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A atuação brasileira na Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes e na Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação

4 A POLÍTICA EXTERNA AMBIENTAL BRASILEIRA DE 199 ATÉ

4.2 A POLÍTICA EXTERNA AMBIENTAL BRASILEIRA

4.2.3 A atuação brasileira na Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes e na Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação

A Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes foi adotada em 2001, entrando em vigor no ano de 2004, sob a administração do PNUD e tendo como objetivo a proteção da saúde humana e do meio ambiente dos produtos químicos que continuam intactos no ambiente, por um longo período de tempo, de forma que são amplamente distribuídos geograficamente e se acumulam no tecido adiposo dos seres humanos e demais animais. Assim, essa convenção foi desenvolvida como forma de exigir que as partes busquem medidas para eliminar ou reduzir a liberação desses poluentes no meio ambiente (STOCKHOLM CONVENTION ON PERSISTENT ORGANIC POLLUTANTS). A atuação brasileira foi alvo de críticas por parte de Lisboa (2002), segundo a autora, a Convenção tem como principal dispositivo, a decisão de eliminar a produção e o consumo de 12 dos piores POPs – sendo que a grande parte destes, já é proibida na maioria dos países, tendo como ponto de disputa na construção do texto final, o artigo que define que os países deveriam adotar medidas para eliminar a disseminação dos POPs de produção não intencional (poluentes produzidos pelas indústrias que utilizam o cloro e que sua produção não pode ser evitada) em função das posições contrárias a esse artigo da indústria química, em especial dos EUA, Japão, Austrália e Canadá.

A crítica de Lisboa (2002), em relação à atuação brasileira na Convenção, recai inicialmente pela forte atuação do representante da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim) na delegação brasileira e também, pela recusa brasileira em aceitar o Princípio da Precaução, presente no texto da Convenção, mesmo o Brasil tendo aceitado esse princípio em outros acordos internacionais, sob o pretexto de que a Convenção estaria modificando a formulação do referido princípio e que este poderia ser utilizado como forma de barreira não tarifária contra países em desenvolvimento. A inquietação maior da autora recai sobre a solicitação, por parte do Brasil, em assinar o texto mediante uma exceção de uso para o período de seis anos, referente à utilização do heptacloro (um dos agrotóxicos na lista dos que precisam ser eliminados). Essa exceção de uso foi solicitada, em função de a empresa brasileira Action ter comprado o estoque da Vesicol (última empresa que fabricava o heptacloro e que havia sido fechada no ano 2000) e ter conseguido, que o Ministério da Indústria e Comércio atuasse de forma a não prejudicar os interesses da citada empresa.

No Brasil, a Secretaria de Mudanças Climáticas e Qualidade Ambiental do MMA representa o Ponto Focal Técnico da Convenção, em conjunto com a Divisão de Política Ambiental e Desenvolvimento Sustentável do MRE (Ponto Focal Oficial). No que se refere à

atuação do Brasil, enquanto forma de responder aos compromissos assumidos junto à Convenção (excluindo a exceção de uso apresentada acima), apenas um projeto foi desenvolvido. Esse projeto foi submetido ao GEF, através de uma parceria entre o governo brasileiro e o PNUD, sob o título de: Desenvolvimento de um Plano Nacional de Implementação no Brasil como primeira etapa da implementação da Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs) (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE). Em relação à composição das delegações brasileiras dentro das COPs referentes à convenção, ela é composta basicamente, por alguns Ministérios, duas autarquias do governo e a presença apenas da Abiquim, enquanto representante da Indústria Química. Não há nenhum representante da sociedade civil, conforme pode ser visualizado no apêndice F.

Já a Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação foi estabelecida em 1994 e caracterizou-se como um dos três maiores desafios ao desenvolvimento sustentável, junto com a biodiversidade e as mudanças climáticas, durante a CNUMAD, embora não tenha tido a mesma repercussão que as outras convenções. A Convenção une 194 Estados e tem como objetivo melhorar as condições de vida das populações que vivem em áreas áridas, de forma a manter e restaurar a terra e as condições de produtividade do solo e diminuir os efeitos da seca. (UNITED NATIONS CONVENTION TO COMBAT DESERTIFICATION). O Brasil é signatário da Convenção desde 1996, tendo ratificado o acordo no ano seguinte. O Ponto Focal Nacional da Convenção é o Secretário Nacional de Recursos Hídricos, tendo sido criada a Coordenação Técnica de Combate à Desertificação (CTC), composta por nove técnicos especializados. Da mesma forma que na Convenção de Estocolmo, o Brasil tem trabalhado no esforço de responder aos compromissos assumidos frente à Convenção, a partir da elaboração do Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (PAN) (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE).

Não existe muito espaço dentro do site do MMA para a apresentação do PAN, assim como, não há informações suficientes sobre a atuação brasileira nessa Convenção. O portal que apresentaria melhor a construção e os avanços no desenvolvimento do PAN encontra-se fora do ar, sendo que nem o documento oficial do referido plano, encontra-se disponível para leitura dentro do espaço virtual do MMA. O que existe é apenas uma edição desse plano, em caráter comemorativo aos 10 anos da Convenção de Combate à Desertificação, datado de 2004. Esse documento conta basicamente, com as seguintes informações: levantamento dos conceitos relacionados à aridez, desertificação e alterações climáticas; histórico das ações do governo no combate à desertificação; apresentação do processo de construção do PAN-Brasil, assim como, os marcos estratégicos e eixos centrais do programa; apresentação das ações a

serem desenvolvidas dentro dos eixos temáticos do plano; exposição das instâncias que fazem parte da implementação do plano; e, por fim, a relação sinérgica necessária dessa Convenção com a CDB e a Convenção sobre Mudanças Climáticas (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2004).

