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CAPÍTULO 1 – AS IDÉIAS FORA DO LUGAR: A EPISTEMOLOGIA DO

1.2. O LUGAR NAS IDÉIAS : DO PLANEJAMENTO ECONOMICISTA AO PLANEJAMENTO SÓCIO -

1.2.2. Breve compêndio das teorias econômico-espaciais clássicas

Argutos pensadores econômicos alinhados ao (neo)classicismo se voltaram à teorização da dinâmica espacial ainda no século XIX45. Alfred Marshall46, por exemplo, pioneiramente expôs em seus escritos algumas razões pelas quais os agentes econômicos derivam ganhos da prática produtiva em contextos geográficos definidos, isto é, em alguns pontos específicos do espaço em detrimento de outros; prenunciando uma teoria da configuração econômico-espacial centro-periferia, protótipo de uma teoria do desenvolvimento desigual que viria a ser bracejada algum tempo mais tarde. Marshall argumenta que os agentes econômicos incorrem em economias de escala em virtude das externalidades pecuniárias e spillovers tecnológicos advindos da aglomeração espacial.

Nesses termos, a própria concentração de firmas e demais agentes econômicos seria per se responsável pela conjunção de fatores de atração locacional que ficou conhecida como tríade marshalliana, que dizem respeito aos ganhos pecuniários advindos da proximidade física entre fornecedores, produtores e clientes; à possibilidade de formação de amplos e especializados mercados de trabalho; e por último aos ganhos tecnológicos favorecidos pela intensa circulação de informações e conhecimento em dado contexto espacial.

Com efeito, a concentração de firmas oferece potencialmente um grande mercado (em virtude da concentração de demanda de firmas e trabalhadores), além de um adequado aparato de fornecimento, em função da presença dos vários produtores, atinentes aos vários estágios da cadeia produtiva. Consolidam-se assim as conexões a montante e a jusante das cadeias produtivas, que tendem a alavancar o crescimento econômico do núcleo regional e perpetuar a concentração espacial da atividade econômica, configurando um processo de causação circular acumulativa, tal como definido por Gunnar Myrdal47.

44 De maneira geral, a argumentação atinente às teorias espaciais clássicas serão recuperadas nos capítulos 2 e 3, articulada com o nosso objeto empírico.

45 A rigor, já N´A Riqueza das Nações de Adam Smith, obra que marca a fundação da Economia enquanto disciplina autônoma, já se encontram os primeiros argumentos concernentes à importância dos fatores locacionais ou geográficos para o desempenho econômico. Ver SMITH (1996)[1776]. Tais argumentos encontram-se, por exemplo, no capítulo 3 do Livro I.

46 MARSHALL, Alfred (1982)[1890]. Princípios de Economia: tratado introdutório. São Paulo: Abril Cultural, v.I, livro IV, cap.9-10. (Coleção Os Economistas). Esses argumentos marshallianos serão retomados no capítulo 3.

47 MYRDAL, Gunnar (1957). Economic Theory and Underdeveloped Regions. London: Duckworth.

No molde aduzido por Gunnar Myrdal48, os núcleos concentradores podem se formar em virtude das economias de aglomeração e a própria concentração econômico-espacial tende a se realimentar, consolidando o processo de causação acumulativa, concomitantemente ao esvaziamento econômico do entorno regional. Nesses termos, os avanços sociais e econômicos de uma dada região tenderiam a gerar “efeitos de polarização”, se replicando continuamente em novos avanços, conduzindo a rede regional a uma trajetória persistente de segmentação e acentuação das desigualdades, fomentando concentrações cada vez maiores.

A literatura sobre economia espacial e o próprio Myrdal reconhecem, outrossim, que as questões acerca da dinâmica locacional devem ser respondidas a partir da análise do embate entre forças centrípetas e forças centrífugas. Estas promovem a dispersão espacial, ao passo que aquelas impingem a concentração. Dessa forma, todo processo de concentração da atividade econômica traz em si embutida uma dinâmica desaglomerativa.

Existe um “ponto de reversão” – caracterizado pelo esgotamento das vantagens competitivas da aglomeração espacial – a partir do qual o núcleo regional passa a transmitir seu desenvolvimento para áreas de menor densidade urbana e econômica. A aglomeração de maior densidade, em razão dos aumentos de custos ocasionados pela alta remuneração de seus fatores produtivos, passa a demandar bens e serviços das economias vizinhas, fomentando uma relação de complementaridade. Nesse movimento, parte do capital gerado naquele núcleo primaz “transborda” ou “flui” para as regiões da franja periférica, caracterizando os trickling down effects (HIRSCHMAN, 1958, 1964).

Esposando uma percepção aguda da dinâmica econômico-espacial, August Lösch49 procurou demonstrar que a concentração das atividades econômicas em algumas localidades ocorreria mesmo numa situação hipotética em que o espaço fosse perfeitamente homogêneo, em virtude dos retornos crescentes de escala. Nesse sentido, a formulação teórica de Lösch ofereceu um referencial analítico de suma importância para os trabalhos posteriores sobre a problemática espacial, na medida em que cristalizou a articulação entre duas idéias-chave, quais sejam: primeiro, a construção de uma curva de demanda espacial, que tem os custos de transporte como um elemento constituinte fundamental; segundo, o

48 A esse respeito, ver também HIRSCHMAN (1958, 1964). Gunnar Myrdal e Albert Hirschman, embora sigam trajetórias analíticas um pouco distintas, apresentam conclusões téoricas essencialmente similares.

