública desse tipo de política ocorrer em um período dominado pela ideologia neoliberal que preconiza uma visão minimalista de ação governamental nesse campo.

Bielschowsky (2012), analisando os contrassensos da política social no âmbito do Governo Federal, afirma não ser surpreendente a presença de tendências contraditórias, uma vez que vivenciamos um momento de disputa entre códigos intrínsecos ao neoliberalismo – como, por exemplo, o individualismo de mercado – e à defesa dos preceitos constitucionais.

Destarte, neste tópico, para além da indissociabilidade entre política econômica e social – abordada anteriormente – destacaremos o caráter dialeticamente contraditório ostentando pelas políticas sociais. Característica esta herdada das contradições inerentes ao Estado capitalista, cuja ação atende majoritariamente os interesses da classe dominante, sem, contudo, abandonar a totalidade das demandas sociais, haja vista a necessidade de consubstanciar sua universalização. Face ao exposto, temos um Estado que, ao mesmo tempo, é capaz de fomentar a exploração dos trabalhadores e acolher suas reivindicações.

Poulantzas (2000) entende que a natureza de classe do Estado não se caracteriza pela homogeneidade, mas sim pelo caráter relacional, o que possibilita a inscrição permanente das classes dominadas na própria ossatura material do Estado. Para

Poulantzas (2000: 147), o Estado deve ser compreendido como uma relação, “mais exatamente como a condensação material de uma relação de forças entre classes e frações de classe, tal como ele expressa, de maneira sempre específica, no seio do Estado”.

A feição heterogênea do Estado reverbera na própria política do Estado, determinando sua organização específica. Neste sentido, Neves e Pronko (2010) afirmam que a política de Estado, embora pareça incoerente e caótica, constitui-se na materialização do processo efetivo de contradições internas, configurando o Estado como lugar de organização estratégica da classe dominante.

O Estado organiza e reproduz a hegemonia de classe ao fixar um campo variável de compromissos entre as classes dominantes e classes dominadas, ao impor muitas vezes até às classes dominantes certos sacrifícios materiais a curto prazo com o fim de permitir a reprodução de sua dominação a longo termo (POULANTZAS, 2000: 213).

Pressupomos que é no interior desse espectro contraditório e amórfico do Estado capitalista que a política social se insere. Segundo Faleiros (2007), há uma ampla gama de interpretações sobre os múltiplos papeis desempenhados pelas políticas sociais em diferentes contextos histórico-sociais.

As políticas sociais ora são vistas como mecanismos de manutenção da força de trabalho, ora como conquistas dos trabalhadores, ora como arranjos do bloco no poder ou bloco governante, ora como doação das elites dominantes, ora como instrumento de garantia do aumento da riqueza ou dos direitos do cidadão (IDEM, IBIDEM: 8).

O papel exercido pelas políticas sociais é determinado pelas ideias dominantes de cada época, bem como pela visão de mundo e pelo projeto político e societário hegemônicos. Neste sentido, acreditamos que para uma compreensão mais apurada da função social e do papel histórico das políticas sociais, faz-se necessário um resgate histórico e uma análise conjuntural que se iniciem por uma incursão à gênese dessas políticas.

Segundo Höfling (2001), Offe e Lenhardt colocam em xeque duas interpretações da ciência política acerca do surgimento das políticas sociais. A primeira explica a origem da política social estatal por meio da teoria dos interesses e das necessidades, engendrados pelas reivindicações políticas advindas da organização dos trabalhadores assalariados. Já a segunda vincula o aparecimento da política social às imposições do processo de produção capitalista e suas exigências funcionais. Diferentemente de tais interpretações, Offe (1984, apud HÖFLING, 2001:34) defende a tese de que:

[...] para a explicação da trajetória evolutiva da política social, precisam ser levadas em conta como fatores causais concomitantes tanto exigências quanto necessidades, tanto problemas da integração social quanto problemas da integração sistêmica (Lockwood), tanto a elaboração política de conflitos de classe quanto a elaboração de

crises do processo de acumulação (grifos do autor).