Em relação à composição das delegações brasileiras nas Conferências das Partes, assim como nas COPs da Convenção de Estocolmo, não existem representantes da sociedade civil, embora seja visível a participação de alguns Estados da região Nordeste, assim como, de algumas Universidades também dessa região (APÊNDICE G). O MMA se configura como o principal representante brasileiro dentro das delegações, e junto com o MRE são os únicos Ministérios que participaram das cinco Conferências das partes já realizadas dentro da Convenção. A importância do GEF nessa Convenção está relacionada ao desenvolvimento de projetos específicos dentro do Bioma Caatinga, descritos dentro do Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca.

Assim, de forma geral, a participação brasileira, dentro dessas duas Convenções, se dá de forma bem mais tímida do que em relação às outras duas Convenções apresentadas, seja por questões de caráter econômico, seja pela falta de interesse e ou maiores recursos dentro dessas áreas. Vale ressaltar que existem outros espaços e acordos multilaterais ambientais onde a posição brasileira tende a não ter o mesmo impacto como na Convenção sobre Mudanças Climáticas, por exemplo, como afirma Lisboa (2002) ao tratar da Convenção da Basiléia e do Protocolo de Cartagena. A autora afirma que levando em consideração as diferentes atuações do país dentro de determinadas Convenções, a receita para uma boa política externa ambiental recai sobre três pontos principais: a ausência de pressões econômicas contrárias à temática em questão, a presença de uma área técnica composta por massa crítica de forma a que possa propor soluções às questões apresentadas e uma boa diplomacia.

Por fim, chegamos a terceira grande chave para a compreensão da política externa ambiental brasileira, apresentada por Barros-Platiau (2006), que é a questão relacionada aos princípios políticos e jurídicos da política externa. A análise dessa política a partir dos princípios se desenvolve por três motivos: a) a política externa brasileira sempre teve como base os grandes princípios constitucionais para as relações internacionais, como, por exemplo, a questão da não-intervenção, igualdade entre os Estados, independência nacional, regulação pacífica dos conflitos, dentre outros; b) os princípios são múltiplos e a sua interpretação está diretamente relacionada com o regime trabalhado e c) a comparação dos princípios mais

importantes para o Brasil e sua relação com os princípios do direito ambiental internacional enquanto forma de melhor posicionar o Brasil, dentro do cenário internacional.

O primeiro princípio é o de soberania, apresentado pela autora, como uma vitória importante da diplomacia brasileira, frente às tentativas de legitimação da ideia de ação coletiva através do desenvolvimento de conceitos como o de patrimônio comum da humanidade, gestão coletiva, dentre outros. O princípio das responsabilidades comuns porém diferenciadas, bastante recorrente ao longo de todo o trabalho e tendo papel importante na construção da política externa brasileira, com enfoque na relação de dívida histórica direcionada aos países desenvolvidos. A autora menciona também a importância da construção dos princípios dentro das Convenções multilaterais, dando ênfase no processo de ganhos e perdas, principalmente, dentro de uma lógica Norte/Sul na construção da forma de desenvolvimento das questões ambientais dentro da estrutura de governança global. Resumindo a posição brasileira em relação às questões ambientais no cenário internacional, a autora afirma que:

Em suma, a política externa ambiental foi marcada, desde a década de 1990, por um grande esforço brasileiro de construção de uma postura proativa para a defesa de seus interesses. Todavia, foi exercida sem parceiros estratégicos constantes, por um lado, ou então por potenciais parceiros estratégicos, como os donos das grandes economias emergentes, por outro lado, mas cujos interesses divergentes obrigam as partes a entendimentos muito específicos ou ao mínimo denominador comum. Em conclusão, para se falar de uma liderança brasileira nas questões ambientais, é necessário reconhecer os limites impostos pela falta de parcerias consolidadas e alertar que não se trata de uma hegemonia brasileira (BARROS-PLATIAU, 2006, P. 273 e 274).

De um ponto de vista mais crítico, Lisboa (2002, p. 44) apresenta a política externa ambiental brasileira enquanto um: “conjunto de posicionamentos ambíguos e contraditórios intercalados por omissões sistemáticas que tem dado o tom da atuação brasileira na esfera internacional, em relação aos temas ambientais”. Ao mesmo tempo em que, do lado das notas e discursos oficiais, há uma construção que enfatiza o papel do Brasil dentro do cenário internacional, como pode ser exemplificado pela nota à imprensa, publicada no Dia Mundial do Meio Ambiente, em 2008:

O Brasil tem participado ativamente das negociações e da implementação das convenções internacionais e programas referentes ao meio ambiente e ao desenvolvimento sustentável. Para tanto, o Itamaraty tem atuado em estreita coordenação com o Ministério do Meio Ambiente e outras Pastas interessadas. Nessa coordenação, o Itamaraty também tem dialogado com entidades representativas da sociedade civil. A ação diplomática tem contribuído para estabelecer acordos e tratados internacionais e bilaterais, avançando a ampla agenda ambiental que engloba biodiversidade, desenvolvimento sustentável, energias renováveis, mudança do clima, florestas, segurança química e resíduos tóxicos, desertificação, proteção dos conhecimentos tradicionais dos povos, entre outros temas.

Assim, muitas são as diferentes visões acerca do posicionamento do Brasil e da construção de uma política externa ambiental, que refletem o olhar e o lugar de onde essa política é analisada, e que demonstra também a complexidade da temática, pela gama de atores envolvidos no processo, assim como pelas diferentes conjunturas e relações assimétricas de poder dentro do cenário internacional que moldam a atuação dos Estados e são ao mesmo tempo modificadas por eles.