49 LÖSCH, August (1954). The Economics of Location. New Haven: Yale University Press.

posicionamento das economias de escala no cerne da análise regional, como elemento estruturante do espaço econômico. A fusão dessas duas idéias-chave dá origem ao conceito de “área de mercado”, segundo o qual cada centro produtor tem seu alcance limitado pelos custos de transporte, permitindo a existência de outros centros produtores em outros núcleos regionais, consubstanciando uma hierarquização do espaço econômico a partir dos dois elementos básicos: custos de transporte e economias de escala (LEMOS, 1988).

Contudo, no tocante à hierarquização do espaço econômico, foi o também alemão Johann Heinrich Von Thünen50 quem introduziu os conceitos fundadores de uma teoria síntese da dinâmica econômico-espacial. No modelo thüniano, ganha primazia o conceito de renda fundiária enquanto fator desaglomerativo organizador das atividades econômicas no espaço. O modelo original de Von Thünen desenvolve uma teoria da localização de atividades agrícolas, posteriormente incorporado pelos teóricos da economia urbana51. A matriz teórica da formulação de Von Thünen encontra-se na teoria ricardiana52 da renda da terra, que reza que a remuneração desse fator de produção é dada conforme um gradiente de fertilidades. Dessa forma, os proprietários de terras mais férteis auferem ganhos pecuniários pela maior produtividade, ou seja, renda fundiária. À medida que a renda econômica extraída da terra diminui, em virtude do cultivo em áreas gradativamente menos férteis, a renda fundiária tende a se anular. No limite, a terra dita marginal é a que baliza a renda econômica. Todo o sobrelucro auferido em razão da maior produtividade das terras mais férteis será incorporado pelo proprietário da terra sob a forma de renda fundiária. Erigem-se, assim, rendas diferenciais conforme as características do fator de produção, sendo que na terra marginal a renda diferencial é nula53.

A lacuna fundamental do modelo analítico ricardiano reside na desconsideração do mercado como fator locacional. É mister considerar que a economicidade das atividades produtivas tem a distância em relação ao núcleo demandante como um de seus determinantes, donde decorre que a localização relativa ao mercado deve assumir papel

50 VON THÜNEN, J.H. (1966) [1826]. The Isolated State. Volume 1. Oxford: Pergamon Press, 1966.

51 Uma importante contribuição para a transposição do modelo thüniano à localização industrial encontra-se em LEME (1982).

52 RICARDO, David (1996) [1817]. Princípios de Economia Política e Tributação. São Paulo: Nova Cultural (caps. 2 e 10).

53 Posteriormente, Marx introduz o conceito de renda diferencial II, uma espécie de “diferenciação das rendas diferenciais” a partir da introdução do fator capital. Ver MARX, Karl [1861]. O Capital. Livro III, capítulos 37 ao 47. Para avanços na articulação entre as teorias da renda da terra de Ricardo e Marx, e as teorias clássicas da localização, ver LEMOS (1988).

crucial na explicação da renda fundiária, uma vez que é o mesmo mercado o locus da realização da produção, sem a qual as mercadorias são apenas valor em potencial.

A teoria thüniana da localização se presta à superação da limitação supra, além de conter em si a idéia de renda fundiária enquanto fator desaglomerativo da atividade econômica. Apenas as atividades econômicas com maior rentabilidade por unidade de área localizar-se-ão nas áreas centrais, mesmo considerando hipoteticamente uma uniformidade nas condições de produção54. A localização preferencial das atividades econômicas é onde existe a possibilidade de obtenção de lucro diferencial, donde a renda fundiária surge como decorrência da competição, por parte dos produtores, pela localização mais próxima do mercado. Uma vez que os espaços centrais (ou “espaços localizados”) são objeto de monopólio, sua ocupação é seletiva. Na concepção original de cunho thüniano, a renda fundiária é o elemento que exerce o papel de barreira econômica à entrada, comportando-se fundamentalmente como um fator que expulsa rumo a regiões periféricas as atividades menos intensivas, ou seja, com menor rentabilidade por unidade de área.

No entanto, analiticamente, devemos dar um passo além e entender a renda fundiária não somente como um fator de repulsão, mas sim como um robusto conceito explicativo da dinâmica espacial ambivalente, síntese do processo aglomerativo-desaglomerativo, que coaduna em si uma fusão entre as problemáticas genuinamente löschiana e thüniana. A renda fundiária, ao mesmo tempo que é indicativa da existência de vantagens locacionais ao capital e portanto de fatores aglomerativos, uma vez que “reflete maior eficiência das atividades econômicas nesta localidade, que possibilita o crescimento do lucro diferencial urbano” (LEMOS et al, 2001, pp.4); por outro lado é também o elemento que expulsa ou bloqueia a entrada dos capitais vinculados às atividades menos rentáveis, impingindo à desaglomeração. Como bem asserido por LEMOS (1988, pp.302):

“(...) a busca do sobrelucro é o principal motor que aciona a acumulação de capital no espaço, fazendo com que as vantagens naturais ou urbanas das regiões sejam entendidas como fatores determinantes deste movimento. Por outro lado, na medida em que tais vantagens exprimem-se como vantagens de monopólio, temos sua necessária conversão em renda fundiária, que passa a constituir um

‘custo’ (ou ônus) que se adiciona à aplicação pura de capital. Assim, enquanto a existência do sobrelucro constitui, por si, um fator de atração do capital, sua conversão em renda fundiária constitui um fator de repulsão, configurando um movimento contraditório”.

54 Num modelo estritamente agrícola como a formulação original thüniana, diria respeito basicamente às condições naturais de fertilidade do solo. O modelo thüniano recorre ainda a outras hipóteses, tais como coeficientes de produção constantes e uniformidade do custo de transporte no espaço.

1.2.3. A Nova Geografia Econômica: principais resultados teóricos e alguns