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CAPÍTULO I RECOLHER, RECICLAR, REVIVER: O SURGIMENTO DA

1.1 Breve contextualização histórica da CARE

Neste primeiro capítulo serão abordados os processos das primeiras discussões e as dinâmicas que contribuíram para a elaboração e formação da Cooperativa dos Agentes Autônomos de Reciclagem de Aracaju (CARE). Este processo é identificado na expressão e perspectiva da solução de um problema detectado naquela localidade por setores da esfera estatal, condutores/coordenadores das discussões formadoras da base de ações para a criação da cooperativa10. Nesse sentido, a história da cooperativa se traduz como um primeiro espaço de participação vinculada à questão da reciclagem no município de Aracaju.

Balizados por tal perspectiva, para entendermos a dinâmica da criação da cooperativa, faz-se necessário expor o histórico da lixeira da Terra Dura11, vinculando-o ao aterro sanitário localizado nos limites geográficos deste. O aterro serve como local de despejo e de depósito do volume de lixo recolhido no município de Aracaju. Em decorrência da presença da lixeira muitas famílias acorrem ao local para desenvolverem trabalhos com a coleta de resíduos sólidos para a comercialização dos materiais coletados. Além disso, com

10 A organização da estrutura acerca da condução do processo de surgimento da CARE, pode ser visualizado à

partir de um organograma que segue em anexo.

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A lixeira da Terra Dura está localizada em área considerada de expansão de Aracaju; fica situada na parte sudoeste da cidade a uma distância de 20 km do centro da cidade. Seu tamanho é de 3.000m2, sendo a forma do terreno retangular, medindo 500m X 60m.

aparente desigualdade sócio-econômica, deslocam-se para invadir o espaço destinado à lixeira e constituem ali suas residências. Moradias caracterizadas por habitações precárias e subnormais que estavam distribuídas ao longo da área do aterro.

É interessante notar que os trabalhos realizados nesse espaço assumem um contorno de possível organização “independente” no que diz respeito ao processo de produção dos catadores, vivenciado de acordo com as relações identificadas a partir das suas atividades. Esse contorno aparenta resistência a qualquer tipo de mudança na tentativa de organizar os catadores em outro local. Visto que, esse espaço social se mostrava como única fonte de sustentabilidade desses indivíduos, como bem relata um cooperado e ex-catador e morador dessa localidade:

Eu mesmo, não vou mentir pra você. Eu fui muito feliz ali dentro. Não faltava dinheiro no bolso, não tinha preocupação com nada. Dinheiro, amigo, era água mineral, tomar banho, que tinha naquelas fontes de água que vinha da terra. Eu gostei muito dali. [...]. Eu achava que ali era o único meio de sobrevivência (J.C. – entrevista).

Porém, no ano de 1999, foi apresentado aos representantes do Ministério Público o “Projeto Lixo e Cidadania”, dividido em duas fases de ações. A primeira delas consistiu da implantação e consolidação de atuações, firmando uma parceria inicial entre Unicef, Ministério Público e Universidade Federal de Sergipe (UFS), com princípios e objetivos de pensar ações conjuntas, cuja proposta baseia-se em apresentar uma solução aos problemas sócio-ambientais que eram provocados pela inadequação dos resíduos sólidos urbanos da região da Grande Aracaju.

Sob a coordenação do Ministério Público de Sergipe, metas do projeto foram estabelecidas, dentre outras, como: a erradicação do trabalho infanto-juvenil nos vazadouros de lixo e a inserção escolar de todas as crianças e adolescentes envolvidos na catação; redução da mortalidade infantil; geração de emprego e renda para as famílias que sobrevivem da economia de reciclagem; erradicação das habitações nas lixeiras; recuperação das áreas

degradadas pelos lixões; eleição dos catadores como parceiros prioritários na coleta seletiva do lixo e erradicação dos lixões (Relatório Final,1999).

