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Breve História do Casamento

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1.3. Conjugalidade

1.3.3. Breve História do Casamento

Na história do casamento, da Antigüidade até a Idade média, eram os pais que cuidavam do casamento dos filhos. O casamento não consagrava um relacionamento amoroso, era um negócio de família, segundo o qual dois indivíduos

assumiam um compromisso de associação permanente entre duas famílias, considerado um investimento importante, pois representava uma estabilidade incomum (Ariès, 1978; Vainfas, 1986; Casey, 1989).

Na história da humanidade sempre foi o eixo da estabilidade social, mais importante que o amor entre os casais. Os papéis diretamente ligados ao casamento visavam a criação dos filhos, a transmissão de valores, o núcleo econômico e facilitador das tarefas diárias da vida. Escolha e paixão não pesavam nessas decisões e a sexualidade para a reprodução era parte da aliança firmada (Casey, 1989).

No início do século XI, passou a existir a liturgia do vínculo conjugal, que era uma cerimônia religiosa que tornava lícito o matrimônio, seguindo as regras da religião católica, teve início nos países anglo-normandos. Nessa época, o ritual transferiu-se para a porta da igreja, com maior participação do padre. O pai entregava a moça ao padre que a entregava ao esposo. Ao longo do tempo, essa cerimônia foi passando por algumas transformações; no século XIV, o padre passou definitivamente a consolidar a liturgia matrimonial. Assim, ele substitui, ritualmente, o pai da noiva e a casa do noivo foi substituída pela entrada da igreja. O objetivo do casamento era espiritualizar e conferir caráter oficial às relações sexuais, até então sujeitas a considerável incerteza (Casey, 1989).

O projeto de construção da supremacia da igreja no Ocidente, do século XI ao XIII, aproveitava-se da estratégia matrimonial na medida em que transferia o matrimônio para a chancela da Igreja, constituindo-a como um instrumento de poder. Dessa forma, por meio da liturgia matrimonial, a Igreja aproveitou-se e sobrepôs-se às famílias, impondo aos leigos a sua moral (Vainfas, 1986).

Apesar de o casamento na Idade média ser considerado o pior dos bens, era forçoso fazer dele uma união sagrada. Tomás de Aquino, em sua Suma Teológica do

século XIII, admitia que o matrimônio era um sacramento e que as relações carnais é que o tornavam indissolúvel. A partir de então, houve uma transformação na história do casamento ocidental, quando o mesmo passou a excluir a pureza e a exigir o “pecado carnal”, modificado a partir de então. Nesse conjunto de fatos, o sacramento e a indissolubilidade do casamento passaram a se constituir nas bases do triunfo político da Igreja (Casey, 1989).

A partir do sacramento do matrimônio e da ordenação do leito conjugal, a relação carnal no casamento condenava totalmente a paixão e o ardor. Qualificaram- se os atos em permitidos ou proibidos, tendo em vista a função procriadora do sexo. A união no leito conjugal deveria ser fria, com movimentos controlados e sem paixão. No núcleo da vida sexual padronizada surgiu, nessa época, o conceito de posse; cada um dos cônjuges era considerado dono do outro pelo fato terem se unido sexualmente (Casey, 1989).

A igreja católica instituiu, então, o casamento como o único espaço legítimo para uso da sexualidade, com o objetivo exclusivo da procriação. Ao longo desse caminho, desde o início do cristianismo, várias parcelas da Igreja dividiram-se entre aceitar e condenar o casamento. Acredita-se que o casamento era recomendado como um consentimento e não como um mandamento, apenas para evitar a lascividade do homem. Além de restringir a sexualidade ao casamento e à procriação, a moral cristã proibia qualquer método contraceptivo e considerava pecado toda atividade sexual fora do matrimônio (Vainfas, 1986).

A partir da revolução burguesa, inicia-se um processo de dessacralização do poder da Igreja, o que vai retirar a ilusão religiosa construída até então. Desse modo, os ideais de amor romântico inseriram-se diretamente nos laços emergentes entre liberdade e a auto-realização (Giddens, 1992).

Assim, mesmo com a diminuição do poder da igreja católica, acredita-se que o ritual do matrimônio, ainda na atualidade, tem o papel de delimitar, para muitas pessoas, um espaço daquilo que é ou não permitido.

