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Capitulo III – O contexto urbano da etnicidade

BR 226 Liga a Teresina (PI)

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Entroncamento de circulação viária

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3.2 – A urbanização da Princesa do Oeste34

De acordo com a historiografia cearense, a ocupação de Crateús remonta ao período colonial, ocasião em que o sertão cearense era habitado pela nação Tapuia, denominados de Tarairiús, entre os quais estavam os Karatiús35 (GIRÃO, 1983). Os Tapuia eram muito resistentes, quase sempre guerreavam com as tribos do litoral e viviam em território do Ceará e Piauí. Em carta a El Rei, Morais Navarro cita a tribo Karatiú como habitante das cabeceiras do rio Poti, entre Piranhas e a serra da Ibiapaba (SALES e MARTINS, 1995, p.7).

Pe. José Maria Moreira do Bonfim (2003) afirma que há fortes indícios da presença de indígenas na região e faz referência a alguns que acredita comprovarem esta presença. Cita o massacre ocorrido no Monte Nebo, que é de conhecimento público. Na estrada de ferro, entre Mosquito e Vaca Preta, em Crateús, existe uma gruta localizada entre os rochedos que afirmam ter sido morada indígena. Na capela do Distrito de Tucuns acharam um tacho de barro e ossos humanos nas escavações dos alicerces da casa de Chagas Martins, um morador do local. O tacho foi definido como artefato indígena e os ossos levam a crer que o lugar teria sido um cemitério indígena. Frutuoso José da Cruz, um caçador, achou um alguidar de barro fabricado pelos indígenas na Chapada do Nazário, na Serra da Ibiapaba. São estes os indícios que fazem com que o autor sustente que Crateús foi realmente terra de índios. Esta percepção é verificável entre muitos moradores do município, estando veiculada, inclusive, no site da prefeitura36.

Seguindo em sua argumentação, Bonfim cita Raimundo R. Correia Lima (1982), que faz referência a autores que registram a presença indígena em Crateús. O sargento Mor Novais Navarro, no ano de 1669, combateu os Caratiús. No ano de 1687, há registros da morte de um moço pelos índios, no local que se chamava Piranhas, por volta de 1695/1697. O Pe. Ascencio Gago, que era diretor da Missão da Ibiapaba, informa à sede da Companhia de Jesus, na Bahia, dos massacres dos índios Caratiús pelos índios Jucás e da guerra deflagrada a eles pelos Tapuios. O Governador Sebastião de Castro Caldas, em 10 de outubro de 1708, mandou deflagrar guerra aos Caratiús e em 1709, o Governador Gabriel da Silva Lagos ordena o total extermínio dos Caratiús. No ano de 1709, uma expedição liderada pelo Capitão Bernardo Coelho de Andrade destruiu a resistência deste grupo

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Denominação atribuída a Crateús em alusão a sua predominância na região. 35

As fontes consultadas evidenciam diversas grafias para esta denominação. Evidenciaremos esta variação ao longo da descrição efetivada.

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96 indígena. No Riacho do Cavalo Morto, em 1712, os índios mataram o colono Manoel de Melo da Cruz. Em 1717, a bandeira do Sargento Mor Francisco Ferreira Pedrosa conquista finalmente as aldeias dos índios Caratiús. Concluindo o relato, Bonfim declara que “Assim termina a História dos índios Caratiús, os primitivos habitantes da região, sem dúvida. E sobre as ruínas de sua tribo, surge Piranhas, primeiro nome de nossa terra” (BONFIM, 2003, p.35-36).

Visando à ocupação do território e à procura de verdes pastagens, é certo que a chegada dos bandeirantes resultou na expropriação territorial dos indígenas. As poucas chuvas e a flora de baixa densidade foram exploradas ao longo do curso dos rios, que viabilizavam os caminhos e asseguravam alimentação e abastecimento d’água.

Segundo Luis Bezerra (1961), o bandeirante Domingos Jorge Velho percorreu grande parte do Nordeste e as terras que atualmente compõem o município de Crateús. Jerônima Gardim Frois, sua viúva, no século XVII, reclamou a posse dessa gleba de terra, que foi arrematada no ano de 1921, por Dom Ávila Pereira, pelo valor de 4.000 cruzados, tomando posse da Fazenda das Almas, localizada a 78 km da atual Crateús.

De acordo com Flávio Machado E. Silva (2009), dona Jerônima Cardim Fróes, viúva do bandeirante Domingos Jorge Velho, fazendeira em Piancó (PB), após a morte de seu esposo (1703), requereu as terra onde está localizada a cidade de Crateús ao Rei de Portugal, usando o argumento de que seu marido havia lutado intensamente para expulsar os indígenas do local. Logo após a concessão do rei, ela faleceu, sem deixar herdeiros. As terras retornaram ao poder real, sendo arrematadas, em 24 de outubro de 1721, por Dom Garcia de Ávila Pereira, da Casa da Torre37. Este vendeu parte delas para Luiza Coelho da Rocha Passos, uma baiana originária da Casa da Torre, que delegou João Ribeiro Lima como seu procurador. No ano de 1792 foi criada a fazenda Piranhas, à margem esquerda do Rio Poti, sob o comando de João Ribeiro Lima.