Pereira-Pereira (2009a) afirma que a legislação do seguro social – promovida pela Alemanha Imperial de Bismarck durante o século XVIII – constituiu o embrião do reconhecimento pelo poder público de que a pobreza era um corolário do funcionamento do próprio sistema capitalista. Tratava-se, portanto, de uma organização inaudita em comparação com as legislações anteriores, particularmente as Leis dos Pobres inglesas (Poor Laws). Não obstante o destaque deste momento singular na ontogênese das políticas sociais, Pereira-Pereira (2009a) ressalta que:

[...] a política social só ganhou densidade institucional e dimensão cívica quando o Welfare State que, para muitos, começou a ser formado na Europa, no último terço do século XX como a instituição diretamente responsável pelo atendimento de necessidades sociais agravadas pelo inexorável desenvolvimento capitalista (IDEM, IBIDEM: 59).

Considerando os limites do presente estudo, não se pretende neste capítulo desenvolver um estudo aprofundado sobre os diferentes modelos e as distintas características assumidas pelo Estado de Bem-Estar, especialmente nos países centrais. Entretanto, é importante ressaltar que a depender do contexto nacional em que se insere, é mister reconhecer a existência de um rol variado de arquétipos de Welfare State (vide Quadro 1), o que inviabiliza a existência de um modelo único e universal de Estado de Bem-Estar. Por conseguinte, é possível identificar aqueles Estados que conseguem promover satisfatórias condições de bem-estar social e outros que – a despeito da qualificação, dos gastos despendidos e das ações sociais realizadas – não apresentam o mesmo desempenho37.

37 Para maiores informações sobre os diferentes regimes de Bem-Estar social, recomenda-se a leitura de Esping-Andersen (1991) e Abrahamson (1995).

Quadro 1 – Resumo das principais características dos diversos tipos de regimes de Welfare State nos

países centrais.

Regime wfs Liberal Regime wfs Social-

Democrático Conservador Regime wfs Funções por Segmento

Social:

Família Marginal Marginal Central

Mercado Central Marginal Marginal

Estado Marginal Central Subsidiário

Welfare State:

Unidade social da

solidariedade Indivíduo Coletividade Parentesco, corporações e Estado Local prevalecente da

solidariedade Mercado Estado Família

Grau de

desmercantilização Mínimo Máximo Alto (p/ trabalhadores chefes de família)

Caso nacional

paradigmático

EUA Suécia Alemanha e Itália

Fonte: adaptado de Esping-Andersen (2000: 146, cf. tab. 5.4).

Destarte, não se deve fazer do Estado de Bem-Estar um objeto de exaustiva análise; não é possível furtar-se da apresentação de aspectos inerentes ao Welfare State que são incorporados às políticas sociais em profusão naquele período. Conforme Mishra (1992, apud PEREIRA-PEREIRA, 2009a), o desenvolvimento do Estado de Bem-Estar social (Estado Social) é a amarração entre três fatores principais, a saber: i) a luta da classe trabalhadora contra a sua exploração; ii) a necessidade do capitalismo industrial em possuir uma força de trabalho cada vez mais produtiva; e, iii) o reconhecimento da classe proprietária de que é necessário pagar o preço pela segurança política do regime.

Para Esping-Andersen (2000), o Estado de Bem-Estar que vigorou durante os “Anos Dourados38” do capitalismo (1945-1975) foi sustentado por quatro grandes pilares, a saber: a) a ideia de solidariedade ou cidadania social, da forma como foi difundida pelos famosos trabalhos de Beveridge e Marshall; b) a difusão da instrução em massa; c) a busca macroeconômica do pleno emprego, duplamente viabilizada pelas políticas keynesianas de demanda efetiva e pela difusão de um sistema corporativista de relações de trabalho, que previa a existência de sindicatos patronais e de trabalhadores fortes e representativos, negociações centralizadas, contratação coletiva e regulação da relação salários reais/produtividade do trabalho, aspectos estes diretamente vinculados à

38 Segundo Fagnani (2012: 10-11), os anos dourados ou gloriosos “trata-se de fase inédita de capitalismo regulado, construída no contexto da bipolaridade entre Estados Unidos e União Soviética, que se consolidou no pós-guerra sob a hegemonia americana. O pacto entre capital e trabalho que foi selado nesse período representou uma inédita possibilidade de se conciliar a propriedade privada dos meios de produção com o planejamento estatal; a gestão mais democrática da economia; e a elevação do padrão de vida dos trabalhadores”.

estruturação do mercado de trabalho; e, d) as práticas de estruturação de interesses e de resolução de conflitos ditadas pela chamada luta de classes democrática.