Dada a diversidade das propostas previstas no projeto em relação aos problemas encontrados na localidade, os membros do Ministério Público do Estado de Sergipe – contando com a participação de representantes e técnicos das Prefeituras Municipais de Aracaju, Nossa Senhora do Socorro e São Cristóvão, FUNDESE, ADEMA, ITPS, Banco do Nordeste, Conselhos Tutelares da Criança e do Adolescente, DESO, EMSURB e TORRE12 – chegaram a decisão de que seriam divididas as ações em dois subprojetos com as denominações de “Criança Fora do Lixo e Dentro da Escola” e o “Aterro Sanitário e Prevenção Ambiental” e, devido a isso, foram desenvolvidas outras propostas “estratégicas” como:

[...] efetuar o cadastramento das famílias envolvidas na atividade de catação do lixo, visando dimensionar o problema; promover articulações com os mais diversos segmentos sociais, de forma a viabilizar uma maior participação da sociedade civil na formulação de propostas e conhecer experiências desenvolvidas por outros estados, no tocante às soluções encontradas para os lixões urbanos e para a população catadora (Relatório Final).

Posteriormente, na possibilidade de tornar ágeis as atividades do projeto, a implementação foi coordenada pela Promotora de Justiça Maria Izabel Santana de Abreu e pela Promotora Maria Cristina G. S. F. Mendonça, nesse período integrantes do Centro de Apoio Operacional do Ministério Público.

Segundo dados observados junto aos relatórios e documentos do Projeto “Lixo e Cidadania”, do Programa de Defesa Comunitária do Ministério Público do Estado de Sergipe, em 1999 foi realizado o cadastramento dos trabalhadores da lixeira do bairro Santa Maria, quando foram identificadas 310 (trezentas e dez) famílias, perfazendo um total de 1.080 (mil e

oitenta) pessoas que sobreviviam das atividades de catação de materiais na lixeira. Acerca da aplicação dos trabalhos junto aos catadores, foi constatado que 42 (quarenta e duas) famílias residiam no interior da lixeira em barracos de madeirite13, onde também foram construídos uma igreja e 2 (dois) sanitários destinados ao atendimento das famílias.

Na avaliação dos representantes e técnicos aqui mencionados, durante a implantação do projeto foram direcionadas ações com o intuito de enfatizar o êxito das propostas. Um aspecto que mereceu particular atenção foi às condições que contribuíram para a criação da CARE, no que diz respeito ao cercamento da área do aterro e a construção de uma guarita na entrada da lixeira do bairro Santa Maria (esta era controlada pela Empresa Torre). Com isso, houve um controle na entrada de caminhões de coleta de lixo e também dos catadores, que trabalhavam e comercializavam os materiais coletados.

Com a definição quanto às ações realizadas, destacamos o processo de extinção das habitações, com a destruição dos barracos existentes internamente no espaço que se destina à lixeira. A posteriori as famílias de catadores foram conduzidas para casas de alvenaria do tipo popular, obtidas junto ao Governo do Estado, no Conjunto Padre Pedro, bairro Santa Maria.

Antes da efetiva criação da CARE seus idealizadores visitaram a ASMARE (Associação dos Catadores do Papel Papelão e Material Reaproveitável) na cidade de Belo Horizonte, com o objetivo de conhecer a experiência desenvolvida pela organização social e produtiva dos catadores e ex-moradores de rua. Organização que, segundo Conceição (2005), prima pelo resgate da auto-estima daqueles agentes, articulando um entendimento acerca da utilidade prática de cidadania a essa parcela excluída da população.

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Madeirite é um dos nomes dado ao compensado resinado utilizado na construção civil, lembrando que madeirit é marca registrada de um tradicional fabricante e virou sinônimo para todas as formas de compensado resinado.

Espelhados na experiência da ASMARE, os representantes envolvidos com o projeto em Aracaju adotaram medidas levando em consideração às altas taxas de analfabetismo e a ausência de práticas inscritas nos princípios de cidadania observados nessa localidade. Decidiram iniciar o processo com ações direcionadas à melhoria das condições de vida dos catadores da lixeira, executando cursos de alfabetização para jovens e adultos, a fim de possibilitar às famílias um processo de reintegração a uma nova realidade social, ou seja, providenciar condições para constituir uma cooperativa de trabalho e renda, permitindo aos mesmos não retornarem a procurar o seu sustento em atividades internas na lixeira.