A pecuária bovina nessa ocasião constituiu a principal atividade produtiva e a agricultura limitou-se à produção de gêneros de consumo. As fazendas de gado foram sendo criadas, agregando em seu entorno contingente de trabalhadores. A movimentação de comboios atraídos pelo comércio pecuarista e o estabelecimento de comércio de mercadoria, que incluía a participação dos indígenas, possibilitou o surgimento de centenas de vilas e cidades no sertão nordestino.

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A casa da Torre foi uma mansão senhorial construída por Garcia Ávila para sediar seus domínios. Posicionada estrategicamente na enseada de Tatuapara, ao norte de Salvador, a construção possibilitava vigiar o sertão, de onde partiam os ataques dos indígenas revoltados, e o mar, de onde provinham os corsários.

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97 Cortado pela bacia hidrográfica do rio Poti, Crateús tornou-se propícia à instalação de inúmeras fazendas de gado, que se posicionaram ao longo do curso do rio. A fazenda Piranhas, com a construção da capela dedicada a Bom Jesus do Senhor do Bonfim, constituiu o núcleo urbano inicial. O processo de urbanização desencadeado resultou na criação do povoado que, em alusão à referida fazenda, recebeu a denominação de Piranhas. O povoado Piranhas, em 1832, foi elevado à condição de Vila do Príncipe Imperial, pertencente nesta ocasião a Província do Piauí. A população de 6.729 habitantes estava distribuída pelos dois distritos que compunham a vila Pelo Sinal e capela de Irapuá. No ano de 1880, foram permutadas a Vila do Príncipe Imperial e Pelo Sinal (atual município de Independência) pelo porto cearense de Amarração. Por ocasião dessa troca, a vila passou a ostentar o nome de Caratheús, em alusão aos índios Karatiús, que habitaram o local (BEZERRA, 1961).

O decreto que sacramentou a negociação não definiu precisamente a linha divisória ente os estados do Piauí e Ceará. Em decorrência, constitui-se uma área de litígio entre as fronteiras que perdura até os dias atuais. Abandonada pelos dois estados, a população que vive em algumas localidades deste perímetro fica desassistida por não pertencer a nenhuma das duas unidades da federação.

De acordo com o IPECE, a área de litígio abrange cerca de 321 mil hectares. Segundo o IBGE, ela envolve 13 municípios cearenses (Granja, Viçosa do Ceará, Tianguá, Ubajara, Ibiapina, São Benedito, Carnaubal, Guaraciaba do Norte, Croatá, Ipueiras, Poranga, Ipaporanga e Crateús) e 7 piauienses (Luís Correia, Cocal, Cocal dos Alves, São João da Fronteira, Domingos Mourão, Pedro II e Buriti dos Montes). O problema afeta, segundo o órgão, pelo menos 8 mil pessoas, apenas entre os recenseados do Ceará. Visando a operacionalização do Censo de 2010, o órgão estabeleceu o prazo até agosto de 2009 para a resolução das indefinições de limites e divisas (JOATHAN, 2009). Os atuais governadores do Ceará (Cid Gomes - PSB) e do Piauí (Wellignton Dias – PT) afirmam que desejam resolver o impasse até o final do mandato, em 2010. Embora já tenha proposta de definição da fronteira, ao que tudo leva a crer, o ano eleitoral atrasará as negociações, fazendo com que elas sejam retomadas apenas após as eleições.

É valido ressaltar que, segundo o historiador Airton de Farias, as disputas entre Ceará e Piauí vêm desde o século XVII, mais especificamente do ano de 1656, momento em que a capitania secundária do Ceará foi anexada à capitania-geral de Pernambuco. Até então ela integrava a capitania-geral do Maranhão e Grão-Pará, que incluía o Piauí. Nesta ocasião o Ceará possuía uma importância política menor dentro do projeto colonial

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98 português e o Maranhão passou a reivindicar a posse do aldeamento indígena Nossa Senhora da Ibiapaba, denominado de Missão da Ibiapaba. Este aldeamento era importante para a obtenção da mão-de-obra escrava, pois o Piauí não possuía recursos para aquisição de escravos negros, que eram muito caros. Com a independência do Ceará em 1799, as disputas pela região da Ibiapaba se estenderam, continuando mesmo depois da separação do Piauí do Maranhão. O acordo de 1880, para ele, é apenas um marco nessa disputa. Uma vez que não foi bem costurado, o tratado favoreceu as indefinições em torno das fronteiras entre os estados, gerando a área de litígio que persiste até os dias atuais (PIAUÍ, 2009).

