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1. INTRODUÇÃO

2.3 BRASIL: DO DESENVOLVIMENTISMO AO NEODESENVOLVIMENTO

No Brasil, a concepção de desenvolvimento disseminada pela Cepal encontrou um ambiente favorável, dado o cenário de crise que se alastrou pelo mundo e a busca pela supera- ção da condição de subdesenvolvimento. A estratégia desenvolvimentista predominante no Brasil até o início dos anos oitenta, intitulada nacional-desenvolvimentismo, apoiou-se na industrialização nos moldes preconizados pela teoria cepalina: substituição de importações, foco no mercado interno, Estado intervencionista, atuando não apenas como indutor do de- senvolvimento, mas como produtor de mercadorias. De acordo com Bresser Pereira (2009, p.75), a denominação nacional-desenvolvimentismo esteve associada ao objetivo do desen- volvimento econômico sob a coordenação do Estado:

A designação “nacional-desenvolvimentismo” enfatizava, em primeiro lugar, que o objetivo básico dessa política era promover o desenvolvimento econômico, e em se- gundo lugar, que, para que isso acontecesse, a nação ─ ou seja, empresários, buro- cracia do Estado, classes médias e trabalhadores, unidos na competição internacional ─ precisava definir os meios para alcançar esse objetivo no âmbito do sistema capi- talista, com o Estado como o principal instrumento da ação coletiva.

Conforme Bielschowsky (2010, pp.15-20), o Brasil passou por dois ciclos ideológicos desenvolvimentistas: o período de 1930 a 1964, no qual o planejamento do estado se voltou para o processo de industrialização, sob a influência do pensamento cepalino e particularmen- te com as contribuições de Celso Furtado, alcançando o seu auge entre 1956 e 1961, os “Cin- quenta anos em cinco”, durante o governo de Juscelino Kubitschek, e o segundo período, de 1964 a 1980, durante o qual ocorreu o golpe militar; embora mantendo a visão da industriali- zação como via de superação do subdesenvolvimento, foram adotadas medidas tradicionais para os desequilíbrios macroeconômicos, tais como o arrocho salarial e concentração de ren- da.

Nesse período, delinearam-se os primeiros passos para a reorganização do sistema fi- nanceiro nacional, através da constituição de bancos de investimento, fusões de grupos em- presariais e financeiros, permitindo a mobilidade e centralização do capital financeiro, sinali- zando para a ruptura com o projeto nacional-desenvolvimentista e a ascensão do capitalismo financeiro. Tal cenário motivou os questionamentos de diversos teóricos como Celso Furtado e Maria da Conceição Tavares acerca do modelo de desenvolvimento em andamento, o qual se mostrava concentrador de renda.

Um traço característico do processo de industrialização brasileiro que deve ser ressal- tado é que não houve uma quebra nas relações de poder das oligarquias rurais; ao contrário, construiu-se um compromisso político, que resultou na modernização tecnológica da grande

propriedade por meio de subsídios e, consequentemente, na manutenção da estrutura fundiária desigual, conduzindo a um processo industrial desintegrado economicamente e excludente socialmente.

Furtado (1962) ressalta que uma das grandes contradições do desenvolvimento brasi- leiro gerada pela manutenção das estruturas arcaicas de poder é a “crescente concentração social e geográfica de renda”, que,

{...} na ausência de uma política consciente que preservasse à ação do Estado o ca- ráter social, improvisou-se, em nome do desenvolvimento, uma estrutura de subsí- dios que muitas vezes premiou de preferência os investimentos supérfluos, ou aque- les que vinham permitir, dada a sua tendência monopolística, uma concentração ain- da maior da riqueza em mão de grupos privilegiados (FURTADO, 1962, p.14-15).

Movido pelo objetivo de tornar o país uma “potência econômica”, o processo de in- dustrialização brasileiro teve uma participação expressiva de capitais externos, além dos in- vestimentos diretos feitos pelo Estado como agente produtivo em setores estratégicos que não despertavam interesse na iniciativa privada. Os investimentos públicos, em grande parte, fo- ram financiados com recursos externos, disponíveis em abundância no mercado financeiro internacional, enquanto as empresas privadas nacionais eram financiadas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e bancos regionais, além dos incentivos fiscais.