As particularidades e elementos basilares do Welfare State reproduziram no seu âmago as incoerências do Estado capitalista, consumando um sistema de proteção contraditório capaz de atender simultaneamente a interesses antagônicos, peculiaridade que será compartilhada pelas políticas sociais. Segundo Gough (1982 apud PEREIRA- PEREIRA, 2009a), a transmissão dessas contradições transformou o Estado de Bem- Estar em um instrumento a serviço tanto dos interesses dos capitalistas, quanto das lutas políticas da classe trabalhadora organizada.

Neste sentido é que Faleiros (2007: 80), embora reconheça as políticas sociais como corolário das reivindicações da classe trabalhadora, as conceitua como “formas de manutenção da força de trabalho econômica e politicamente articuladas para não afetar o processo de exploração capitalista e dentro do processo de hegemonia e contra hegemonia da luta de classes”. Por um lado, a classe trabalhadora introduz suas exigências por melhores condições de trabalho nas pautas de luta política pela cidadania e pela reorganização das relações de poder. Por outro lado, o bloco hegemônico, para refrear as demandas trabalhistas, reúne recursos, manobras e alianças visando arrefecer as ameaças, despolitizar as lutas e fragmentar os trabalhadores, conciliando interesses e controlando/cooptando movimentos e entidades de representação. Dentro dessa articulação complexa de forças e pressões, as políticas sociais são asfixiadas em sua capacidade de afetar as condições fundamentais do processo de acumulação.

Para Höfling (2001), em momentos de profunda assimetria nas relações entre capital e trabalho, o Estado age como árbitro a favor da manutenção das relações capitalistas em seu conjunto. Reconhecendo a relevância da ação estatal na garantia da igualdade substantiva e o caráter público das políticas sociais, Pereira-Pereira (2009a) vincula a identidade particular dessas políticas

[...] à política de ação que visa, mediante esforço organizado e pactuado, atender necessidades sociais cuja resolução ultrapassa a iniciativa privada, individual e espontânea, e requer deliberadamente decisão coletiva regida por princípios de justiça social que, por sua vez, devem ser amparados por leis impessoais e objetivas, garantidoras de direitos (IDEM, IBIDEM: 171-172, grifo da autora). É imprescindível ressaltar que, ao reconhecermos a política social como foco da ação estatal, não se pode perder de vista que o Estado capitalista retrata uma dominação de homens sobre homens, que tem na posse legal de usufruto da força sua expressão

mais clara, mas não exclusiva. Historicamente, as formas coercitivas do Estado se diversificaram e se sofisticaram, sendo que, por vezes, se expressam pelo imperativo legal. Afinal, como Leon Tolstoi assevera em A escravidão de nosso tempo, as leis não foram feitas para atender à vontade da maioria, mas sim à vontade daqueles que detêm o poder.

Não podemos deixar de destacar que outra possibilidade coerciva do Estado encontra-se na própria implementação das políticas sociais. A política econômica e social, bem como outras políticas específicas (educacional, de saúde, de assistência social, esportiva etc.) são instrumentos habilmente manipulados pelo Estado para enfrentamento das tensões geradas a partir das contradições do sistema capitalista. Segundo Manning (1999 apud PEREIRA-PEREIRA, 2009a: 172), a política social “envolve o exercício do poder praticado, concomitantemente, por indivíduos, grupos, profissionais, empresários, trabalhadores, entre vários segmentos sociais que tentam influir na sua constituição e direção”.

Após breves considerações sobre os diferentes conceitos e papeis das políticas sociais, faz-se necessário entendermos como tais políticas se configuram na contemporaneidade. É inegável que as mudanças societárias contemporâneas, as mutações no mundo do trabalho39 e a avalanche neoliberal imputaram novas conformações à política social no século XXI.

