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3. ASSOCIAÇÕES TRABALHISTAS E AÇÃO COLETIVA

3.1 BREVE DISCUSSÃO SOBRE O CONCEITO DE INSTITUIÇÃO

Pensar a incorporação da classe trabalhadora no cenário político institucional é similar a pensar na própria formação da sociedade capitalista (meados do século XVIII), que acabou por “abalar” e formar uma nova ordem social. Entre os anos de 1890 a 1930 houve, nos países da Europa Ocidental, um aumento na formação das organizações trabalhistas, refletindo a mobilização inicial da classe trabalhadora como meio de empreender ação coletiva através de greves e das associações. Tal fato permitiu às elites trabalhadoras mobilizar bases de suporte por meio das quais construíram suas organizações e comprometeram esses recursos organizacionais em uma luta política, no intuito de serem aceitos na polity, a fim de não terem que utilizar somente do recurso grevista como meio de pressão. Isto refletiu na centralização e na burocratização das organizações de interesses dos trabalhadores, o que fez aumentar sua capacidade de mobilização e luta política no âmbito institucional nas sociedades industriais (PRATES, 1986, p. 10). Mesmo a intensidade e a extensão do conflito nesse processo de formação das classes trabalhadoras tendo sido diferenciadas entre países com tradições políticas diversas, houve um padrão relativamente homogêneo quanto às formas de luta e à busca por melhores condições de trabalho e vida.

Sobre o aspecto institucional no seio das classes trabalhadoras, primeiramente se faz necessário entendermos o conceito de instituição. Em linhas gerais, podemos definir instituição como sendo um conjunto duradouro de práticas tipificadas de ação social que regem a interação entre os seus membros, e como tal é reconhecida pelas outras instituições sociais. Em termos organizacionais, o conceito sociológico de instituição focaliza a existência de um conjunto de normas e valores que pautam como referência o comportamento das pessoas nelas envolvidas27. A institucionalidade das associações trabalhistas estaria ligada às

normas coletivas aceitas, a fim de que regulassem a convivência entre os membros

27 Para uma abordagem mais detalhista sobre este assunto ver: BERGER, Peter L. Perspectivas

associados e permitissem a canalização de energias individuais para a produção de bens coletivos. Dito isto, podemos afirmar que as associações trabalhistas investigadas nesta pesquisa tinham características institucionais, ou seja, possuíam identidade própria e um forte potencial para serem mobilizadas.

Na tradição sociológica, mais especificamente nos pensadores clássicos, podemos identificar duas vertentes de análise institucional, como dito na introdução desta pesquisa. A primeira seria relacionada aos trabalhos de Émile Durkheim, que via nas instituições sociais sistemas que, através do seu potencial, impõem limites às escolhas individuais. A segunda vertente pode ser encontrada nos escritos desenvolvidos por Max Weber, que tem na instituição um construto de ação social baseado em valores e normas compartilhados. Enquanto a teoria durkheimiana enfatiza os limites da interação social, a abordagem weberiana focaliza os estímulos à ação, produzidos pela possibilidade objetiva de interação social, suportada pela institucionalização.

A perspectiva durkheimiana é bastante adequada para abordagens macroestruturais, como religiões, organização social, sistema de solidariedade societais. Já a abordagem weberiana foi melhor capturada pela sociologia das organizações através do modelo neoweberiano (PERROW, 1986), especialmente da teoria da institucionalização organizacional formulada por Selznick (1971). No nosso caso, é esta abordagem que usaremos como instrumental teórico para analisar as associações trabalhistas de Belo Horizonte no início do século XX.

Segundo Philip Selznick (1971), as organizações coletivas têm duas faces: a formal, composta pela busca de racionalidade no mais puro estilo da burocracia weberiana, e a informal, composta pela emergência de foco de identidades e interesses que articula subgrupos na organização. Enquanto a primeira face revela a estrutura racional legal da organização, a segunda revela a constituição da “polity”, ou seja, da vida política da organização.

Neste caso a interação informal no interior das organizações formais constitui uma fonte potencial de institucionalização do sistema organizacional, na medida em que possibilita a emergência de focos próprios de identidade. Nesta perspectiva:

[...] a organização formal, no decorrer de sua história, poderia vir a adquirir um caráter e uma identidade próprios transcendendo, assim,

os limites estreitos da lógica instrumental que a conduzia na sua infância. A esse processo, Selznick denomina institucionalização organizacional. O arcabouço formal da organização impregna-se de valores e moralidade, transformando-se em uma instituição assentada nos valores básicos que articulam a identidade dos seus membros e reconhecida pelos atores externos que convivem em seu contexto de ação. Deste ponto em diante, as organizações passam a agir em seu próprio nome, adquirem um status de realidade sui generis e se comportam como atores estratégicos em seu ambiente (PRATES, 2000, p.124).

A abordagem selznickeana procura enfatizar a metáfora do ator organizacional que, como os atores individuais, possui um caráter distintivo e uma identidade própria capazes de desenvolver ações e estratégias no seu ambiente. A atribuição de um status político às instituições organizacionais permite vê-las como focos estratégicos de articulação de identidades e interesses nas sociedades modernas. Elas participam do jogo de poder que determina os arranjos institucionais da política e consequentemente a definição de quem se qualifica como participante legítimo das decisões políticas (PRATES, 2000, p. 126).

Assim, é importante termos em mente que o que consideramos como instituições, nesta pesquisa, seria o de ponderar sobre a possibilidade de ação política da organização institucionalizada vista como ator coletivo. Ou seja, ao entendermos que as instituições podem ser formais ou não, com normas e valores que “controlam um grupo”, temos por meta que elas podem levar à resolução do problema da ação coletiva, buscando métodos objetivos e modelos racionais para concretizar as intenções almejadas. Assim, o modelo institucional proposto para este trabalho requer, antes de mais nada, entender a canalização dos comportamentos, compromissos e lealdades dos trabalhadores (filiados nas associações trabalhistas), a fim de resolver o problema da ordem e da ação coletiva.

Portanto, para finalizarmos este debate teórico em torno da questão institucional, veremos que nas unidades de análises, as associações trabalhistas fundadas na capital mineira no início do século XX, apresentavam em seus arranjos aspectos institucionais para se organizarem em busca de melhores condições de trabalho e vida. Os métodos de luta giravam em torno da resolução dos problemas relacionados aos interesses comuns. A questão institucional se torna basilar quando percebermos que as associações trabalhistas tinham regras, normas e os atores envolvidos compartilhavam dos mesmos ideais, sendo estes de fundamental importância para se pensar os processos de tomadas de decisões a fim de buscar

melhores condições de trabalho.

Cabe ressaltar, como vimos no capítulo anterior, que o trabalhador da cidade de Belo Horizonte foi ao mesmo tempo seu construtor e morador, ocupando espaços de sociabilidade e “fazeres”. E é a partir deste aspecto de “construção” (em sentido lato) da cidade, suas disputas e tensões por ocupação e visibilidade do espaço citadino que focalizamos a organização dos trabalhadores em associações que apresentavam, em muitos aspectos, características institucionais.

Destacamos ainda que as associações trabalhistas são aqui compreendidas como coletividades formadas por uma pluralidade de atores sociais, individuais e organizacionais ligados em modelos de interação, com base em identidades compartilhadas construídas mediante relações de conflito, cooperação e a multiplicidade de ideias.