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É possível remontar registros em imagens em sequências representando ações desde os primórdios da presença do homem na Terra. Durante a história o homem registrou por meio de desenhos (muitos deles sequenciais) suas atividades e crenças. Pinturas, tapeçarias e até arquitetura já foram usadas como suporte a essa linguagem, como fora mostrado na introdução deste trabalho.

No entanto, o recorte de histórias em quadrinhos que usaremos neste trabalho é o que se iniciou com o advento da imprensa, pois foi através dos formatos impressos, como as tiras, álbuns ou revistas que forma definidos elementos dessa linguagem e a mesma se tornou conhecida popularmente. Devido a sua ligação com a imprensa, as primeiras histórias em quadrinhos eram sátiras políticas publicadas por jornais e revistas na Europa e Estados Unidos, que sempre traziam caricaturas acompanhadas de texto e diálogos humorísticos.

O Festival Internacional de Banda Desenhada de Angoulême, na França, o maior festival de quadrinhos da Europa, realizado desde 1974, reconheceu o livro Les

Amours de Monsieur Vieux Bois, de Rodolphe Topffer, como o precursor dos

quadrinhos modernos, cuja publicação é de 1827. As histórias em quadrinhos de Topffer empregavam caricaturas e quadrinhos além de apresentar a primeira combinação independente de palavras e figuras (Figura 9).

O livro Max und Moritz (1865) do escritor e desenhista alemão Willhelm Busch também é considerado um dos precursores dos quadrinhos modernos pois cada ação dos quadros era ricamente ilustrada, criando uma simbiose com o texto, tornando a leitura mais agradável para o público (TEIXEIRA, 2011) (Figura 10).

Figura 9: Amours de Monsieur Vieux Bois de Topffer. Disponível em http://migre.me/7xOAe

Nos Estados Unidos a primeira publicação é atribuída a The Yellow Kid (1896) de Richard Felton Outcault, que além de ser publicada em tiras de jornais foi também, nos Estados Unidos, o primeiro a ser publicado em formato de revistas (Figura 11).

Figura 11: The Yellow Kid de Richard Outcault. Disponível em http://migre.me/7xPj9

A partir de 1929 as tiras que eram publicadas em jornais passaram a ser veiculadas em edições de revistas periódicas, que foram chamadas de comic books, termo atribuído pois as primeiras histórias eram sátiras políticas de humor ou histórias cômicas em geral. O termo comic books ainda é usado nos Estados Unidos apesar do conteúdo das histórias apresentarem outros gêneros como aventura, ação, terror etc.

Após as histórias em quadrinhos "migrarem" dos jornais para as revistas, não demorou muito para que fosse percebido seu potencial expressivo e comercial e, durante a década de 1930, ocorreu a consolidação de gêneros como aventura, ficção científica, policial, histórias de guerra e tantos outros. Alguns exemplos desta época são as histórias de Tarzan de Harold Foster e Flash Gordon de Alex Raymond. Em 1938 surge nas páginas da revista Action Comics aquele que talvez seja o personagem mais importante para a ficção do século XX, o Super-Homem. Juntamente com o "homem de aço" surgiu uma centena de outros personagens, cada um ocupando páginas de revistas próprias dando início ao que popularmente é conhecido como "A Era de Ouro" dos quadrinhos americanos.

A partir deste momento as histórias em quadrinhos passaram a ser exploradas em seu potencial narrativo, sendo consumidas por pessoas de classes sociais diversas e das mais variadas faixas etárias, se tornando uma das mídias mais importantes da moderna indústria cultural americana.

A sua distribuição desde aquela época e até hoje se dá através de bancas de jornais e lojas especializadas, as Comic Shops. Na década de 1950 surgem nos Estados Unidos trabalhos mais "intelectualizados" como as histórias em quadrinhos de Jules Feiffer e Charles Shultz, seguidas do movimento underground nos Estados Unidos, em 1960, revelando outros talentos como Robert Crumb que eram publicados em fanzines ou revistas independentes.

Na Europa as histórias em quadrinhos desde seu surgimento foram percebidas como uma forma de expressão de grande potencial e muitos artistas desenvolveram trabalhos mais elaborados, em álbuns luxuosos sempre distribuídos em livrarias para um público de padrão cultural elevado. As revistas destinadas às bancas tinham um tipo de edição diferente, não focando em um ou outro personagem, como no mercado americano, mas sim em coletâneas de trabalhos de diversos artistas. Em geral, ao fim da publicação em capítulos nas revistas periódicas, as histórias eram novamente publicadas em álbuns isolados e assim surgiram nomes que são referência para os quadrinhos europeus como Guido Crepax, Moebius, Philippe Druillet, Milo Manara, entre outros.

Com o aumento vertiginoso do mercado de quadrinhos americano e seu foco nas histórias de "super-heróis", os comic books passaram a funcionar como indústria, com os grandes estúdios ditando as regras das revistas que são produzidas numa linha de produção que envolvem diversas etapas e profissionais, sempre buscando prazos mais curtos e com foco em personagens e não em boas histórias. Segundo FRANCO (2004), é dada pouca importância aos autores e não há pesquisa de linguagem, roteiros são cheios de clichês e os desenhos copiam padrões vigentes em cada época. Muitos comics americanos continuam seguindo este padrão até os dias de hoje.

No entanto, foi nas obras de quadrinhos autorais, já populares na Europa, que os quadrinhos alcançaram a sua maior expressividade, inclusive no mercado americano. Na década de 1980, uma nova leva de autores, alguns europeus como os ingleses Alan Moore e Neil Gaiman, juntamente o americano Frank Miller conseguiram publicar no mercado americano histórias autorais, voltadas para um público adulto, mesmo que as mesmas ainda estivessem "travestidas" de histórias de super-heróis, como em Batman: O Cavaleiro das Trevas de Frank Miller,

Watchmen de Alan Moore e Sandman de Neil Gaiman. Pouco antes destes

acontecimentos, em 1978, Will Eisner lançou Um Contrato com Deus (Figura 12), uma história em quadrinhos autoral, publicada em formato de livro com acabamento de luxo, formato este que ele batizou de graphic novel (romance gráfico). Alguns afirmam que cunhar o termo "graphic novel" e chamar a linguagem das histórias em quadrinhos de "arte sequencial" tenha sido uma forma de Eisner separar sua obra dos comic books voltados ao público infanto-juvenil, para que a mesma seja tratada como uma obra para adultos ou para que a mesma tenha um valor comercial diferenciado. Independente das razões de Eisner, os quadrinhos em formato de livro ou álbuns, as graphic novels, produzidas de forma a valorizar o trabalho autoral do escritor e do desenhista, se tornaram o formato onde os quadrinhos alcançaram sua maior expressividade.