O Brasil experimentou um ciclo expansivo na sua produção industrial, que se estendeu até meados dos anos 70, alcançando o seu auge no período de 1968 a 1973, no qual se regis- trou o crescimento das exportações de bens manufaturados bem como do mercado interno, viabilizado tanto pelo aumento do nível de emprego como pela oferta de crédito ao consumi- dor, favorecendo o setor de produção de bens de consumo duráveis.

Com a crise do petróleo, no final dos anos 70, o aumento das taxas de juros interna- cional restringiu o crédito, desmontando a estratégia de desenvolvimento a qual foi construída com base no endividamento. O governo optou por medidas voltadas para a correção do déficit da balança comercial, portanto pelo recuo dos investimentos na política industrial, passando a ser prioridade a adoção de medidas de curto prazo para superar a crise no setor externo. Este cenário resultou numa grande recessão da indústria, aumento do desemprego e a inflação, conforme SUZIGAN (1988).

A principal lacuna observada pelos analistas quanto à utilização do processo de substi- tuição de importações é que este inviabilizou a criação de uma estratégia de desenvolvimento científico e tecnológico, ao privilegiar o atendimento à demanda por bens de consumo das elites, deixando de incorporar a produção de bens de capital, capaz de criar dinamismo e transformação da base produtiva, portanto rompendo a situação de dependência.

A industrialização de substituição de importações tinha como base as atividades in- dustriais pré-existentes. Ela constituía certamente um avanço com respeito ao que se havia feito anteriormente, mas não uma mudança qualitativa. As novas atividades o- rientavam-se pela demanda final, como um edifício que se constrói de cima para baixo. A base do edifício ─ as indústrias de insumos básicos e de equipamentos ─ continuava no exterior (FURTADO, 2000, p.113).

Várias “lacunas” resultaram desse processo de desenvolvimento a exemplo da desarti- culação entre setores econômicos, a inexistência de uma política agrícola articulada à indús- tria, que permitisse a inserção da população situada à margem do mercado de trabalho forma- lizado, uma melhor integração entre os próprios segmentos da indústria, de modo a evitar o atraso de alguns destes, a heterogeneidade tecnológica e as diferenças de níveis de produtivi- dade, além da falta de financiamento endógeno.

Os avanços alcançados através da industrialização, comparativamente a outros países, foram inferiores tanto no aspecto do crescimento econômico quanto nos resultados sociais. O desenvolvimento da economia brasileira não resultou na redução das desigualdades e descon- centração da renda, historicamente existentes. Furtado (1965) alerta que no Brasil “o desen- volvimento beneficiou a uma menor parcela da população e criou as mais agudas tensões so- ciais”. E argumenta:

O desenvolvimento de que tanto nos orgulhamos, ocorrido nos últimos decênios, em nada modificou as condições de vida de três-quartas partes da população do país. Sua característica principal tem sido uma crescente concentração social e geográfica da renda. As grandes massas que trabalham nos campos, e constituem a maioria da população brasileira, praticamente nenhum benefício auferiram desse desenvolvi- mento (FURTADO, 1962, p.14).

Furtado (2000) concebeu a possibilidade de desenvolvimento do Brasil a partir do seu potencial produtivo, numa perspectiva de integração do mercado nacional, fortalecendo os centros de decisão internas e a busca por um projeto de desenvolvimento nacional, levando em consideração as dimensões sociais, políticas e culturais, portanto, extrapolando o campo econômico de modo a construir uma nação menos desigual. Ao incorporar a dimensão huma- na ao processo de desenvolvimento, Furtado explicita com clareza a distinção entre o cresci- mento econômico e desenvolvimento, defendendo que “o sentido do desenvolvimento decor- rerá do projeto de autotransformação que se crie na coletividade” (FURTADO, 1969, p.19).

