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BRASIL HOLANDÊS: A PERDA DO POVO E DA TERRA (1644-1654)

Nassau foi substituído por uma junta governativa composta de três membros, ou seja, os mesmos que integravam o Alto e Secreto Conselho, que era o órgão de assessoramento ao seu governo. Na terceira fase do domínio holandês no Brasil mudou mais uma vez a estrutura dos poderes civil e militar. Na primeira fase essas atribuições eram divididas entre o Conselho Político (civil) e o Conselho Militar (assuntos da guerra), este subordinado ao primeiro. No período nassoviano, o governador aglutinava essas duas prerrogativas. A partir de então, sai de cena a figura do governador e o Alto e Secreto Conselho assume o comando geral.

Os três conselheiros se sentiam incomodados em relação aos poderes de Nassau e pela sua origem nobiliárquica receavam em se contrapor a ele, por isso se achavam numa condição acessória dentro da estrutura de poder, achando-se relegados a segundo plano. Não concordavam com as práticas tolerantes do conde e achavam desmedidos os gastos com a criação da cidade Maurícia. Braudel (2009, p. 214) julgou “os sucessores do príncipe admiráveis para o comércio, mas muito maus políticos, só pensavam em enriquecer, em fazer florescer o comércio”.

A própria saída do governador já criou um clima de insegurança quanto ao futuro da colônia, pois este gozava de grande simpatia e isso fazia com que os ânimos locais fossem contidos. Por exemplo, quando do seu retorno, vários comerciantes holandeses seguiram viagem com ele temerosos pelo porvir. Segundo Watjen (2004, p. 219) “onze índios seguiram para bordo com o príncipe; assim como muitos comerciantes holandeses abastados que, receando o mal da mudança da situação, queriam por a salvo os seus capitais”. Diferenças confessionais à parte, diferenças raciais também foram refreadas como o antagonismo entre os implacáveis índios tapuias e os portugueses, os quais eles odiavam. Portanto, o equilíbrio político e social da colônia estava em risco. A política da “boa vizinhança” não foi seguida. A tolerância e a acomodação deixaram de existir.

Outro fator também aumentava esse risco. Com a restauração do reino de Portugal em 1640 e a assinatura da trégua dos dez anos assinada com a Holanda, a WIC já com problemas de caixa, viu suas finanças, a partir de então, se comprometerem ainda mais com o fim do corso contra os navios portugueses. Ainda, a queda do preço internacional do açúcar piorava a

situação. A Companhia resolveu então cortar efetivos das guarnições holandesas no Brasil, sob protestos de Nassau, fragilizando assim as defesas da colônia.

Ademais, uma razão que deixou os holandeses mais relaxados em relação ao Brasil foi acreditarem que não haveria a possibilidade de um levante luso-brasileiro eficaz sem a ajuda de Portugal, tendo em vista seus cofres estarem quebradiços, seu poder militar fragilizado e a sua prioridade seria a de se precaver da Espanha, de quem estivera subordinado durante sessenta anos. Capital erro de avaliação estratégica. Nassau entendia que a trégua com Portugal, longe de ser uma segurança efetiva para a manutenção da colônia, se constituía num potencial despertar do espírito libertário dos dominados. Por isso não concordava com a diminuição das tropas do Brasil.

O estopim para a revolta dos nativos foi a opressão realizada pelos credores das dívidas dos produtores de açúcar. Os senhores de engenho deviam, em 1642, 7,5 milhões de florins. Dois anos mais tarde esta dívida pulava para 13 milhões de florins. É que os juros cobrados eram exorbitantes, podendo chegar entre 30% a 40% ao ano (LOPEZ, 1999, p.179). Taxas de juros girando nesses patamares tornavam praticamente impossível honrar os empréstimos contraídos. A sanha dos cobradores, principalmente de escabinos e escultetos, era implacável, fazendo com que muitos devedores, na iminência de terem suas propriedades confiscadas e serem presos, se escondessem nas matas ou debandassem para a Bahia, para fugir do constrangimento.

Situação constrangedora passou certo Jorge Pinto, proprietário de nove engenhos, ao ser pressionado por prepostos da Companhia, segundo narrativa de Frei Manuel Calado:

Que por um desses negócios deu aos do governo; e todos os mais de 20 mil cruzados; e todos os mais que o celebraram, que foram muitos, peitavam na forma que o negócio era, levando ainda deste a 42%, por lhe alargar o débito a tempos, chegando por estas razões a tão miserável aperto que nos mais dos engenhos estavam atualmente olheiros da dita Companhia, levando todo quanto açúcar faziam com os mais tirânicos embelecos que jamais juízo algum formou. (CALADO, 2004, p. 206).

Durante seu governo, Nassau tentou sem sucesso refrear esta sanha tentando tabelar os emolumentos cobrados pelos funcionários da justiça. Em 1644 se queixou aos Estados Gerais sobre esse absurdo ao alegar que os juros “elevam-se a tanto que duvido que haja lugar no

mundo onde tanto lhes pague, além das multas, percentagens, extorsões, comissões dos escultetos e seus subordinados, que não se contentam com pouco” (MELLO, 1978, p. 236). Associada a esta insatisfação do povo, outro acontecimento favoreceu o surgimento do levante. A trégua assinada com Portugal permitiu a livre circulação dos luso-brasileiros que estavam exilados na Bahia nas terras dominadas pelos flamengos. Isso fez com que muitos revoltosos retornassem e passassem a incentivar as populações rurais a se rebelarem e, assim, durante um bom tempo foram se ajuntando e escondendo armas e munições nas terras pernambucanas.

Em junho de 1645 iniciou-se a revolta dos moradores da povoação de Ipojuca. Um mês após, um ataque escarnecedor contra moradores luso-brasileiros de Cunhaú, no Rio Grande do Norte, é praticado pelos índios tapuias. Aumentam as hostilidades entre os oponentes. A guerra começa a tomar corpo se alastrando de tal forma que deixam sitiados novamente os holandeses em Recife. Seguem-se batalhas memoráveis como as duas dos Guararapes, ocasiões em que o exército batavo foi duplamente derrotado. Na metrópole uma briga política entre a Neerlândia e Amsterdã, as maiores acionistas da WIC, dificultavam as decisões quanto ao socorro à colônia. A ajuda demorou a chegar. A fome e as doenças eram outros inimigos terríveis no front invasor. O Brasil holandês já estava ferido de morte. Finalmente, a 28 de janeiro de 1654 os holandeses capitularam. A Guerra da Liberdade Divina chegava ao fim quase sem a ajuda de Portugal. A senha para o estopim, por ironia do destino, era “açúcar”. E o líder da insurreição, João Fernandes Vieira, o maior devedor da Companhia.

Assim, a Holanda perdia a conquista da terra.37

37 Na verdade, em 1654 com a expulsão dos holandeses, termina a guerra em território brasileiro. Contudo a

disputa continua no campo diplomático se arrastando até 1669, quando foi assinado um segundo tratado de paz (o primeiro, em 1661, não foi cumprido) entre os Países Baixos e Portugal, com interveniência da Inglaterra, em que os neerlandeses reconheciam a soberania portuguesa no nordeste do Brasil em troca de substanciais concessões financeiras e comerciais. De acordo com Mello (2001) as “negociações diplomáticas entre Portugal e a Holanda em torno do nordeste brasileiro foram a primeira crise da diplomacia brasileira”.