• Nenhum resultado encontrado

Brasil Império

No documento Download/Open (páginas 50-54)

1.1.2 Crianças no Brasil

1.1.2.2 Brasil Império

Mauad (2007) analisa a vida das crianças de elite durante o Brasil Império. Inicia sua narrativa com uma comparação das atitudes das crianças europeias e das brasileiras, em relação a um castigo na sala de aula. Segundo Mauad (2007), uma professora de alemão ficou surpresa com um evento em sala de aula brasileira, ela presenciou posturas, as quais considerou como selvagens, das crianças, filhas da elite. Em uma tentativa de aplicação de métodos educacionais europeus, resultando no comportamento contrário das crianças brasileiras. Um castigo para alunos alemães, que consistia em obrigá-los a levantar e a sentar umas cinco vezes. No caso dos alunos alemães, isso causaria constrangimento, mas apenas fez com que as crianças brasileiras entendessem como uma brincadeira de pula-pula nas cadeiras. Tal fato levou a professora a pensar que não haveria possibilidade de educar as crianças brasileiras com inserção do modelo europeu.

A pesquisadora revelou que surgiram conceitos como “vagabundos” e “pivetes” (p. 13). Os primeiros, denominando os sujeitos que iriam se submeter a trabalhos nos portos de Portugal ou em embarcações que atravessavam o Atlântico. Os segundos, empreendedores de delitos nas grandes cidades. Conforme enfatiza Del Priore (2007), já diziam que a rua era “um meio de vida”, como na atualidade brasileira.

Chega um modo moderno de cuidar das crianças no Brasil Império. Até então, as crianças não contavam, morriam porque se tinha uma visão religiosa, mítica, que parecia permitir o caos. Havia choque entre ciência e religião. Os higienistas determinaram o novo modo da arquitetura e também o relacionamento dentro das habitações. Tudo em nome da saúde de todos. Os médicos criticavam as parteiras, seus hábitos de higiene de modo geral. Um verdadeiro ataque às irmãs e freiras. Campanhas

foram desenvolvidas para mudar a vida das crianças e libertá-las de um total abandono. O tema sobre criança pobre tem visibilidade nas faculdades de medicina. As discussões médicas circulam em torno de questões sociais, econômicas e políticas, como evidencia Rizzini (1997). Percebe-se uma preocupação com o futuro consumidor e trabalhador. Ele deveria ser educado e preparado para o mercado e não apenas uns poucos indivíduos fazem parte desse conjunto. Os filhos do mundo adulto - desregrado anteriormente - com a autoridade dos senhores sobre todas as coisas do espaço Casa Grande, agora teriam atenção de “personalidades”, tais como médicos, advogados, políticos, professores e filantropos (Rizzini, 1997). A ideiaseria salvar as crianças, nem que para isso tivessem que ser expostas diante da casa de estranhos. Para salvá-las do infanticídio não se mediriam esforços. Afinal, muitos filhos bastardos pululavam as ruas. Nesse sentido, a Igreja também em nome da mesma moral que expulsou esses sujeitos de casa, agora os acolhia em suas instituições de caridade. E como a máquina europeia sempre funcionava com cada coisa no seu devido lugar, a reprodução dessa organização no Brasil não deveria ser diferente.

Nem os filhos da elite como demonstra Del Priore (2007) ficavam fora do processo rígido de aculturação. O modelo ideológico apresentado por Laplantine (2000), em seu estudo sobre a “A pré-história da Antropologia: a descoberta das diferenças pelos viajantes do século XVI e a dupla resposta ideológica dada daquela época até nossos dias”, acerca da recusa do estranho, compreendida como uma falta, a partir de uma “boa consciência que se tem de si e de sua sociedade”; e a fascinação pelo estranho, o inverso, como resultado de uma “má consciência que se tem sobre si e sua sociedade” (p. 38), contribui para compreensão do fenômeno investigado por Del Priore (2007). Laplantine (2000) expõe a dupla ideologia utilizada para exploração de espaços desconhecidos, para elaboração de explicações acerca dos habitantes dos espaços. O