O ritual do matrimônio na idade contemporânea tem a finalidade também de concretização de expectativas românticas das mulheres, as quais descrevem o matrimônio como a “realização de um sonho”.

O ideal de amor romântico refere-se a uma representação de um “amor eterno”, “imortal”, capaz de ultrapassar todas as vicissitudes, que é “único”, pois só “se ama verdadeiramente” alguém uma vez na vida. Esse alguém, que é a “alma gêmea”, refere-se a um amor que traz a “completude” e que, muitas vezes, é um amor “inacessível” e “proibido”, como nas histórias de “Romeu e Julieta” ou “Tristão e Isolda” (Costa, 1999; Aratangy, 2007; Cardella, 2009).

Giddens (1992), ao dissertar sobre a transformação da intimidade nas sociedades ocidentais, lembra que, desde sua origem, o amor romântico caminha para a intimidade, para comportamentos íntimos, que levam os indivíduos a um encontro reparador com o ser amado à medida que o outro preenche um vazio; o ser fragmentado sente-se inteiro. Por intimidade, Carpenedo e Koller (2004) referem-se ao sentimento de proximidade, conexão e união no relacionamento amoroso.

O amor romântico, enquanto meio para intimidade entre os indivíduos, era uma peculiaridade feminina na medida em que as questões da própria vivência íntima e os sentimentos eram trabalhados de forma constante na cabeça das mulheres, ao longo de décadas. Contudo, como resultado da emancipação da mulher e pela autonomia conquistada ao longo desses anos, o laço conjugal passou a ser apresentado e mantido de forma diferente, pois se objetiva uma relação de igualdade entre homens e mulheres; só desse modo convém manter-se em uma conjugalidade

(Jablonsky, 2003).

Observa-se que ainda hoje o casamento e a conjugalidade mantêm parte desse ideal de amor romântico. Segundo Lins (1999), o principal conceito não modificado totalmente no decorrer dos séculos , é a crença de que o ‘amor verdadeiro’ deve se constituir em adoração mútua. Contudo, esse amor organiza-se no moldes das relações igualitárias, segundo as quais não existe o forte e nem o fraco.

Em seu artigo, Carpenedo e Koller (2004) concordam que, ao contrário de algumas décadas atrás, as relações estão mais justas entre os homens e mulheres. Desse modo, lembram que o casal deve caminhar junto, na mesma direção, pois ambos têm o poder de escolher o rumo a ser percorrido. Assim sendo, a vida conjugal, na sociedade contemporânea, é baseada em escolhas recíprocas de afetividade, sexualidade e noções de amor.

Nas relações conjugais da contemporaneidade, o companheirismo é peça fundamental da convivência, pois é como uma estrutura que confere base de sustentação à uma grande construção. As diferenças entre os parceiros devem enriquecer a relação pelas características especiais que cada um carrega e não causar discórdia (Albuquerque, 1996).

Um relacionamento maduro assinala Von Koss (2000), é estabelecido entre uma mulher e um homem plenamente adultos, autônomos, independentes e complementares. Assim, o amor entre esses parceiros precisa atender às necessidades de ambos.

O mito do casal perfeito, aquele que supera todas as diferenças pelo amor, tem, por finalidade última, a felicidade eterna. O amor encontra, na proposta de institucionalização de um laço, a esperança de que, pela palavra empenhada na presença de terceiros, seja assegurado o cumprimento das promessas amorosas

(Brasil, 1994). Contudo muitas vezes essa conjugalidade não sustenta essas promessas e se rompe com muita facilidade.

Assim, alterou-se a forma de avaliação de um casamento; a união não precisa ser para sempre, pode romper-se e as pessoas reconstroem suas vidas. Não existem mais garantias de amor eterno. As relações entre os homens e mulheres estão reeditando antigos papéis de forma a adaptá-los às novas exigências (Diniz, 1999).

Desse modo, na atualidade o casamento deixou de ser a única modalidade aceita de relacionamento. Nas últimas quatro décadas ataca-se o amor romântico e abre espaço para o amor relacionamento, um processo vivido a dois, em que se diminui o peso depositado na relação conjugal como espaço de realização de todos os sonhos e fantasias até então adiados. Esse tipo de idealização do casamento, produto de expectativas irreais, acaba sendo a porta de entrada para muitas frustrações (Aratangy, 2007).

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