Sobre as especificidades do subdesenvolvimento brasileiro, Oliveira,F. (2003), em “O ornitorrinco”, uma atualização da “Crítica à razão dualista”, contrapondo à tese cepalina de que o setor atrasado constituía um obstáculo ao desenvolvimento, destaca três aspectos: a) o papel da agricultura de subsistência para a acumulação interna de capital, ao afirmar que a agricultura atrasada financiava a agricultura moderna e a industrialização; b) o papel do “e- xército de reserva” nas cidades, absorvido por atividades informais, que contrapondo à visão

de maior parte dos teóricos segundo os quais o contingente era apenas consumidor de exce- dente, a seu ver, compunha a estratégia de redução do custo de reprodução da força de traba- lho urbana; c) a burguesia nacional não aderiu ao projeto de emancipação do país, rejeitando a aliança com as classes subordinadas. E conclui:

A singularidade do subdesenvolvimento poderia ser resolvida não- evolucionisticamente a partir de suas próprias contradições, à condição que a vonta- de das classes soubesse aproveitar a “riqueza da iniquidade” de ser periferia. A in- serção na divisão internacional do trabalho capitalista, reiterado por cada ciclo de modernização, propiciaria os meios técnicos modernos, capazes de fazer “queimar etapas”, como os períodos Vargas e Kubistchek mostraram. O crescimento da orga- nização dos trabalhadores poderia levar à liquidação da alta exploração propiciada pelo custo rebaixado da força de trabalho. A reforma agrária poderia liquidar tanto com a fonte fornecedora do “exército de reserva” das cidades, quanto com o poder patrimonialista. Mas faltou o outro lado, isto é, que o projeto emancipador fosse compartilhado pela burguesia nacional, o que não se deu (...) O golpe de estado de 1964, contemporâneo dos outros na maioria dos países latino-americanos, derrotou a possibilidade aberta (OLIVEIRA,F., 2003, p.8).

Durante os anos 80, a estratégia desenvolvimentista implementada mostrou sinais de esgotamento, a economia brasileira perde o dinamismo e as medidas adotadas interrompem a trajetória da industrialização. Neste período, tornaram-se evidentes os problemas e as fragili- dades do crescimento baseado no forte endividamento externo, que foi transferido para o Es- tado, ao longo dos anos. Intitulada como a “década perdida”, as iniciativas do governo na ori- entação do desenvolvimento industrial neste período são consideradas pelos críticos como anti-industriais, sendo todos os esforços de política econômica voltados ao ajuste externo, já demonstrando a ruptura do modelo em curso.

De acordo com Bielschowsky (2012), a ideologia desenvolvimentista, em decorrência da crise da dívida e o consequente esvaziamento de projetos e políticas de investimento, per- deu a capacidade de influência na sociedade brasileira, dando espaço para a ascensão do neo- liberalismo, que, até então, ocupava uma posição secundária.

A perda foi o reflexo, no plano ideológico, da evolução econômica, em particular da aceleração inflacionária, da profunda e prolongada crise externa e fiscal, do conse- quente enfraquecimento do Estado desenvolvimentista e da consequente estagnação. A instabilidade macroeconômica e a fragilização da máquina estatal dedicada às ta- refas desenvolvimentistas impediram que eventuais projetos de desenvolvimento prosperassem e inibiram a reflexão sobre desenvolvimento econômico. Até então, o liberalismo havia ocupado durante várias décadas uma posição secundária na vida socioeconômica brasileira (BIELSCHOWSKY, 2012, p.5).

No início dos anos 90, as ofensivas do capital para reverter o declínio do crescimento econômico se encarregam de atribuir a estagnação econômica e ineficiência produtiva à estru- tura econômica anterior classificada como protegida e autárquica, e defender uma política de maior abertura comercial e financeira e redução do papel do Estado. Segundo a concepção neoliberal a estrutura produtiva deve ser especializada e internacionalizada e sua competitivi-

dade está associada à maior exposição ao mercado externo e mobilidade do capital produtivo e financeiro.

Em decorrência de alguns fatores – desagregação política das forças que apoiaram o golpe militar, os limites da substituição das importações, a crise da dívida e a consequente elevação da inflação – a onda neoliberal propagou uma conotação negativa à estratégia desen- volvimentista, associando-a a incompetência administrativa, à crise gerencial do setor público, à crise fiscal, desconstruindo assim, as suas bases. A transição para a nova estratégia de de- senvolvimento sob os moldes neoliberais significou a redução das funções de “promotor do desenvolvimento” do estado, via privatizações, abandono do planejamento de longo prazo, a transferência das responsabilidades sociais para a sociedade civil e aprofundamento da inte- gração da economia nacional à economia global.

