• Nenhum resultado encontrado

Breve caracterização do Governo Provisório e o assalto ao poder

3 BASES SOCIOECONÔMICAS DA UNIÃO SOVIÉTICA

3.2 Breve caracterização do Governo Provisório e o assalto ao poder

Os levantes por comidas, ocorridos em março de 1917, culminaram na ascensão de Kerenski, membro do Partido Socialista Revolucionário, considerado de natureza moderada por propor, em sua plataforma de governo, a formação de alianças entre os setores da burguesia com a classe trabalhadora.

A passagem de Kerenski pelo governo provisório ocorreu de maneira tumultuada. Reed (2010) destaca que a política de Kerenski em servir aos dois senhores, a burguesia e a classe trabalhadora, ocasiona o acirramento da disputa entre as duas classes. A primeira

53

aproveitava os espaços dados pelo governo para angariar um maior poder político, enquanto a segunda, seguia inconformada com a incapacidade do governo em fornecer pão e terra para todos. A busca por mais espaços dentro do poder levou as forças mais conservadoras a intentarem um golpe contra o governo; e, como característica central do Governo provisório, este por sua vez possuía posturas diferentes das forças da esquerda, representada pelo bolchevismo, no qual objetivava salvar a si mesmo das tentativas de golpe.

A instabilidade do governo provisório não apenas revelou duas forças antagônicas capazes de alterar substancialmente os rumos da revolução, assim como evidenciou as falhas do projeto democrático burguês. A política da boa governança na tentativa de conciliação de classes19, adotada por Kerenski, expôs suas fragilidades, fortaleceu a burguesia e aumentou a pressão popular exercida pelos camponeses.

As medidas punitivas utilizadas para conter a rebeldia dos camponeses contribuíram para aumentar a revolta do povo que se davam no incêndio das propriedades queimadas, sendo fábricas e minas fechadas e trabalhadores ameaçados pelo governo. Nesse contexto, ou os bolcheviques assumiam o controle do poder ou abria espaço para as classes dominantes continuar controlando o país.

A indefinição nos ideais políticos do Governo Provisório se constituía, para Mariátegui (2013), numa amálgama, num conglomerado bastante heterogêneo, não integrando assim os ideais de uma classe. Para ele:

O governo de Kerenski sofria, portanto, de um defeito orgânico e vício em sua essência. Não encarnava nem os ideais do proletariado nem os da burguesia. Vivia de concessões, de compromissos, com um e outro bando. Num dia cedia à direita; no outro, à esquerda. Tudo isso cabe, repito, dentro de uma situação evolucionista (MARIÁTEGUI, 2013, p. 58).

A limitação do Governo Provisório de Kerenski, segundo Mariátegui (2013), estava evidenciada na sua incapacidade em estabelecer a paz porque era impedido pelas potências aliadas de negociar separadamente com a Alemanha; além disso, não podia repartir

____________________________

19Estamos denominando assim porque o caminho adotado por Kerenski se pretendia como uma alternativa no meio das perspectivas dos trabalhadores. Porém, como é impossível conciliar as classes antagônicas, o governo se mostrava bastante instável. Na maioria das vezes atendia aos interesses da burguesia, mas quando se sentia ameaçado por ela, se aproximava dos interesses da classe trabalhadora.

54

as terras com os camponeses por causa dos seus acordos com a burguesia e com os grandes proprietários de terra.

O governo que pretendia conciliar interesses antagônicos provocou o surgimento de levantes representados pelas duas forças políticas: burguesia e classe trabalhadora. A burguesia continuou a lutar por maiores concessões dentro da política do Governo Provisório, enquanto a classe trabalhadora ficou sofrendo as privações, resultado da má distribuição de renda. Quando essas duas forças políticas se chocaram, necessariamente causou-se uma instabilidade no governo que procurava harmonizar as forças antagônicas em luta.

Nesse cenário, a organização no Partido Bolchevique se constituiu como uma ferramenta fundamental, contribuindo para direcionar a revolta popular. Os bolcheviques se apropriaram das demandas emanadas do povo para se consolidar como o partido revolucionário. A primeira palavra de ordem levantada pelo partido foi baseada na falha apresentada no projeto democrático burguês do governo provisório, com a famosa consigna “todo poder aos sovietes”. O fortalecimento dos sovietes significava radicalização da democracia, o que gradativamente subtende-se que o partido revolucionário se diluiria no próprio processo de organização proletária.