A partir de meados da década de 1970, as transformações ocorridas no bojo do capitalismo alcançaram uma profundidade e uma velocidade inéditas. A reestruturação produtiva, o desemprego estrutural, a acentuação da desigualdade social, a intensificação do processo de globalização, o crescimento vertiginoso do setor terciário e a hipertrofia do sistema financeiro, são alguns dos desdobramentos de uma profunda crise mundial que, em decorrência das mudanças ocorridas no padrão de acumulação, alteraram aspectos (complexos) da sociedade. Em suma, a crise capitalista não pode ser entendida se não for estudada como totalidade, mas seus impactos mais perceptíveis ocorrem nos complexos social, cultural, econômico e político (HOBSBAWM, 1995).

As transformações societárias recentes engendram uma reformulação dos objetivos e conteúdos básicos, bem como das formas de gestão da política social e do

39 De acordo com Antunes, as consequências das mutações do processo produtivo no mundo do trabalho são: “[...] desregulamentação enorme de direitos do trabalho, que são eliminados cotidianamente em quase todas as partes do mundo onde há produção industrial e de serviços; aumento da fragmentação no interior da classe trabalhadora; precarização e terceirização da força humana que trabalha; destruição do sindicalismo de classe e sua conversão num sindicalismo dócil, de parceria (partnership), ou mesmo em um sindicalismo de empresa” (2009: 53).

Welfare State. Segundo Abrahamson (2004), um novo consenso em torno da política social foi forjado, por meio da ressignificação do Estado de Bem-Estar, rebatizado de pluralismo de bem-estar ou economia mista de bem-estar ou ainda Welfare Mix. De acordo com aquele autor, embora seja possível reconhecer a hegemonia política e ideológica desta nova concepção, existe enorme dificuldade em conceituá-la ou explicá- la.

Abrahamson (2004) identifica três grupos ou correntes interpretativas acerca do pluralismo de bem-estar. São elas: os céticos, a perspectiva neutra e os otimistas. Para os céticos, representados por Norman Johnson (1999) – que em nossa opinião poderiam ser denominados de críticos – as alterações do bem-estar no sentido pluralista engendram as seguintes modificações:

a) cortes nos benefícios e serviços e adoção de critérios de elegibilidade mais limitados; b) aumentos de encargos e co- pagamentos; c) crescente privatização dos cuidados nas residências, pensões, habitação e saúde; d) difusão dos contratos realizados nos Estados Unidos e no Reino Unido para outros países; e) desigualdades e pobrezas crescentes, particularmente nos países fortemente influenciados por filósofos neoliberais e da Europa Central e Leste Europeu, que passam por rápidas mudanças econômicas, políticas e sociais; f) mudanças na estrutura do governo e na natureza do serviço público (JOHNSON, 1999, apud ABRAHAMSON, 2004: 115-116). As consequências listadas anteriormente – por si mesmas – já infirmam a possibilidade de leituras que partam de uma perspectiva neutra ou de uma visão otimista sobre o Welfare Mix. Ao mesmo tempo, é evidente que a ressignificação do Welfare State tem implicações diretas na concepção e organização das políticas sociais.

Essa invisibilidade das mudanças contemporâneas, inclusive na política social, da reação do capital à sua própria crise, num contexto de derrota do projeto dos trabalhadores e de um mundo unipolar, contida no argumento que sustenta a ideia de pluralismo de bem-estar, deixa na sombra questões fundamentais, a exemplo da prioridade dos direitos do capital sobre as pessoas, donde decorre o minimalismo social combinado ao subsídio à demanda por via de programas – pobres e com critérios restritos de acesso – de transferência de renda, subordinando mais uma vez a política social à economia [...] (BEHRING, 2004: 172).