Retornando ao processo de urbanização abordado, Crateús tornou-se cidade em 14 de agosto de 1911. Partindo de Camocim e passando por Sobral, no ano de 1912 foi inaugurada a Estrada de Ferro, ferrovia que em seu traçado seguia os limites da área urbana desse período. Marco do desenvolvimento e progresso do município, ela impulsionou a economia e acelerou o processo de urbanização. A criação da agência do Banco do Brasil em 1943 foi estimulada pelo desenvolvimento expressivo efetivado nas décadas de 1930 e 1940. Em 19 de janeiro de 1955, a criação do 4° Batalhão de Engenharia do Exército, que se ocupou prioritariamente da construção de rodovias e pontes, veio a intensificar ainda mais a urbanização. A ponte que liga o Centro ao bairro da Cidade Nova38 e a que liga a Cidade Nova ao bairro Patriarcas, foi edificada nesse período, favorecendo a expansão da cidade nesta direção. É possível afirmar ainda que as obras implementadas resultaram na formação de uma verdadeira malha de conexões rodoviárias intermunicipais.

As secas que assolaram o sertão cearense castigaram a população crateuense. Contudo, a chegada de instituições públicas federais tais como a SUDENE, no ano de 1959, impulsionou o crescimento da cidade na medida em que a distribuição de recursos estimulou e incentivou a produção agrícola industrializada. A produção de algodão despontou com a instalação da Crateús Algodoeira S/A, no ano de 1962. Como consequência, as atividades comerciais possibilitaram a expansão da rede bancária. Instalou-se então, em 1978, a Caixa Econômica Federal, e em 1979, o Banco do Nordeste e o Banco do Estado do Ceará. Com recursos do Banco Nacional da Habitação foi construído o Conjunto Habitacional IPASE. É nesse período que Crateús se consolida como pólo regional e centro distribuidor de bens e serviços na Macroregião Sertão dos Inhamuns.

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99 A cidade se expandiu em todas as direções, resultando na constituição de novos bairros, tais como Planalto, Cidade 2000, Fátima II e Nova Terra. Cresceu o número de ocupações espontâneas e visando diminuir o déficit de moradia, investiu-se na construção de casas em regime de mutirão. O processo de urbanização desordenado produziu áreas de riscos onde vive a população de baixa renda, em locais desprovidos de infraestrutura de saneamento básico.

É importante salientar que a maioria das pessoas que hoje assume a identidade indígena em Crateús vivenciou esse processo de urbanização. Os dados coletados evidenciam que algumas famílias já viviam na cidade e presenciaram a aglomeração que foi se formando. Outras, que residiam na zona rural ou nos municípios vizinhos, migraram para a zona urbana e, na maioria das vezes, passaram a integrar as lutas por moradia e pela construção de casas em mutirão. Desta forma, os relatos sobre as migrações das famílias que serão apresentados no capítulo IV, dentre outros, fazem referência a alguma fase deste processo de urbanização.

Os indígenas de Crateús vivem majoritariamente nos bairro do distrito sede - Crateús, que é considerado a zona urbana da cidade. Na zona rural eles estão no Nazário, localizado no distrito da Ibiapaba; no assentamento Santa Rosa, distrito do Monte Nebo. Além destes locais, há indígenas nos distritos Santana, Tucuns, Santo Antônio dos Azevedo e Realejo (ver mapa nº.6, pag. 90). É importante destacar que ao citarmos estes espaços estamos considerando a identificação feita pelos indígenas que vivem na zona urbana de Crateús, que faz referência aos parentes e às pessoas que assumem a identidade indígena e/ou estão cadastradas nas associações indígenas e que vivem nestes locais.

Considerando o distrito sede, de acordo com a lei N° 328, de 18 de setembro de 1998, o perímetro urbano foi divido em 19 bairros: Centro, São José, Ponte Preta, Cidade Nova, Patriarcas, Cidade 2000, Cajás, José Rosa, Venancios, Ipase, Maratoan, Santa Luzia, Campo Velho, Nova Terra, São Vicente, Fátima I, Fátima II, Planalto e Altamira (ver mapa nº. 8, pág. 101). Há indígenas residindo em quase todos estes bairros; contudo, esta presença é mais intensa nos seguintes locais: Altamira, Campo Velho, Fátima I (Terra Prometida e Vila Vitória), Fátima II, Maratoan e Nova Terra.

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Mais uma vez, é válido enfatizar que a apresentação dos dados acerca do perfil e do processo de urbanização do município de Crateús é importante, pois permite ao leitor situar onde estão inseridos os Kalabaça, Kariri, Potiguara, Tabajara e Tupinambá. Em outras palavras, possibilita o entendimento do urbano em questão e faz conhecer o contexto onde está sendo construída a etnicidade indígena. Dando continuidade ao relato, a partir de agora, serão considerados alguns aspectos da vida dos que compõem estas coletividades.

3.3 - Os indígenas em Crateús

Em Crateús vivem cerca de 3.000 indígenas, o que equivale a 3,9% da população do município. Este número merece algumas ponderações. Informado pelas lideranças indígenas, ele diverge, por exemplo, do apresentado pela FUNASA. No site desta agência estatal a população indígena é constituída por 2.425 pessoas. Vejamos a distribuição por etnia e localização deste contingente.

Tabela Nº. 3