critério utilizado era saber se aqueles seres poderiam pertencer à humanidade. A questão religiosa seria a base para elaboração do procedimento para tratamento dos descobertos. O debate sobre os termos coloca o dominicano Las Casas e o jurista Sepulvera em posições contrárias. Segundo Laplantine (2000), o defensor do fascínio pelo estranho seria Las Casas, com as ideias de que os povos indígenas tinham estrutura, talvez melhores que os europeus, portanto não poderiam ser considerados bárbaros. E Sepulvera, que recusava o estranho, acreditando que os que têm “prudência e razão” (p. 39) devem dominar os demais, ainda que sejam superiores em força física para realizar tarefas. Para Sepulvera, seria justo o direito natural de “homens honrados, inteligentes, virtuosos e humanos” dominar aqueles que não teriam tais virtudes (p.39). Analogamente às ideias de Sepulvera e Las Casas, Del Priore (2007) explicita um exemplo, já exposto anteriormente, demonstrando que uma professora alemã ficou sem ação quando aplicou um castigo, com características europeias, em meninas brasileiras. E logo conclui que inserção de modos estrangeiros que se faz nas crianças brasileiras não funcionará. Podemos perceber que esse olhar de adultos de outro mundo construiria a mesma lente para o olhar das crianças brasileiras. Para tanto, deveriam ser subjetivados em um processo criterioso.

O olhar através da lente do adulto estrangeiro, o faria enxergar um processo fotográfico constituído de hábitos, costumes, normas e regras nos sujeitos em formação para instituir-lhes a ordem dos povos civilizados. Como Mauad (2007) coloca: “o enquadramento do olhar adulto para o objeto do olhar: a criança e o adolescente.” (p. 142). Estes deveriam, por enquanto, se enquadrar nesse olhar que não era de sua cultura.

O modelo principal era o Francês, em se tratando de elite era o melhor. Com efeito, o cuidado com a criança e o adolescente ganhava um manual. Seu modo de

vestir, aprender, viver e morrer estaria normatizado, escrito por um povo civilizado, logo deveria ser seguido.

Todos os habitantes estrangeiros deveriam se submeter ao processo cultural europeu. Crianças como Ullunga, um caso angolano narrado por Góes e Florentino (2007), teria entrado no mundo adulto por um processo ritualístico, sem longa dedicação talvez à aprendizagem de modos nobres. A vida dessas crianças era mais complexa, pois se as crianças brancas não contavam tampouco, essas então. No plantel, como eram enquadradas, ao serem vendidas, após inventário dos bens do senhor, não havia preocupação se fosse necessário separá-las dos pais.

Interessante ressaltar que, caso esses sujeitos da divisão do plantel sobrevivessem até ao menos uns doze anos de idade, ganhavam nomes ligados às profissões aprendidas, como Góes e Florentino (2007) demonstraram. Os meninos após o rito de adestramento, digamos, ganhavam nome ligado à profissão: “Chico Roça”, “João Pastor” e “Ana Mucama” (p. 184). A herança desses e outros aspectos ainda é evidente. Os valores desses sujeitos no mercado eram dados conforme seu aprendizado das profissões, nem assim havia preocupação em mantê-los saudáveis. O objetivo seria explorar ao máximo a mão de obradesses sujeitos, já que morriam precocemente.

Os fatos entre os séculos brasileiros nos fazem refletir sobre a possibilidade das repetições de humilhações entre crianças. Del Priore (2007) demonstrou que havia a função de besta da criança escrava para os meninos livres. Hoje, o espaço entre ricos e pobres está delimitado, mas ainda se vê em escolas públicas a segregação e humilhação de crianças nesse sentido. Em se tratando de preparação para o mercado como dissemos, os crioulos eram tratados diferentemente, pois supostamente seriam mais inteligentes, aprendiam mais rápido e seu preço era superior ao do escravo africano. As análises nos

levam a pensar ser o início de um processo para não aceitação da condição “dada” a esses indivíduos. Os filhos dos escravos seriam preparados, mesmo com a miscigenação, para uma caminhada na contracorrente da empresa dos brancos. Há indícios de que o fenômeno continua, porque não há reconhecimento lógico, sobretudo dos brancos e também de alguns negros, do montante da dívida cultural, mas esta é uma outra questão que não cabe aqui discutir. O mercado ainda valoriza quem tem conhecimento, mas os negros e seus descendentes não têm acesso a uma educação suficiente para diminuir a diferença abissal entre eles e os brancos. Mesmo assim, vimos que certamente surgirão “sabidos impacientes” que contribuirão para modificar o processo.

No documento Download/Open (páginas 50-54)

Documentos relacionados