Um exemplo da afirmação apresentada anteriormente se refere à advertência feita por Lima (2008). Ao estudar o Governo Lula, o autor verificou que aquele período governamental foi assinalado pela utilização de uma política pública para a área social que, ao invés de priorizar a criação de postos de trabalho por meio de investimentos produtivos, optou por um modelo de política pública que mantém a indigência e a não

produção de riqueza. Tal opção se cristaliza e se materializano padrão de gasto adotado para o pagamento de benefícios durante o referido governo. De acordo com Lima (2008: 15), o que se observa: “É a produção e reprodução de uma sociedade de indigentes, de pedintes”. Adiante, retomaremos o debate sobre as especificidades das políticas sociais brasileiras.

Após uma trajetória degenerescente, a socialdemocracia, além de renunciar aos princípios revolucionários no início do século XX e se apartar da luta e tradição marxista, passou a trair sua própria estratégia gradualista de reformas de longo prazo, adotando acentuadamente políticas neoliberais a partir dos anos 1980. A guinada neoliberal realizada pela socialdemocracia teve reflexos no âmbito das políticas sociais, alguns deles já sumarizados nos parágrafos anteriores. A solidariedade, o pacto social e a reforma democrática – princípios da noção socialdemocrata de seguridade social – foram preteridos em prol de políticas seletivas e focalizadas, combinadas com a transformação em mercadoria de determinados serviços, pela via da privatização.

A quimera neoliberal, hegemônica a partir de meados da década de 1970, forjou um antagonismo de seus axiomas com o ideário e as instituições do Welfare State40. No âmbito da política social, foram criados alguns pares antinômicos, tais como: focalização versus universalização; privatização versus oferta pública; desregulamentação de mercado versus direitos trabalhistas e sindicais; e Seguro Social versus Seguridade Social.

Segundo Fagnani (2012), o núcleo da agenda antagônica liberalizante – para além da reforma do Estado e dos ajustes macroeconômicos – é composto por proposta de políticas sociais focalizadas na extrema pobreza; pela privatização de bens e serviços na lógica do “Seguro Social”; pela supressão dos direitos trabalhistas e sindicais; e, pela valorização do “capital humano”. Assim como para o combate a algumas doenças cria- se uma vacina com seu próprio vírus, no intuito de combater as enfermidades do neoliberalismo41, acabam por receitar as mesmas formas do neoliberalismo.

40 Anderson (2008) demonstra que, apesar de todas as medidas tomadas para conter os gastos sociais, o neoliberalismo não conseguiu diminuir acentuadamente o peso do Estado de bem-estar. “Embora o crescimento da proporção do produto nacional consumida pelo Estado tenha desacelerado, a proporção absoluta não caiu, mas aumentou, de mais ou menos 46% para 48% do PNB médio dos países da OCDE durante os anos 80. Duas razões básicas explicam este paradoxo: o aumento dos gastos sociais com o desemprego, que custaram bilhões ao Estado, e o aumento demográfico dos aposentados na população, que levou o Estado a gastar outros bilhões em pensões” (IDEM, IBIDEM: 16).

41 Fagnani (2012) afirma que as últimas quatro décadas de capitalismo desregulado deixaram um saldo social dramático, caracterizado pelo aumento das desigualdades sociais e pela piora na distribuição de renda, que acentuou sua polarização.

Para Fagnani (2012), o modelo de proteção social proposto atualmente pelos organismos internacionais busca pôr em prática a iniciativa do Piso de Proteção Social (PPS). De acordo com o autor, trata-se de uma proposta para a seguridade social influenciada pelo modelo de “gestão social do risco” e baseada em uma perspectiva liberalizante que prega a transferência de renda aos mais pobres como mecanismo de garantir no mercado o acesso aos serviços básicos. Dentro dessa lógica, programas de transferência de renda, ações como microcrédito e outras voltadas para a mística do empreendedorismo passam a ser recomendadas na “redução dos riscos” dos mais pobres. Podemos afirmar que há nessa organização um evidente viés privatizante.

A estratégia de implementação do PPS prevê, em um primeiro momento, a expansão horizontal como pré-requisito para que um maior número de pessoas ascenda aos pisos superiores (vide Figura 1). Fagnani (2012) ressalta que isoladamente o PPS é uma alternativa insuficiente, pois é incapaz de superar uma mera transferência

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