Ao se referir ao modelo neoliberal de desenvolvimento, Furtado (2000) resgata o papel do mercado interno no desenvolvimento econômico experimentado no ciclo anterior, que “a- poiou-se em boa medida em transferências inter-regionais de recursos (...)”, argumentando o seguinte:

Ora, a partir do momento em que o motor do crescimento deixa de ser a formação do mercado interno para ser a integração com a economia internacional, os efeitos de sinergia gerados pela interdependência das distintas regiões do país desaparecem, enfraquecendo consideravelmente os vínculos de solidariedade entre elas (FURTA- DO, 1992, p.32).

As políticas neoliberais implementadas no Brasil e na América Latina, sistematizadas em um receituário criado pelo Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional (FMI) e Con- senso de Washington, preconizavam mudanças consideradas fundamentais para a estabiliza- ção econômica dos países periféricos (diminuição do déficit fiscal via redução do gasto públi- co principalmente na área social, combate à inflação através de políticas monetárias restriti- vas, investimentos no setor privado, etc.). Denominada por Bresser Pereira (2009) “ortodoxia convencional” tais medidas tiveram forte aceitação pelos países periféricos e suas elites, sen- do tal conivência explicada pelo fato de que as concessões de empréstimos e financiamentos estavam condicionadas a aplicação desse receituário.

A agenda neoliberal deslocou o debate do desenvolvimento para o campo da macroe- conomia, o que, segundo Fiori (2011) “já vinha crescendo durante o período desenvolvimen- tista”. O chamado “ajuste estrutural” nos países da periferia do sistema capitalista aprofundou problemas existentes, a exemplo da precarização do trabalho, o aumento da “fragilidade” da classe trabalhadora, com a diminuição da capacidade de influência dos sindicatos e conquista dos direitos, o empobrecimento da classe média assalariada, aprofundando e gerando novos

conflitos sociais, o que dificultou a construção de um amplo consenso na sociedade em torno desse modelo de desenvolvimento.

Diante desse cenário desfavorável, foram se delineando ideias de ruptura desse mode- lo, sendo retomada a discussão sobre a necessidade de um projeto de desenvolvimento para o país, o que contribuiu para a vitória do então candidato do Partido dos Trabalhadores (PT) à Presidência da República, Luís Inácio Lula da Silva, considerado, por amplos segmentos da população, com um perfil e projeto de governo adequados para a implementação de um pro- cesso de mudanças.

Em referência ao Brasil do início dos anos 2000, Oliveira,F. (2003) qualifica o capita- lismo gerado no país, a um ornitorrinco, dadas as suas características de contradições, admi- tindo que em alguns aspectos, houve um retrocesso na “evolução”, conforme destaca:

Como é o ornitorrinco? Altamente urbanizado, pouca força de trabalho e população no campo, dunque nenhum resíduo pré-capitalista; ao contrário, um forte agrobusi- ness. Um setor industrial da Segunda Revolução industrial completo, avançando, ta- tibitate, pela terceira revolução, a molecular-digital ou informática. Uma estrutura de serviços muito diversificada numa ponta, quando ligados aos estratos de altas ren- das, a rigor, mais ostensivamente perdulário que sofisticado; noutra, extremamente primitivo, ligado exatamente ao consumo dos estratos pobres (...). Parece dispor de “consciência”, pois democratizou-se há já quase três décadas. Falta-lhe, ainda, pro- duzir conhecimento, ciência e técnica: basicamente segue copiando (...) Onde é que está falhando a “evolução” ? Na circulação sanguínea: a alta proporção da dívida ex- terna sobre o PIB demonstra que sem o dinheiro externo, a economia não se move. É um adiantamento formidável: em 2001 o total da dívida externa sobre o PIB alcan- çou alarmantes 41% e o mero serviço dela, juros sobre o PIB, 9,1 % (...) Desse pon- to de vista, a “evolução” regrediu: não se trata mais do subdesenvolvimento, mas de algo parecido apenas com a situação pré-crise de 30, quando o serviço da dívida , vale dizer, o pagamento dos juros mais as amortizações do principal, comiam toda a receita de exportação! (OLIVEIRA,F., 2003, p.p.9-10).

