• Nenhum resultado encontrado

Brevíssimas palavras sobre o direito penal do inimigo

143 OLMO, Rosa del. Op. cit. p. 74. 144 CARVALHO, Salo de. Op. cit. p. 81. 145 ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Op. cit. p. 172.

Jakobs sustenta que o direito penal possuidor de garantias materiais e processuais só deve ser aplicado às pessoas que pratiquem determinados tipos de crimes sem habitualidade. Estes indivíduos podem ser considerados cidadãos, e assim terem a aplicação do sistema penal comum, se oferecerem “garantia cognitiva mínima de

comportamentos relacionados à manutenção da vigência das normas”146, ou seja, desde

que demonstrem a consciência de que, apesar de terem transgredido a norma, devem manter o pacto social. Portanto, para Jakobs a pena aplicada aos cidadãos, numa concepção kantiana, funciona como “resposta desautorizadora do fato, procurando

restabelecer a confiança social na estabilidade da lei (penal)”147.

Entretanto, defende o autor alemão que em determinados casos, os agentes não podem ser considerados cidadãos e, conseqüentemente, não lhes deve ser aplicado um sistema penal com garantias. Para explicitar claramente este ponto, valemo-nos das palavras do próprio Jakobs:

(...) quien por principio se conduce de modo desviado no ofrece garantía de un comportamiento personal; por ello, no puede ser tratado como ciudadano, sino debe ser combatido como enemigo. Esta guerra tiene lugar con un legitimo derecho de los ciudadanos, en su derecho a la seguridad; pero a diferencia de la pena, no es Derecho también respecto des que es penado; por el contrario, el enemigo es excluido148

Em suma, o que sustenta o doutrinador alemão é que aqueles indivíduos que pratiquem condutas que demonstrem desprezo ou ignorância pelo respeito às normas que compõem o pacto social não podem ser considerados cidadãos e, assim, não são possuidores de personalidade política e todos os direitos inerentes a ela.

Quando tratamos da Ideologia da Segurança Nacional dissemos, sustentados em Salo de Carvalho, que seus conceitos fundadores “estão centrados na mesma

fragmentação maniqueísta encontrada na principiologia fundante da IDS” (Ideologia da

Defesa Social). Esta idéia comprova que a tese sustentada por Jakobs, na qual é proposto o “redimensionamento no marco ideológico defensivista com a assunção formal da

146 CARVALHO, Salo de. Op. cit. p. 78. 147 Loc. cit.

148 JAKOBS, Günther, Derecho Penal del Ciudadano e Derecho Penal del Enemigo, p. 55, - apud.

dicotomia bem e mal e com a estrutura explícita da beligerância”149, tem suas raízes na Ideologia da Segurança Nacional, uma vez que ambas estão centradas na mesma característica defensivista, qual seja, o princípio do bem e do mal150.

Quanto à identificação deste inimigo sobre o qual recairão as regras diferenciadas, Jakobs afirma que sua característica principal é a habitualidade e profissionalização no cometimento de crimes, ou seja, os indivíduos que demonstrem possibilidade de reiteração delitiva. Por esta concepção, pode-se ter uma idéia do quão subjetiva e arbitrária é a escolha de um inimigo no direito penal do inimigo.

Exatamente pela possibilidade de reiteração delitiva e a conseqüente probabilidade destes indivíduos causarem maiores danos é que estaria justificada a aplicação das regras diferenciadas propostas por Jakobs, tais como: intervenção penal desde os atos preparatórios, supressão de garantias processuais, e aplicação de penas rígidas com nítido caráter neutralizador.

As semelhanças das propostas do direito penal do inimigo com o sistema penal de drogas brasileiro (e mundial) são patentes. As rotineiras incursões policiais em áreas carentes são um perfeito exemplo de intervenção penal (genocida) em (supostos) atos preparatórios, o maior prazo de prisão temporária aos acusados por tráfico de drogas (parágrafo 4°, do artigo 2°, da Lei n° 8.072 de 1990) é um exemplo de supressão de garantias processuais, assim como uma progressão de regime mais rígido (parágrafo 2°, do artigo 2°, da Lei n° 8.072 de 1990) é uma cristalina tentativa de aplicação de pena neutralizadora.

Não se pretende afirmar com essas semelhanças a aplicação da “doutrina

direito penal do inimigo” no sistema jurídico brasileiro; a uma, porque a tese formulada

por Jakobs, de uma forma geral, não foi bem aceita pela dogmática e tribunais pátrios; a duas, porque a teoria apresentada pelo autor alemão não traz nenhuma novidade ante a prática penal em nosso país e em diversos locais do mundo, apenas oficializa as reais funções exercidas pelo direito penal.

Contudo, podemos concluir, a partir da comparação entre as sugestões de tratamentos propostas por Jakobs e o sistema penal de drogas brasileiro, que o traficante de drogas foi escolhido (já faz um tempo, é verdade) como este inimigo número um que merece tratamento diferenciado. Apesar de não ser novidade a escolha deste hostis, o

149 CARVALHO, Salo de. Op. cit. p. 79. 150 Ver subitem 2.2.

poder punitivo aplicado no seu combate cresce atualmente de forma assustadora, oficializando a carnificina aplicada às camadas pobres como “sacrifícios” inevitáveis de uma guerra.

Para melhor expressar o grave momento vivido no Estado do Rio de Janeiro, que exemplifica o quadro brasileiro, vale transcrever o trecho de uma entrevista do Secretário de Segurança Pública:

O Rio chegou a um ponto que infelizmente exige sacrifícios. Sei que isso é difícil de aceitar, mas, para acabarmos com o poder de fogo dos bandidos, vidas vão ser dizimadas. O quadro é esse. Ao longo do tempo, as quadrilhas se fortaleceram a tal ponto que hoje têm a audácia de abanar armas para a polícia. Quando 350 policiais entram numa favela, 25 bandidos resolvem encará-los e fazem um estrago terrível. Recentemente, morreram doze pessoas nos confrontos da Favela da Coréia, na Zona Oeste. Mas, se não tivéssemos agido agora, no ano que vem morreriam 24. E, se esperássemos mais dois anos, seriam 36, e assim sucessivamente. É uma guerra, e numa guerra há feridos e mortos151.