Reed (2010) aponta que os bolcheviques, no processo de tomada do poder, ganharam o apoio da massa gradativamente, em contrapartida, enfrentaram bastante perseguição pelas forças contrarrevolucionárias. Havia muita oposição aos bolcheviques, dentre eles, os funcionários dos correios, telégrafos e os ferroviários, os partidários do Cadete, o Partido Socialista Revolucionário, dentre outros. Por outro lado, embora tenha toda uma efervescência política representada pelo conjunto de forças contrarrevolucionárias que estavam atuando, um grande segmento da população permanecia apática em relação às mudanças que estavam ocorrendo.

A conquista do poder russo se deu pela violência, como acontece com todo processo revolucionário, porém sua consolidação estava longe de acontecer. Havia um cenário de destruição deixada pela guerra, acarretando em consequências econômicas, sociais e políticas profundas.

O contexto político russo era muito contraditório. De um lado, existia um conjunto de forças contrarrevolucionárias, lideradas pelo Partido Cadete, as correntes democráticas ou pequenas burguesas e, do outro, havia uma massa completamente apática. Esse processo acentuou as contradições entre as classes, intensificando a luta de classes. Reed (2010), apoiado em Trotsky, salienta que:

55

O partido Cadete representa a contrarrevolução militante. Do outro lado, os sovietes representam a causa do povo. Entre esses dois campos, não existe nenhum grupo com alguma real importância... É a lutte finale. A contrarrevolução burguesa mobiliza todas as suas forças e aguarda o momento certo para nos atacar (TROTSKY apud REED, 2010, p. 104).

Embora as classes sociais, grosso modo, se definam em duas classes principais: burguesia e proletariado. Por outro lado, qualquer tentativa de simplificação das correntes políticas pode se constituir num grave problema, porque o processo de conquista do poder não pode ser resumido como a luta de um partido pelo poder, mas a luta do povo pelo poder.

Reed (2010) e Tragtenberg (2007), na reconstrução do período revolucionário russo, apontam que existiam várias correntes políticas. As mais significativas estão representadas pelo Partido Cadete, composto por grandes capitalistas e o Partido Social Democrata Russo (POSDR) que abrigava as correntes menchevique e bolchevique. Dentre essas facções, existiam várias correntes que convergiam politicamente tanto com o Partido Cadete quanto para o Partido Social Democrata. Nos mencheviques, havia outras correntes que apontava para a realização das mudanças no âmbito democrático e os bolcheviques que buscavam um processo revolucionário, atingindo a raiz dos problemas sociais.

Reed (2010) caracteriza os mencheviques da seguinte forma:

Esse partido inclui todas as matizes de socialistas que acreditam que a sociedade deve avançar para o socialismo por uma evolução natural e que a classe trabalhadora deve, primeiro, conquistar o poder político. É também nacionalista. Era o partido dos intelectuais socialistas, o que significa que, estando todas as possibilidades de educação nas mãos das classes proprietárias, os intelectuais reagiram instintivamente à sua própria formação e acabaram por se aliar às classes proprietárias. (Op. Cit. p. 32)

Os mencheviques acreditavam no ideal da democracia e na conciliação de classe. Embriagados pela Segunda Internacional, eles acreditavam numa espécie de evolução natural para o socialismo, cujo desenvolvimento das forças produtivas levariam necessariamente a um estágio superior de sociedade, tendo como base a aliança com as classes proprietárias. Dentre as correntes dos mencheviques, havia uma em especial que discordava da formação de qualquer tipo de aliança, porém, não rompia com os mencheviques mais conservadores (REED, 2010). Nos bolcheviques havia também algumas facções, como os maximalistas, porém, suas matizes concordavam em seus aspectos principais, não alterando sua composição de programa.

A corrente representada pelo Partido Socialista Revolucionário tinha uma representação muito forte formada pelos camponeses. Semelhantemente ao Partido Social

56

Democrata Russo, possuía várias facções e uma delas apoiava os bolcheviques. Esse partido era o mesmo de Kerenski, mas um núcleo rompeu com esse partido e formou o Partido Socialista Revolucionário de Esquerda. Esse grupo se constituiu como um apoio fundamental dos bolcheviques. Embora discordasse da condução do processo revolucionário20 encabeçado pelos bolcheviques, participou do governo dos bolcheviques e assumiu algumas pastas ministeriais ligadas principalmente à questão agrária.

Nesse contexto, ter um partido com base política próxima ao campesinato era fundamental, tendo em vista a hostilidade que muitos camponeses demonstravam ter para com os bolcheviques. Muitos latifundiários se infiltraram nos levantes organizados pelos camponeses, descaracterizando totalmente as reivindicações dos camponeses, tornando a massa camponesa bastante heterogênea em seus objetivos políticos.

3.3 Conquista do poder político e seus desdobramentos