Embora no contexto de mudanças no cenário político do país, com o ingresso do Par- tido dos Trabalhadores à Presidência da República, considerando o atual estágio da economia, da “revolução molecular-digital”, Oliveira, F. (2003) não vislumbrava mudanças, uma vez que o progresso técnico, por ser incremental, depende de uma acumulação técnico-científica anterior, situação não presente na periferia, ao passo que o novo conhecimento científico- tecnológico não se encontra disponível, mas protegido por patentes. A magnitude dos esforços para enfrentar essa lacuna, de acordo com o autor, não se mostra factível ante um país que ainda busca um caminho para reduzir as profundas desigualdades sociais.

{...} os países ou sistemas capitalistas subnacionais periféricos podem apenas copiar o descartável, mas não copiar a matriz da unidade técnico-científica (...) a acumula- ção que se realiza em termos de cópia do descartável, também entra em obsolescên- cia acelerada, e nada sobra dela, ao contrário da acumulação baseada na Segunda Revolução Industrial. Isto exige um esforço de investimento sempre além do limite das forças internas de acumulação, o que reitera os mecanismos de dependência fi- nanceira externa (...). Como a acumulação incremental tem que realizar-se perma- nentemente, não havendo um day after quando já não se precisaria de altas taxas de

investimento, não parece algo à mão para um país que acaba de criar um programa de Fome Zero pelas mui prosaicas e terríveis razões de uma distribuição de renda in- comensuravelmente desigualitária (OLIVEIRA,F., 2003,p.13-16).

Com a eleição do PT e de Lula da Silva, muitos segmentos sociais – movimentos soci- ais, parte da classe média e setores do empresariado – acreditavam ter sido criado um ambien- te favorável para se estabelecer medidas capazes de conduzir o país no rumo do desenvolvi- mento e comprometer-se com um sólido sistema de atenção e proteção social.

No entanto, a despeito das expectativas de mudanças de trajetória, algumas iniciativas deste momento causaram questionamentos dos críticos, a começar pela publicação da “Carta ao Povo Brasileiro” (Lula da Silva, 2002) durante o período eleitoral, período de grave crise no país, na qual o candidato Lula da Silva se manifestava em relação às negociações do go- verno com o Fundo Monetário Internacional (FMI), firmando o compromisso de que os con- tratos vigentes – cujas cláusulas impunham restrições às políticas econômicas a serem adota- das – seriam respeitados, o que contrariava as propostas de determinados segmentos políticos de esquerda.

As medidas adotadas no início do referido governo, incluindo a escolha do comando das instituições responsáveis pela política econômica, sugeriam a possibilidade de certo con- tinuísmo das políticas neoliberais, ainda que não ortodoxas, o que se mostravam incompatí- veis com políticas de desenvolvimento capazes de promover o crescimento econômico e a redução das desigualdades, despertando desconfiança quanto ao êxito do governo.

Dentre as várias interpretações sobre tal “desvio” de percurso houve uma polarização entre aqueles que consideravam a continuidade da política de cunho neoliberal como uma mudança de valores do PT, contagiado pelo poder, e os outros que consideravam uma contin- gência, em nome da governabilidade, dada a correlação de forças políticas. Considerando a dimensão histórico-cultural retratada na grande diversidade regional e social que marca o país e as relações de poder que a permeia, a segunda hipótese parece melhor refletir a estratégia adotada. Uma das características marcantes da política brasileira reside na atuação de parte dos políticos assentada na defesa de interesses pessoais, nos quais se incluem a liberação de recursos ou indicação de afiliados para cargos na administração, condicionando a governabi- lidade à troca de favores. Por outro lado, a questão da mudança de valores se enquadra numa discussão mais profunda acerca das diferenças ideológicas dos partidos políticos, que cada vez mais ganha eco, estimulando diversos questionamentos.

Embora não tenha havido ruptura com a política macroeconômica neoliberal, medidas e programas de caráter social foram adotados (sendo considerados como complementares por determinadas forças políticas), proporcionando crescimento econômico e distribuição de ren-

da. Foram introduzidas mudanças na natureza da ação estatal, que se faz mais presente no campo econômico, financiando a produção, realizando investimentos públicos em infraestru- tura, estimulando o mercado interno, via ampliação de programas de transferência de renda, aumento real do salário mínimo e do crédito ao consumo, além do apoio à competitividade de grandes empresas, nacional e internacionalmente, através da concessão de crédito e outros incentivos.

Portanto, a inflexão ocorrida na política econômica decorreu de um hibridismo com- posto pela política macroeconômica neoliberal de estabilização e políticas de promoção do

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